Crianças e jovens tratados em casa têm melhor autoestima e qualidade de vida

HC de Suzano oferece assistência domiciliar para casos crônicos; estudo indica que esses doentes têm sobrevida maior que os internados no hospital

qua, 21/04/2010 - 9h00 | Do Portal do Governo

A ideia inovadora de um médico, o apoio incondicional de familiares e de profissionais da Unidade Básica de Saúde (UBS) foram fundamentais para garantir melhor qualidade de vida à jovem Aline Aparecida Ferreira da Silva, 17 anos. A moça sofre de uma doença neuromuscular progressiva que resulta na incapacidade de movimentos físicos e insuficiência respiratória crônica.

Ainda criança, dependia de aparelhos para respirar. Começou seu atendimento médico na Neurologia do Instituto Central, depois, foi internada no Instituto da Criança, ambos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Encaminhada ao Hospital Auxiliar de Suzano, permaneceu internada durante quase sete meses. “Nossa vida era o hospital. E ela sofria. Ficava estressada por estar longe de casa e da família”, lembra a mãe Aparecida Maria. Até que, em 2004, o pediatra Milton Hanashiro, da instituição de Suzano, braço do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP, desenvolveu o Programa de Ventilação Mecânica Domiciliar (Provemd).

“Talvez a vontade dela de voltar ao lar e a possibilidade de eliminar esse trauma da separação dos pais sejam os principais motivos de criação do Provemd”, acredita Hanashiro. As poucas vagas (somente 16) da enfermaria especializada em ventilação mecânica pediátrica do hospital de Suzano também motivaram a iniciativa.

Sem contar a fila de espera, que chega a três meses, e quase não se modifica porque o paciente depende do aparelho praticamente a vida toda. Referência da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do HC da FMUSP, a enfermaria recebe casos graves do Instituto da Criança, do Instituto do Coração (Incor), berçário do Instituto Central e de outros setores.

Apoio municipal

Para participar do atendimento domiciliar, a equipe médica do HC de Suzano, como é conhecida, analisa o estado clínico da criança, a condição financeira e os recursos humanos da família: “Geralmente, recebemos pessoas de baixa renda, mas a assistência domiciliar é possível desde que a família possua casa própria com energia elétrica e água encanada e parente apto a ajudar integralmente”. Hanashiro procura a prefeitura local e solicita apoio de equipe multiprofissional para a assistência domiciliar e fornecimento de materiais descartáveis (sonda, soro, água destilada, seringa, entre outros).

Firmada a parceria, o HC de Suzano faz a locação e manutenção do equipamento de ventilação mecânica pelo tempo que for necessário. Além do treinamento e constante orientação aos familiares sobre a utilização do aparelho. “O programa funciona com recursos do serviço público. O Sistema Único de Saúde (SUS) tem condições de oferecer esse tipo de atendimento em casa e queremos que ele assuma esses cuidados”, informa.

Em 2004, quando se tornou a primeira beneficiária do Provemd, Aline morava em Guarulhos, na Grande São Paulo. Há três anos mudou-se para Poá, onde também recebe apoio de enfermeiro, médico da família e fisioterapeuta do posto de saúde local. Uma vez por semana, um professor da rede pública lhe dá aula particular em casa. Ela cursa o segundo ano do ensino médio.

Os familiares ganham autonomia, segurança nos cuidados com o doente, sem contar a melhoria da autoestima. No caso de Aline, por exemplo, o apoio da prefeitura contribuiu para ela participar de shows dos artistas Daniel, KLB e NXZero e ainda viajar para o litoral paulista. “Agora, minha filha deseja assistir ao show do cantor Fiuk (filho de Fábio Júnior); só está faltando apoio financeiro”, argumenta a mãe Cida, ao lado da menina, que faz pesquisa na internet com o notebook no colo.

Nesses seis anos de funcionamento, o Provemd atendeu dez pacientes de 1 a 18 anos, moradores de Poá, Carapicuíba, Barueri e São Paulo. Dos dez equipamentos disponíveis no HC, apenas cinco estão locados em residências, haja vista que nem todas as famílias preenchem os critérios de utilização.

Mais humano e mais econômico

O pediatra Milton Hanashiro, do Hospital das Cínicas de Suzano, informa que nem sempre é possível diagnosticar ou prever no pré-natal que o futuro bebê apresentará problemas neuromusculares que atingem o sistema respiratório: “Dependendo da doença, a criança nasce aparentemente normal. A partir do primeiro ano de vida é que aparecem os primeiros sinais da falta de força muscular: deixa de andar, sentar, perde quase todos os movimentos físicos, até mesmo da musculatura do aparelho respiratório”.

Casos mais comuns são resultados de doenças neuromusculares, metabólicas (células não realizam o correto metabolismo), má-formação do sistema nervoso ou problema genético. A falta de oxigenação no cérebro do recém-nascido na hora do parto também leva à moléstia.

Esses pacientes usam o aparelho respiratório a vida toda, pois a doença é crônico-degenerativa e normalmente termina em morte precoce. “Apesar de comparar casos de doenças e estágios diferentes, constatamos que após cinco anos do programa crianças tratadas em casa têm sobrevida maior. Quase 60% delas estão vivas”, garante o pediatra. Enquanto as internadas no hospital, casos mais graves, vivem menos, devido a maior exposição a infecções hospitalares, o que exige tratamento mais agressivo.

Replicar iniciativa

Hanashiro garante que a economia de recursos hospitalares não é a principal preocupação do HC ao criar o programa. Mas, na ponta do lápis, a redução de gastos é real. Um dia de internação na UTI do Instituto da Criança do HC custa R$ 2 mil. A diária na enfermaria especializada do HC de Suzano não sai por menos de R$ 1,2 mil. Com o tratamento domiciliar, o SUS gasta no mesmo período apenas R$ 102, referente ao aluguel do aparelho e materiais descartáveis.

A assistente da direção da unidade médica, Conceição Aparecida Gomes, ressalta que no Brasil não há estatísticas da quantidade dessas enfermarias: “São poucos os serviços residenciais e, quando existem, normalmente são prestados por convênios ou particulares, como o home care, por exemplo”.

Na opinião do pediatra, com o tempo mais pacientes necessitarão desse atendimento. Ele diz que antigamente, sem a existência do aparelho, as crianças morriam. Mas hoje, com a tendência de prolongar a vida, o serviço precisa ser ampliado.

A enfermaria domiciliar tem reconhecimento e aprovação do HC da FMUSP. “Agora, precisa ser divulgada no SUS. É necessária a identificação dos hospitais que tratam crianças com esse diagnóstico e replicar a iniciativa. O SUS se preocupa em assumir esses pacientes e mostramos que isso é possível com tranquilidade”, garante o médico.

O Provemd foi um dos 41 finalistas do Prêmio Mário Covas – edição 2009. Com 182 trabalhos inscritos, o concurso reconheceu as melhores experiências no âmbito estadual, de diferentes órgãos administrativos.

Da Agência Imprensa Oficial