A festa da cultura caipira

Até o dia 23 é possível conferir as muitas novidades do Revelando São Paulo, que reúne herança cultural e culinária de 200 cidades do interior

qui, 20/09/2012 - 10h09 | Do Portal do Governo

Muitos dos participantes e visitantes conhecem o Revelando São Paulo desde os seus primórdios, dezesseis anos atrás. Os recém-chegados já se apaixonaram pelo evento, enquanto outros se concentram nas compras que abastecem suas lojas de decoração, ou num recuerdo para os amigos, como diz Felipe Apolônio, do ramo de gráficas, e frequentador há seis anos. “Pena que é só uma vez por ano”, lamenta. Felipe aproveitou o horário do almoço para saborear a culinária de Caçapava – carne na lata, arroz, feijão, mandioca, torresmo e pirão taiado (caldo da carne enlatada engrossado com farinha de mandioca). Para acompanhar, suco de limão rosa e gengibre, invenção do caçapavense, popularmente chamado de taiada (doce típico da cidade, rapadura, farinha de mandioca e gengibre).

O evento, que começou no dia 14 e segue até o próximo domingo, no Parque do Trote, na Vila Guilherme, revela um pouco da cultura e das comidas típicas de todas as regiões do estado. Até lá, Felipe volta, dessa vez com a família e uma turma de oito amigos . “Vamos passar o sábado inteiro aqui”.

Ana Sales, a autora dos quitutes preparados no espaço, participa há vários anos, seja no preparo de pratos saborosos, seja na confecção dos bonecões. Moradora de sítio, é casada, tem filhos e netos, todos envolvidos no evento. Sempre sorrindo, lembra que Caçapava é conhecida como a cidade simpatia. E tem explicações para a cultura de raiz do município. “Aqui não tem nada de coffee break, só café com bolinho”.

Na barraca de Taubaté, chama a atenção a placa de madeira com a mensagem: “A essência da Cultura caipira está na riqueza das coisas simples”. Ali, também, a exemplo de outras barracas, a lenha crepita no fogão, de onde saem, quentinhos, o tutu de feijão, a linguiça, a mandioca frita e o torresmo. Acompanha farofa de abobrinha. Na de Atibaia, todos querem a receita do pirão de banana, como acompanhamento das carnes. E a receita é passada de um a um.

Depois de se fartar da culinária típica (impossível resistir), o visitante pode conferir o artesanato, a música e a dança de 200 cidades paulistas. Ou, se preferir, conhecer a cultura indígena de dez etnias que vivem em São Paulo.

Causos
Se, depois de tudo isso, bater cansaço, vale recuperar energia na barraca do Geraldo Tartaruga, de São Luiz do Paraitinga. De suas mãos saem tapetes, cestos, redes, esteiras, almofadas e pufes. O Geraldo ganhou o apelido de Tartaruga em criança, época em que se especializou na técnica de fazer o bichinho em argila. Hoje prepara cabaças, reveste com argila e dentro monta uma cena familiar da roça. Mas os causos do Geraldo Tartaruga são atração à parte. O do lobisomem que vagava por São Luiz do Paraitinga cinquenta anos atrás, quando o Tartaruga era menino de 13 anos, assusta e arrepia.

O homem saiu noite afora, deixando mulher e filho pequeno no colo. Vira lobisomem quando entra na mata. Depois volta, ataca a própria mulher e puxa o cobertor do bebê. Começa a gritaria, a vizinhança acorre. O lobisomem, assustado, volta para a mata, onde fica até o amanhecer para desvirar. Quando chega, a mulher conta o ocorrido, e a uma certa altura da narrativa, o homem sorri. Aí, a mulher vê fiapos do cobertor nos seus dentes. É quando descobre a triste verdade. “Então, você é o lobisomem”. Quebra-se o encanto e o sujeito nunca mais volta a se transformar. Envergonhado, desaparece da cidade.

Causos de lobisomem, sacis e boitatá fazem parte da rotina de Tartaruga, que é chamado para contá-los nas pousadas de São Luiz e região, madrugada adentro. Ele mesmo garante que viu muito saci nos arredores da cidade. Boitatá, então nem se fala, garante ter tido contato com vários. Eles aparecem em forma de luz que sai e entra no mato”. Já os sacis são danadinhos – por obra deles, as porteiras se abrem sozinhas, fazem tropel, dão batidas nas portas, gritam, atiram pedras nas árvores e amarram o rabo dos cavalos. “Quando saio à noite, pela mata, sinto muitos arrepios”. Palavra de Geraldo Tartaruga.

Ensinar e aprender
As descobertas no Revelando São Paulo vão além da culinária, artesanato e causos. Tem música de raiz, shows de moda de viola, dança portuguesa, folguedos, romarias e cavalhadas. Ângela de Paiva, decoradora, frequenta há três anos, geralmente para comprar objetos para sua loja de decoração em Mogi das Cruzes. “Hoje tá tranquilo para fazer compras”, diz após comprar flores de palha na barraca de São Bento de Sapucaí.

Estudantes do ensino funadamental, acompanhados de suas professores, se encantam com a arte de Antonio Estanagel, de Itapetininga, pela primeira vez no Revelando. Ele expõe cabeças de cavalos, feitas com pneu reutilizado, ou com retalhos de aço inox, que fuça nos ferrosvelhos da cidade. Usa ferraduras, cubas de máquinas de lavar, correntes de bicicleta, moto e motosserra. É arte qua causa espanto, justamente por vir do lixo. “Quando as crianças chegam perto e perguntam se podem tocar nas peças, respondo que essa é uma arte para ser tocada, exatamente para melhor se identificar o material utilizado”.

Reação semelhante têm os alunos ao descobrir a milenar arte de Maria Lucinda, de Américo Brasiliense, uma senhorinha muito esperta, que nos seus 71 anos domina com maestria a técnica do tear e da roca. “As crianças precisam ter esse contato, diz, enquanto explica como se faz um tapete kilim (oriental). “Sou veterana no Revelando, venho desde o primeiro, ensinei muito e aprendi em dobro”.

Da Agência Imprensa Oficial