Entrevista do governador Mário Covas após lançamento do novo site da Assembléia Legislativa

Parte I

qua, 22/03/2000 - 21h36 | Do Portal do Governo

Parte I

Salário mínimo

Repórter: Nos jornais hoje, foi colocada a questão dos salários, um para o setor privado e outro para o setor público e Previdência Social. No caso, o setor privado R$ 180 e o setor público e a Previdência, R$ 150. Qual é a sua opinião disso?

Covas: Minha opinião é que devia separar de vez.

Repórter: Como assim?

Covas: Não vincular a Previdência a salário mínimo. Toda vez que você vai mexer no salário mínimo, a desculpa para não mexer é que mexe na Previdência, o que é verdade. A Previdência já tem déficit, aumenta o déficit. E mexe nas prefeituras municipais. Nas pequenas prefeituras têm muita gente com salário mínimo, para elas faz muita diferença a modificação. Então, se você desvincular a Previdência, foi o que a gente tentou fazer na Constituinte, se desvincular a Previdência do salário mínimo, acaba com isso. No final, está se chegando a essa solução, pelo que você está dizendo, estabelecendo dois salários mínimos.

Repórter: Mas continua os R$ 150 vinculados à Previdência. O salário mínimo do setor público continua.

Covas: Pois é. E é por isso que faz vinculado à Previdência 150, não aumenta mais esse porque esse influi diretamente na Previdência. O próximo passo devia ter sido dado em 88 para tirar a vinculação da Previdência com o salário mínimo, porque aí o salário mínimo não dependia nunca quando você fosse fixar o salário. Vocês sabem que R$ 150 aqui em São Paulo ninguém recebe isso de salário. Todo mundo recebe mais do que isso. Nós damos R$ 240 de piso salarial desde 97. Correspondia a US$ 205 quando isso foi feito. Agora, toda vez que vai-se mexer no salário mínimo tem esse problema. E tem mesmo. É lógico, aumentando aquilo, aumenta o déficit da Previdência. Então, o melhor é desvincular da Previdência. E aí você opera o salário mínimo segundo as conveniências. Salário mínimo que eu até acho, também ficou mantido isso, que devia ser diferenciado. Não dá para você pensar num salário mínimo igual para o país inteiro. Você acaba fazendo um salário mínimo para os setores que podem pagar mais, muito abaixo. É para você satisfazer quem só pode pagar menos. Então, até devia ser regionalizado isso, como já foi no passado. Mas a melhor coisa é desvincular de qualquer outra coisa. Salário mínimo é salário mínimo, ponto final. E serve para pagar salário mínimo, ponto final.

Repórter: Governador, e estabelecer salário mínimo através de Medida Provisória?

Covas: A minha impressão é que o Governo quer com isso acelerar o processo, quer fixar rapidamente a posição e começar a vigorar no instante em que baixar aquilo. Isso não tira do Congresso as suas prerrogativas, que pode rejeitar, pode alterar e até pode votar um projeto próprio independente da Medida Provisória.

Repórter: Todo mundo critica dizendo que isso pode aumentar a migração interna da pessoa que vem das regiões mais pobres para os Estados que podem pagar mais. Isso não traria nenhum tipo de problema?

Covas: Você não paga as coisas apenas em salário. Você paga em todos os tipos de benefícios que a área pública pode fornecer. Por que certas pessoas de certas regiões vêm aqui para São Paulo às vezes vivendo em condições absolutamente desumanas? Porque tem a creche para criança, porque tem a escola para a criança, porque tem um posto de saúde, porque tem uma série de coisas. Então, leva aqui uma vida extremamente difícil mas, mesmo assim, têm algumas coisas que lá na sua origem, não têm. É nesse sentido que se devia estar pedindo um equilíbrio maior na distribuição de recursos nacionais, não essa bobagem de querer comparar Estado rico e Estado pobre. Devia pedir exatamente por isso, para que as pessoas pudessem nascer e se fixar, como elas gostariam de fazer, no seu lugar de nascimento, no seu lugar de origem. Agora, o fato de ter sido um só evitou êxodo até agora? Não evitou. Então, não é por aí. Não é isso que evita.

Site da Assembléia

Repórter: O que o senhor achou do novo site da Assembléia, da população estar podendo acessar todos os projetos da casa?

Covas: Eu acho isso muito bom. Eu acho que a gente tem obrigação de procurar o que existe de mais moderno. O Poder Legislativo tem contra si esse fato, o tipo de trabalho mais importante que ele faz é muito pouco conhecido. Se perguntar ao cidadão o que é uma comissão da Assembléia, o que ele já ouviu falar de comissão é CPI, ele não sabe que tem comissões permanentes que atuam, isso quando já ouviu falar em CPI. E o grande trabalho que se faz no Poder Legislativo é exatamente o trabalho de comissão. É que nós somos uma cultura oral, então, nós todos gostamos de microfone, então, o que afinal chama atenção é o discurso. Mas, a rigor, o trabalho básico que se faz não é esse. O trabalho básico que se faz é o trabalho de comissão. É a construção legislativa. E isso muito pouca gente sabe que existe sequer. De forma que o Poder Legislativo tem por obrigação oferecer essa informação à opinião pública. O que eu vi aqui hoje é que não é o primeiro passo, mas que é um passo muito decisivo para alguma coisa na qual todos nós vamos nos orgulhar.

Dívida municipal

Repórter: Falando em comissão, o prefeito Celso Pitta…

Covas: Espere aí, por que falando em comissão a gente fala do Celso Pitta? Tem alguma insinuação disso?

Repórter: Não, não.

Covas: Não tem nenhuma insinuação. Comissão é palavra associada ao Pitta, agora?

Repórter: Não, é só um gancho. Ele está depondo em Brasília na comissão de assuntos econômicos sobre a dívida da cidade de São Paulo.

Covas: A dívida não, sobre o negócio do precatório.

Repórter: É. E vai também entrar em discussão a renegociação, o pagamento da dívida. Quer dizer, o que pode acontecer se os parlamentares considerarem que foi irregular esse refinanciamento?

Covas: Mas eles já consideraram isso. Quando fizeram a CPI já consideraram isso. O que havia é que o prefeito estava tentando renegociar no prazo de 30 anos. E o Senado, ou pelo menos alguns senadores, e alguns órgãos institucionais têm defendido a idéia de que aquilo que foi precatório emitido corretamente pode ser negociado em 30 anos, aquilo que não foi, tem que ser negociado em 10 anos.

Repórter: Tem como diferenciar uma coisa da outra?

Covas: Tem.

Repórter: De que maneira isso pode prejudicar o próximo governo municipal?

Covas: Vai ter que pagar um ônus de amortização da dívida maior, embora esse ônus tenha limite. Ele não passa de certo valor da receita. O nosso caso é 13,5%, que é uma cacetada do tamanho de um bonde.

Repórter: Pois é. Trinta anos estava bom, não estava?

Covas: Mesmo externamente é muito difícil se obter um financiamento de mais de 30 anos. Outro dia tinha um banco aqui em São Paulo que estava lançando títulos para 100 anos. Mas é difícil isso acontecer. Só investidor que tem mecanismos de reinvestimentos que operam com esse tipo de título. Normalmente, um empréstimo externo para 30 anos de pagamento é normal. É um empréstimo razoável e, portanto, negociar com 30 anos de prazo me pareceu uma coisa normal.

Guerra fiscal

Repórter: Posso falar sobre guerra fiscal?

Covas: Pode falar do que você quiser. Eu também me reservo o direito de falar do que eu quiser, ué. Temos esse acordo.

Repórter: Sobre o governador de Mato Grosso, Dante de Oliveira, que está disposto a oferecer 75% de isenção de ICMS para os cafeicultores que se instalarem no Mato Grosso.

Covas: Ele não está fazendo coisa diferente do que grande parte dos Estados fazem. E se isso acontecer com relação, se isso representar prejuízo para as empresas instaladas em São Paulo, nós faremos a mesma coisa que fizemos até agora. Nós precisamos de uma definição de natureza legal. A lei já existe e a lei já proíbe de fazer isso. Claramente, tranqüilamente. Basta ler a lei complementar 2465, tudo isso está preconizado ali e proibido.

Repórter: Mas parece que não vale muito, né?

Covas: Não tem valido muito, não. Eu, quando tinha 30 dias de Governo, em 1995, fiz a minha primeira visita em Brasília. Levei uma carta para o ministro Malan dizendo que isso estava acontecendo e que isso precisava de uma providência, sob pena disso se agravar e acabar degenerando. Já degenerou. De forma que eu entrei na Justiça com quatro ações, duas contra o Paraná, duas contra a Bahia. Às vezes eu ouço falar que o governador vai entrar contra São Paulo. Eu até gostaria que entrasse. Se amanhã se provar que São Paulo está fazendo isso e a Justiça derrubar, fica provada a tese.

Repórter: O senhor pensa em entrar contra o Dante de Oliveira?

Covas: Não, eu não entro contra o Dante, não entro contra a pessoa. Se acontecer o caso concreto, que eu tenha razoável grau de prova, sem dúvida. Você tem que tomar cuidado com isso, porque se você for para a Justiça levando alguma coisa que depois não se prove verdadeiro, isso desmoraliza toda a tese.

Repórter: Mas este caso dos 75% de isenção do ICMS para os cafeicultores seria um motivo para entrar na Justiça contra o Mato Grosso?

Covas: Se for isso, é motivo, ele não pode fazer isso, pela Lei não pode.

Repórter: Contra o Estado de Goiás já está certo?

Covas: Mas no dia que entrar eu te aviso, a você e a todo mundo. Até entrar eu não aviso nada.

Repórter: Então quer dizer que São Paulo não deve participar da guerra?

Covas: Não, São Paulo até agora não participou da guerra, pelo contrário, está combatendo a guerra. Mas se a Justiça disser que o que está sendo feito por esses Estados está correto, nós vamos entrar.