Entrevista do governador Mário Covas após Conferência Nacional da Indústria da Construção

Parte I

seg, 08/05/2000 - 18h24 | Do Portal do Governo

PARTE I

Repórter: Governador, o presidente do sindicato da Construção, Antônio de Souza Ramalho, disse que nos últimos 30 anos houve um milhão de perdas nos postos de trabalho. Como é que o senhor vê isso?

Covas: No meu governo a gente já fez 120 mil moradias e estamos trabalhando para fazer mais. (…) Eu estava falando com o presidente da Caixa agora. Acontece que eles limitam a R$ 20 mil reais a unidade e aqui em São Paulo na Região Metropolitana, que é onde eles precisam mais, não é no Interior, você não tem terreno fácil. E onde tem, acaba deixando a unidade mais cara. Nós até estivemos estudando uma possibilidade de complementar o empréstimo. Mas eu acho que você tem maneiras diretas e indiretas. A nossa foi a CDHU. Todo produto em São Paulo que paga 17% de imposto (ICMS), anualmente a Assembléia aprova pagar mais 1%. E esse dinheiro que chega aí, beira 37, 38 milhões de reais por mês, quase 40 milhões, portanto 480 milhões por ano, é o que financia o projeto habitacional. De toda maneira, quero te dizer que a grande maioria dos produtos da cesta que compõem o material de construção tiveram seus impostos diminuídos aqui em São Paulo. Quase todos.

Repórter: O presidente Fernando Henrique falou no Rio de Janeiro da dificuldade de se conduzir uma política social no Brasil. Como é que o senhor vê a forma como o FMI conduz os acordos no País? O FMI, disse ele, impede os avanços. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos cobram esses avanços. Como é que o senhor vê essa história?

Covas: É a tal história: o FMI cobra os avanços e você age como uma nação autônoma. Se você quiser você opera daquela maneira. Se não quiser, não opera daquela maneira. Não é obrigado a ter o FMI como tutor da tua orientação de governo, mesmo que você tenha com ele relações de natureza comercial. O FMI não é nada mais, nada menos, do que uma instituição tipo bancária que, recebendo recursos do mundo inteiro, aplica esses recursos onde há necessidade, nos países que estão necessitados. Agora, é lógico que para emprestar, como todo bom banqueiro, ele fixa uma série de coisas. Mas também, faz se quer. Pode até ir ao limite de não fazer o empréstimo. Eventualmente, você está tão apertado, ou as circunstâncias são tão desfavoráveis que você é obrigado a fazer. Mas isso não significa necessariamente que você tenha que cumprir um modelo absolutamente rígido feito por parte do FMI. Eu digo as mesmas coisas para os governos estaduais hoje. Não basta que se acerte as finanças. É preciso que cada um deles cumpra também o seu compromisso de natureza social. Senão você vai ficar com governos que terão seus caixas acertados etc., mas, em contrapartida, não estão dando para o povo o mínimo indispensável em termos de retorno de natureza social.

Repórter: Seria como cobrar um ajuste fiscal e cobrar uma política social ao mesmo tempo?

Covas: Não, não é. Aqui em São Paulo se fez o ajuste fiscal que nem o Governo Federal fez. Aqui em São Paulo nós já pagamos, só em dívida e em privatização, nove bilhões de reais. Nós já pagamos para o Governo Federal, só em amortização, cinco bilhões. Nós já pagamos de início, doze bilhões para o Governo Federal na negociação da dívida. Nós pagamos mais de três bilhões de obras atrasadas. E, no entanto, eu duvido que na área de saúde, que na área de educação, que na área de segurança, se tenha investido mais dinheiro até agora – qualquer governo que você tome anteriormente – do que esse governo investiu. Ou seja, é possível fazer isso, porque também quando você faz o ajuste fiscal, você começa a pagar em dia. Você pagando em dia, você cresce perante o interlocutor. Desaparece a desculpa de não fazer rápido porque não recebe. Se você paga em dia, você obtém preços mais baixos. Os preços hoje são sensivelmente mais baixos, em qualquer obra, até as que já estavam funcionando, a gente tem renegociado com 25%, 30% de desconto. Então é possível você fazer as duas coisas. Uma coisa não pode ser impeditiva da outra, até porque, para que fazer ajuste fiscal se o ajuste fiscal não servir para você fazer o que você tem que fazer?

Repórter: Mas em nível federal esse ajuste está sendo feito, governdor?

Covas: Está sim. Nós somos muito rigorosos com o Governo Federal. E eu falo à vontade, porque eu, quando tenho que discordar, eu discordo. O Governo Federal, por exemplo, ainda ontem eu ouvi declarações do Jungmann, tem mais de trezentos mil assentados no Brasil. O Governo Federal tem uma política educacional bastante boa, de alto nível de investimentos, seja feito diretamente, seja feito indiretamente. O Serra deu um impulso naquele Ministério da Saúde muito grande. O Governo Federal não é um governo anti-social. Não é, não. É que de tal maneira se fala na área econômica, de tal maneira se dá ênfase para isso, que no fim parece que só se trata do econômico.

Repórter: O senhor reclamou do ônus de descentralizar o processo de reforma agrária, o senhor criticou duramente …

Covas: Não. Não critiquei tão duramente o quanto devo. Mas na realidade, ainda não li o processo de transferência. Me perguntaram há alguns dias se iria ser favorável para o Estado e eu disse: “Não deve ser despesa para o Estado”. Eu ainda não vi nenhum negócio com o Governo Federal que não saia perdendo. O Estado saiu perdendo na Lei Kandir, sai em todas as outras. Portanto, se vem … todo mundo sabe que o ITR é um imposto vergonhoso aqui no Brasil, que não existe. Nessa imensidão se paga uma porcaria de imposto e é um tributo politicamente ruim de ser aplicado. (…) Aí nós vamos ter de por dinheiro do bolso.

Febem

Repórter: Como é que o senhor vê a situação da Febem? O Governo constrói, eles destroem e continuam as rebeliões. Como o senhor está vendo isso?

Covas: Como eu estou vendo essas coisas! Eu estava falando aqui para o rapaz que nós inauguramos na semana passada uma unidade em Franco da Rocha. Eu estive lá, eu fui ver a unidade, ainda reclamei de umas torneiras que não gostei etc. Mas diante da última crise lá em Santo André, nós acabamos … depois transferimos os menores para o quadrilátero… nós acabamos tendo que transferir, na terça-feira e sábado passados, um grupo inicial de 200 meninos. E eles já arrebentaram uma porção de coisas. Ainda há pouco estava falando sobre isso pelo telefone. Nós inauguramos isso agora, está bem, mas se arrebentarem mais alguma coisa, dentro de um mês eu não conserto. Vão ficar com ele arrebentado. Porque não dá para aparecer que nós estamos crucificando os meninos todos os dias, batendo neles todos os dias, judiando deles todos os dias. Eu ainda recebi uma carta do presidente da Abrinq, aliás recebi pelos jornais, o que me causou curiosidade, já que não chegou nas minhas mãos, mas eu já li pelos jornais. A carta dizia indagando por que tinha de ser essa crueldade? Só que quem a gente apanha (praticando) com crueldade vai para a rua na hora, na hora. Agora, você não pode pegar a estrutura existente hoje, pôr ela toda na rua, porque você tem de substituir aos poucos. O que nós nos comprometemos, em termos de novas instalações e novas filosofias, está sendo inteiramente aplicado. Mas de repente se diz: “Olha a unidade de Parelheiros é uma vergonha”. Não é uma vergonha, não. Sábado, depois que destruíram as armas lá no Parque Villa Lobos, eu fui lá ver a unidade. Já tinha ido até lá no outro sábado. E não é nenhuma vergonha. Tem instalações, ou seja quarto para seis ou oito meninos e com banheiro privativo.

Repórter: Inclusive, agora o que se destruiu vai continuar lá?

Covas: Não, eu quero um exemplo. Nesta unidade onde entraram nesta semana, se botarem fogo nos colchões, vão dormir sem eles. Não dá para… todo dia o povo está pagando novas instalações e não há razão para…

Repórter: Agora, governador, não é uma retaliação contra os menores?

Covas: Não, não há nenhuma retaliação. Mas não dá para, todo dia, você estar colocando coisa nova em cima do que se queimou.

Repórter: Qual o limite do Governo?

Covas: Até agora o Governo não teve limites, porque tudo arrebentado foi reposto. Mas, uma hora qualquer nós precisamos mostrar para a opinião pública que as coisas não são assim. Não são os monitores que arrebentam. Não é a polícia que arrebenta. Entraram na semana passada e já fizeram duas rebeliões lá. Rebelião contra o quê? Vocês nunca ouviram uma reclamação sobre comida na Febem. Nunca li ou ouvi em jornal nenhum reclamação contra comida. Bom, então reclamam do quê? As instalações são decentes, bastantes decentes. Eu duvido que em outro Estado brasileiro tenha coisa igual.

Em breve, continuação da entrevista