Escola estadual conquista prêmio de Direitos Humanos

Trabalho voluntário baseado na prática de resolução de conflitos em grupo consegue melhorar o ambiente escolar

sex, 02/01/2009 - 10h06 | Do Portal do Governo

A Escola Estadual Julieta Caldas Ferraz terminou o ano letivo de 2008 com uma grande conquista: recebeu o Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos. A criação, pelos próprios alunos, de um fórum permanente de combate a atitudes discriminatórias – denominado Grupo Estudantil contra a Discriminação (Gecadis) – garantiu, além do prêmio, outra grande vitória: a redução da incidência do bullying (violência psicológica ou física intencional e repetida) nas dependências da instituição escolar, localizada no município de Taboão da Serra, na Grande São Paulo. Participaram do concurso a Secretaria de Educação, escolas e universidades públicas e privadas de todo o País. A Julieta Caldas Ferraz ficou em segundo lugar na categoria A Educação em Direitos Humanos na Escola – Escolas Públicas, da qual participaram 350 escolas públicas.

Tudo começou em 2005, quando a escola participou da Conferência para o Meio Ambiente, promovida pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) e pelo Ministério do Meio Ambiente, evento aberto a todas as unidades escolares do Estado. A tarefa de cada uma era desenvolver uma atividade que pudesse ser colocada em prática no dia-a-dia, com base em temas específicos, como meio ambiente e racismo. Os alunos da Julieta Caldas apresentaram várias propostas, e a idéia do fórum foi a vencedora. Em 2006, foi desenvolvida e aprimorada, e em 2007 as professoras Rosemeire de Moraes e Rosemary Romera de Freitas começaram a colocá-la em prática.

O Gecadis é formado por alunos, professores e secretários da escola. Só estudantes são 30, com idades entre 11 e 17 anos. Todos recebem orientação para sempre que forem ofendidos por algum colega contatar um dos integrantes do grupo e expor a situação. Os membros do Gecadis então se reúnem e chamam o agressor e o agredido para que, cara a cara, tentem entrar em acordo, sempre com a ajuda dos colegas. “Mais do que conseguir uma desculpa do agressor, a gente procura também fazer com que ele reconheça o mal que aquela ofensa pode ter causado ao amigo”, explica Daiane Carlo Gomes – 15 anos, estudante da 8ª série. Em alguns casos, segundo ela, o agressor nem imagina que sua brincadeira, a princípio despretensiosa, ofendeu o aluno, e muitos chegam a se surpreender quando são chamados ao fórum.

Dentro e fora

As conseqüências da discriminação na escola refletem-se no desinteresse pelas aulas, na queda de rendimento, e até na depressão e na evasão escolar. Em muitas situações, o ofendido não se queixa nem demonstra que sofreu com a ofensa, mas seu comportamento muda, torna-se agressivo, disperso ou depressivo. “Procuramos fazer com que o agressor se arrependa, e isso tem de ser feito com o coração, não só da boca para fora, enquanto está na nossa presença”, ressalta Daiane.

O trabalho do grupo não se restringe a atender reclamações. Está sempre vigilante, dentro e fora da escola, à procura de “comportamentos suspeitos”.

Um agressor que foi levado ao fórum, por exemplo, passa a ser constantemente monitorado, a fim de evitar possíveis reincidências. Além de resolver os conflitos, os alunos acompanham o agredido na saída da escola e, em alguns casos, ligam para os pais e pedem para buscá-lo mais cedo. “Muitas vezes, o ofendido tem receio de nos abordar e contar, porque teme ser pego fora do estabelecimento de ensino. Então tentamos dar assistência e um pouco de segurança para essa pessoa lá fora também, pois nosso trabalho não acaba aqui na escola”, destaca Jéssica Rayani Correia, 13 anos, 6ª série.

Ela lembra que, certa vez, quando sua sala foi dividida em duas turmas (a dos mais adiantados e a dos mais atrasados) para melhorar o aproveitamento dos alunos, ninguém escapou. Uns eram chamados de CDFs, Nerds, enquanto outros eram tachados de burros. “Tivemos um trabalho enorme para explicar que ninguém era melhor do que ninguém e que estávamos separados porque cada grupo precisava de ensinamentos diferentes”.

A diretora Leny de Cássia Hayashida garante que a incidência de bullying na escola reduziu-se drasticamente no último ano. “O interessante é que essas questões não vão para a diretoria, porque o próprio fórum dá conta de resolvê-las. Muitas vezes, os conflitos não chegam nem aos pais dos alunos”, comemora.

Troca de idéias

Engana-se quem pensa que o Gecadis é apenas a turma do deixa-disso. Todas as quartas-feiras, o grupo se encontra fora do horário de aula para discutir questões como auto-estima e respeito às diferenças. Debatem matérias veiculadas na imprensa e estudam métodos de trabalho. Depois, elaboram cartazes e vão de sala em sala expor os resultados. “Atuamos em duas frentes: nos estudos em encontros semanais e na resolução de conflitos, em reuniões com duração de aproximadamente 20 minutos, quando todos os membros do grupo são deslocados das aulas para realizar o atendimento”, explica Rosemeire de Moraes, professora de Língua Portuguesa e uma das coordenadoras do fórum.

A diretora Leni impressiona-se com a disposição e o comprometimento do grupo. “É importante destacar que os integrantes se reúnem em horário que já poderiam estar em casa, para realizar atividade que não acrescenta pontos em suas notas”, elogia. Ela acredita que o fato de a escola ter adotado, há muitos anos, prática de ensino voltada para a construção da cidadania e o respeito ao meio ambiente beneficiou o sucesso do fórum. “Acho que essas crianças são o resultado dessa política aplicada há mais de 18 anos”. Anualmente, a escola organiza mostras e eventos destinados a estimular os alunos a refletir sobre questões como a formação do povo brasileiro, diversidade racial e importância de valorizar as próprias origens. “Com isso, procuramos preservar a auto-estima e o orgulho de ser cidadão brasileiro, multirracial e multicultural, bem como destacar a importância de ter atitudes responsáveis em relação ao ser humano e ao meio ambiente”.

Gustavo e os dois lados da história

Krissia Barros tem 12 anos, está na 5ª série, e é estudiosa e falante. Mas nem sempre foi assim. Poucos meses atrás, pensou em desistir de estudar. Na escola, era chamada de “cabelo de bombril”. Envergonhada, resolveu colocar apliques, o que lhe rendeu o apelido de “cabelo de miojo”. Passou então a usar capuz todos os dias, mesmo no verão. “Sentia-me muito mal, ficava nervosa e nem queria mais vir à escola, cheguei a ficar deprimida”, lembra a garota, que passou pelo fórum muitas vezes até conseguir que as agressões parassem. Durante as reuniões, os agressores sempre se desculpavam, mas depois continuavam os xingamentos. “Chegou um momento em que eu nem ligava mais para os pedidos de desculpas. Não eram sinceros”.

Hoje, Krissia não usa apliques nem capuz, e é uma entre os 30 membros do Grupo Estudantil contra a Discriminação (Gecadis). Aprendeu que é preciso aceitar e respeitar as características do próprio corpo e agora tenta transmitir isso aos colegas que chegam às reuniões do fórum. “É muito bom observar a mudança no comportamento da Krissia, agora mais desinibida e muito participativa nas aulas”, elogia a professora de História Rosemary Romera de Freitas, coordenadora do Gecadis.

Um dos ex-agressores de Krissia, Gustavo Andrade Ferreira Rocha, 11 anos, pode dizer que conheceu os dois lados da história. Cansado de ser chamado de “ovo” e “cabeção”, procurou o pessoal do fórum e hoje trabalha no Gecadis, transmitindo aos colegas a lição que garante ter aprendido muito bem.

Da Agência Imprensa Oficial