Doadores de sangue mentem na triagem, diz pesquisa

Metade dos doadores de sangue diagnosticados com HIV mentiu na entrevista de triagem anterior à coleta

dom, 11/05/2008 - 11h10 | Do Portal do Governo

Metade dos doadores de sangue diagnosticados com HIV mentiu na entrevista de triagem anterior à coleta, prosseguindo com a doação. Esta é uma das constatações feitas por César de Almeida Neto em sua tese de doutorado Perfil epidemiológico de doadores de sangue com diagnóstico sorológico de sífilis e HIV, defendida em janeiro de 2008 na Faculdade de Medicina da USP. A pesquisa, realizada entre 1999 e 2003, mostra que 48,9% dos doadores infectados sequer teriam feito a coleta do sangue, caso não houvessem omitido informações durante a entrevista.

Almeida Neto trabalha na Fundação Pró-Sangue, onde  é chefe do Departamento de Notificações e Orientação de Doadores com Sorologias Alteradas. “Após a confirmação do diagnóstico, quando o resultado dava positivo, muitas vezes a nova entrevista realizada não batia com o que fora falado na triagem”. Para Almeida Neto, as omissões na triagem podem significar uma falta de credibilidade da entrevista enquanto ferramenta de seleção de doadores. “Alguns doadores podem achar a triagem preconceituosa e sem embasamento, o que não acontece”.

Neste sentido, o pesquisador procurou verificar a validade da entrevista aplicada aos doadores, e acabou encontrando confirmação científica para este tipo de triagem. Se bem aplicada, diminui os riscos de transmissão, não só do HIV, como também de outros agentes de doenças.

Entre os homens, foram comprovados como fatores de risco para o HIV as relações sexuais com outros homens, as relações sexuais em troca de dinheiro e ter tido relações sexuais com duas ou mais parceiras nos últimos 12 meses. Almeida Neto também acredita numa relação entre o HIV e as drogas injetáveis, mesmo que nas entrevistas isso não tenha vindo à tona: “mesmo entre usuários de drogas, existe um preconceito em assumir o uso de drogas injetáveis, fazendo a pessoa negar o uso mesmo na entrevista pós diagnóstico. No entanto, foi constatada uma relação forte entre a presença do HIV e a sorologia positiva para Hepatite C, bastante comum entre esses usuários”.

Entre as mulheres, no entanto, os fatores de risco para o HIV não eram propriamente delas, mas de seus parceiros sexuais. Mulheres com parceiros usuários de drogas injetáveis e parceiros que tiveram cinco ou mais parceiras nos últimos 12 meses correm mais riscos de apresentar HIV positivo. “No caso das mulheres, foram propostas triagens direcionadas ao comportamento também de seus parceiros”, explica.

Mudanças no perfil

Para o pesquisador, é importante manter uma triagem atualizada no que diz respeito às doenças, em especial à aids: “O perfil da pessoa com o HIV mudou bastante desde a epidemia dos anos 1980. Atualmente o perfil dos infectados inclui muito mais mulheres, pessoas de baixa renda e do interior, e a triagem precisa considerar estas mudanças”.

Outra doença que o médico considera negligenciada pelas campanhas de saúde e pelos meios de comunicação é a sífilis. A pesquisa mostra uma mudança também no perfil dos portadores de sífilis, em relação aos que possuem a doença pregressa. “A sífilis pregressa é característica de pessoas mais velhas, heterossexuais, que tinham o hábito de freqüentar zonas de prostituição. Hoje, os novos casos de sífilis são em pessoas novas, em geral homo ou bissexuais”, esclarece o pesquisador.

Existe ainda uma relação entre a sífilis contraída recentemente e a infecção pelo vírus da aids. A pesquisa de Almeida Neto mostrou que um portador de sífilis recente tem 40 vezes mais chance  de ser também um portador do HIV, quando comparado aos portadores de sífilis pregressa. “Houve uma mudança de comportamento das pessoas, uma mudança social, e isso se reflete no rol de doadores”.

Doação ou diagnóstico?

Os testes aplicados no sangue de doadores no Brasil são capazes de identificar a infecção pelo HIV a partir de quatro a oito semanas após o contágio. Almeida Neto afirma que o exame é confiável, mas faz um apelo: “As pessoas que estiverem com alguma suspeita em relação à sua saúde não devem ir ao banco de sangue com o propósito de fazer um ‘exame de aids’. Para isso existem os Centros de Testagem e Aconselhamento, que realizam exames gratuitamente e entregam os resultados mais rápido que os bancos”.

O médico acredita na necessidade de campanhas de educação sexual e também para a formação de novos doadores, fidelizados aos bancos de doação. “A partir dos 65 anos não se pode doar mais sangue, daí a necessidade de termos pessoas jovens com o hábito de doar, para mantermos tanto as transfusões quanto a produção de medicamentos hemoderivados”.

Da Agência USP