Entrevista do governador Mário Covas, após visita do presidente eleito do México, Vicente Fox

nd

qui, 10/08/2000 - 12h37 | Do Portal do Governo

Segue a íntegra da entrevista coletiva do governador Mário Covas, concedida na manhã desta quinta-feira, dia 10, no Palácio dos Bandeirantes, após a visita oficial do presidente eleito do México, Vicente Fox:

Repórter – Governador, a redução do ICMS sobre os combustíveis, o senhor reagiu negativamente. Por que?

Covas – Eu soube disso na semana passada. Por que? Puxa vida, eu só vejo o Governo Federal aumentar imposto e o Estadual só diminui o seu. Eu só diminuí imposto, aqui.

Repórter – Quanto o Governo do Estado perderá se houver essa diminuição do ICMS sobre os combustíveis?

Covas – Quanto reduzir. O combustível, telecomunicações, energia e outras, responde por quase 30% da receita do Estado.

Repórter – Que tipo de conseqüências isso poderia trazer?

Covas – Como é que vão fazer? Vão diminuir imposto estadual? Como? Imposto estadual quem decide é a Assembléia Legislativa. Ou será que por um ato de império vai se determinar que vai diminuir imposto estadual? Como isso? Olha, a única vez em que cometi a asneira de sugerir um aumento eu fui quase crucificado no Estado e por vocês principalmente. Foi quando eu propus que se pagasse meia hora de estacionamento em frente ao Hospital das Clínicas para a polícia ter o melhor equipamento do mundo. Foi a única vez. Fora isso, já diminui impostos de todos os bens ligados à construção civil, todos os bens ligados à cesta básica, dos restaurantes, dos bares, diminui imposto de todo mundo, melhorando com isso a atividade econômica. Nunca passei do limite mínimo que a lei proíbe que é de 12%. Bom, mas agora ainda querem tirar mais receita do Estado? Vocês já viram o Governo Federal dar alguma coisa do lado dele? O Everardo não deixa. Vocês chegaram a ler a reforma tributária que se mandou para o Congresso?

Repórter – Por falar em reforma tributária, o senador Antonio Carlos Magalhães disse que a culpa da reforma não sair esse ano é do governador de São Paulo. É mesmo?

Covas – Bem, outro dia eu vi ele dizer assim: “Precisa dizer para o governador Covas que não passa isso no Congresso de jeito nenhum”. Portanto, ele manda muito mais do que eu. Eu nem congressista sou mais. Ela não passou não foi por minha causa, não. Eu fui a uma reunião na qual ele não estava, em Alagoas, e entre os 27 governadores nem todos estavam presentes, mas onde o único a defender a reforma tributária fui eu.

Repórter – O senhor acredita que realmente o Congresso está disposto a retomar essa discussão ou isso é só uma tentativa para abafar o escândalo Eduardo Jorge?

Covas – Não é por isso não. É porque o projeto depois que foi para as mãos do Everardo Maciel ficou ruim mesmo. Mas ruim, ruim, ruim. Ele criou até imposto sobre coisa que não se sabe o fato gerador. Criou um tal de Imposto Federal Sobre Bens e Serviços. A característica de qualquer imposto que se cria é determinar qual é o fato gerador.

Repórter – Acabar com a cumulatividade dos impostos será possível nessa reforma?

Covas – Foi o que ele quis evitar. Olha, São Paulo ia perder R$ 1,8 bilhão na primeira versão, que era a proposta do Congresso e que eu adotei como minha. A qualidade do projeto foi que impediu que ele passasse. Mas se ele viesse ainda com melhor qualidade teria dificuldade de passar e não era por minha causa, era porque acabava com a guerra fiscal. E quem tinha interesse na guerra fiscal queria que ele continuasse. Agora, qual é o Estado que faz mais guerra fiscal? É o Estado do senador.

Repórter – Governador, falando em ICMS, como o senhor está vendo as cidades do Interior que querem aumentar a fatia de distribuição, cidades que produzem o álcool querem também receber como as cidades de Morro Agudo e Penápolis que já conseguiram. Isso pode abrir um precedente?

Covas – Acho isso muito natural. Eu vou lhe contar uma história. Você sabe que onde tem as usinas hidrelétricas, se o escritório da Cesp estiver no município que está do lado de cá, só aquele município recebe a participação quando, na realidade, o lago, com o qual se formou a barragem, atinge vários municípios. Qual seria o lógico? Dar uma parte para cada um. Só cinco municípios recebem, entre os quais Ilha Solteira. Nós resolvemos dividir por todos e dividimos. E o prefeito de Ilha Solteira, que hoje é deputado estadual do PTB, entrou na Justiça e a mudança caiu. Portanto, só os cinco municípios recebem. Eu acho que no álcool a coisa é igual. O município que produz deveria ser beneficiado também. É difícil você fazer esse cálculo mas, do ponto de vista de justiça, me parece uma reivindicação justa.

Repórter – Sobre esse encontro com o presidente Fox, de que maneira um acordo bilateral entre Brasil e México poderia beneficiar São Paulo?

Covas – Qualquer acordo bilateral entre o Brasil e outro país certamente beneficia São Paulo porque São Paulo é o centro industrial procurado. Então, seja no sentido de ir, seja no de receber, São Paulo acaba sendo beneficiado. Todo o país acaba sendo, mas se os negócios internacionais do Brasil forem ampliados, São Paulo acaba sendo beneficiado, assim como todos os Estados.

Repórter – O Estado deve aumentar a exportação de carros para o México?

Covas – O México é um grande produtor de carros, tem uma série de montadoras. Mas o Brasil manda carro para onde puder mandar. E hoje a arrecadação com carro aumentou. Eu vejo isso menos no ICMS do que no pagamento de IPVA.

Repórter – Governador, o Metrô já foi símbolo de eficiência, mas a reclamação dos usuários é constante. Eles reclamam que há falhas técnicas todos os dias e que o metrô deixou de ser o que era. O que está acontecendo?

Covas – Não sei o que está acontecendo. Não é o que eu observo e não é o que as pessoas me falam. É o que fala o presidente do sindicato, que além de presidente do sindicato é filiado a um partido político, como você sabe. Olha, eu vou dizer uma coisa para vocês. Nos últimos 37 anos, aplicaram nos trens em São Paulo três bilhões e qualquer coisa. Nós aplicamos em quatro anos R$ 1,8 bi. Isso não evitou, infelizmente, um acidente com o trem. Mas nós aplicamos em investimentos, em investimentos, não estou falando custeio, só em investimentos, sem pagamento de pessoal e custeio, só em compra de trem, reformulação de linha, construção de estações, etc. R$ 1,8 bilhões.

Repórter – Isso na CPTM?

Covas – No metrô, mas eu não tenho esses dados para lhe dar. Mas o metrô continua respeitado não apenas pela população de São Paulo. Enquanto o metrô estiver do jeito que está, enquanto ele estiver conservado como está, enquanto o povo respeitar o metrô como respeita, e o povo respeita o bom serviço e não o mau. O povo pinta viaduto, pinta coisas, enquanto o serviço não lhe satisfaz. Onde o serviço é bom ele respeita e até hoje ele respeitou o metrô. Agora, não dá para verificar o funcionamento de um meio de transporte usando apenas como referência o pico porque não é por aí que você dimensiona transporte.

Repórter – Governador, existe uma possibilidade de ser responsabilizado pelo acidente do trem em Perus o maquinista. Não é uma pessoa muito na ponta do processo para receber toda a culpa daquele acidente?

Covas – Não sei. O secretário me prometeu que até sábado sai o resultado disso. Eu vou ver o que a Secretaria apurou. É alguma coisa pela qual a CPTM tem que responder. O fato de que, se calços podem ser feitos, calços devem estar dentro do trem. Mas calços seguram o trem numa descida dessa. Até pedra segura. De qualquer maneira, sempre parece que a gente quer jogar nas costas de alguém. E eu tenho tentado evitar isso. Mesmo no dia do acidente, eu disse isso a vocês. Dá a impressão que a gente está querendo jogar sobre alguém a responsabilidade do que aconteceu. O que aconteceu no meu modo de entender, embora cada vez que eu fale isso vire um escândalo, foi resultado de fatalidade. Aconteceu uma série de coisas, caiu a energia, desligou o compressor e com isso o freio ficou sustentado apenas pelo ar remanescente, o trem começou a descer, tinha um trem parado na Estação de Perus, tentaram de toda a maneira os desvios mas eles eram em sentido contrário, eles não conseguiram tirar o trem, avisaram o trem que estava lá para sair da plataforma, nessa altura caiu a energia lá em Perus e, portanto, avisaram o pessoal para descer do trem com o máximo de cuidado possível para não criar um pânico que, nessa altura, seria ainda pior. Eu fui ver pessoalmente e foi um desastre dantesco. O fato de ter havido nove mortes é alguma coisa que temos que agradecer a Deus porque num desastre daqueles se podia até esperar coisa pior. Lógico que pranteamos os que morreram mas poderia ter acontecido coisa muito pior. Mas ainda não se pôs culpa em ninguém.

Repórter – Governador, com a decisão do Congresso Nacional de enterrar essa versão da reforma tributária, de não votar mais nesse semestre…

Covas – A minha decisão, você quer dizer.

Repórter – Não, do Congresso, governador.

Covas – Não é minha. O Antonio Carlos não fala e todo mundo não acredita? Quer dizer, agora que não estou mais no Congresso eu ainda mando lá, hein? Quando, se um dia eu quiser alguma coisa lá vou dizer que quero o contrário. É a melhor maneira de garantir para São Paulo.

Repórter – O governador de Minas Gerais vai depor no caso do escândalo do fórum de São Paulo. O senhor acha que vem mais pimenta nesse caso?

Covas – Não tem nada com o Eduardo Jorge. É o escândalo do Lalau, você quer dizer. Mas você já meteu o Eduardo Jorge nisso para dizer que ele é que… É engraçado porque o Lalau foi apontado como o cara que desviou, e o Lalau já virou 5ª página. Não aparece mais nas manchetes. Nas manchetes agora aparece o Eduardo Jorge, até eu fui envolvido nesse negócio, virei amigo do Lalau, enfiaram a Cosesp nessa história. E, depois vocês não sabem porque eu vou embora. Em 2003 vocês não verão mais a minha cara.

Repórter – Qual o prazo que o senhor acha que tem para voltar a discussão da reforma tributária?

Covas – A hora em que quiserem.

Repórter – Ainda no Governo Fernando Henrique?

Covas – Não tenho a menor idéia. Aquilo não precisa necessariamente de um projeto vindo do governo. Ouvi uma declaração do presidente da Câmara de que o Congresso também poderia tomar iniciativa, mas se ele achava que se isso acontecesse e o governo mandasse seus aliados votarem contra ficaria difícil de passar.

Repórter – Tem espaço na agenda política do Governo para que essa reforma seja votada ainda no governo de Fernando Henrique?

Covas – Não sei dizer. Quando o governo começou, tinha. Quando o governo começou eu me lembro de ter participado de uma reunião em que alguns sugeriam uma reforma parcial. Eu me lembro de ter dito que se tem que haver uma reforma tem quer ser feita para valer.

Repórter – O que o senhor acha da miniconstituinte com a reforma tributária, reforma política estar sendo discutida?

Covas – Não precisa de uma miniconstituinte para isso. Você pode reformar. A não ser as cláusulas pétreas, você pode reformar qualquer coisa na Constituição. É o que estavam fazendo agora. É uma reforma da Constituição sem ser inconstitucional. A própria Constituição define como ela pode ser alterada.

Repórter – Então o senhor também não é favorável a aprovação de pontos específicos da reforma ao invés de votar um projeto todo?

Covas – Não, você vai continuar provavelmente tendo aumento de impostos federais. O Everardo é craque nisso. Ele quer aumentar imposto de todo jeito, aliás, ele disse numa entrevista que aumentou 35% o imposto de renda. Como vocês são ricos e pagam muito imposto de renda devem estar miando com ele. Só que não vejo vocês criticarem ele.

Repórter – A gente critica sim.

Covas – O Everardo é uma figura perigosa.

Repórter – A que o senhor atribui a reforma estar emperrada no Congresso?

Covas – Eu acho que ela não precisava estar emperrada. Tanto assim que o Congresso aprovou, há um ano, numa comissão especial que trabalhou três anos, uma proposta. Depois eu vi acontecer uma coisa que nunca havia visto em 16 anos de Congresso, que foi a nomeação de uma comissão tripartite envolvendo secretários de Fazenda, representantes do Executivo, do Legislativo para tentar fazer uma outra coisa. A partir daí, se teve uma coisa chamada emenda aglutinativa. Depois disso, o parecer final do Mussa Demis. Quer dizer, mudou de novo. E, finalmente, o íncrito Everardo Maciel ficou incumbido de fazer uma nova proposta e fez esse desastre que está aí. Vocês já leram a reforma que foi para o Congresso? Primeiro, a única coisa que a economia pedia era acabar com a cumulatividade. Ele conseguiu o milagre de, ao invés de acabar, consolidar. Porque ele colocou um dispositivo que diz assim: “Fica garantida a cumulatividade pelos próximos três anos. Depois uma lei pode alterar”. Não precisava nem colocar isso. Uma lei pode alterar sempre.

Repórter – O CPMF vai valer?

Covas – Está bem. O CPMF é um imposto especial. É cumulativo, sem dúvida nenhuma. Mas como imposto, como metodologia de cobrança ele até é bom porque você usa um instrumental para cobrança que não custa nada que são os bancos. Mas, ele é inflacionário porque é cumulativo. Cada operação que você acrescenta você não cobra pela diferença como faz no ICMS. Você cobra pelo total. Então, se paga várias vezes o imposto pela mesma operação.

Repórter – Devia ser cobrado na ponta…

Covas – Na ponta ou entre cada um. Eu faço a roda do automóvel. Quando eu vendo, vendo por x para o montador e pago o imposto decorrente do preço da roda. Quando o carro é vendido, a empresa se credita daquele imposto e se debita pelo total portanto, ela faz a diferença. E se tiverem dez etapas nas dez se faz isso. Agora o dele não. O dele é cumulativo. Ele conseguiu um dispositivo que garantia a cumulatividade ao contrário de acabar com ela. Para não falar em imposto ele até usou expressões novas. Está-se fazendo uma coisa em relação à guerra fiscal que é um absurdo. Quem fez a guerra fiscal, o Supremo já considerou inconstitucional, vai ter o que fez garantido por 15 anos. Isto é, ninguém mais pode fazer. Durante 15 anos você vai ter um grupo de empresas neste país que vai ser privilegiado e que, portanto, vai quebrar as outras. Ou essas empresas vão ter um lucro disparatado ou vão quebrar as outras. Vão ter uma diferença tributária enorme. E pior, porque acabando a guerra ninguém mais pode ter isso. Não pode ter nem a concorrência de novas que façam isso. Bem, mas não são nem os Estados que fizeram a guerra fiscal que vão pagar o que deram. No começo, quem ia pagar era um tal de fundinho. Esse fundinho era constituído pelo saldo pelo saldo líquido das exportações desses Estados. Com isso, São Paulo ia contribuir com cerca de 40%. Depois, transformaram o fundinho em fundão e através dele você deposita a totalidade das exportações. Isso aumentava brutalmente o que São Paulo ia ter que dar. Acho que a reforma é ruim não só para São Paulo. Eu cansei de ir contra até todos os governadores defenderem uma reforma em que São Paulo ia perder R$ 1,8 bilhão. Com isso que ele mandou São Paulo perde R$ 6,3 bilhões. E isso não é o pior. O pior é a qualidade do projeto, a qualidade fiscalista do projeto.