Conheça o angolano Crispim, professor de línguas para refugiados em SP

Até chegar nas terras tupiniquins, o trajeto do poliglota foi longo: ex-morador de rua, hoje é dono de uma escola e leciona no serviço estadual de acolhimento

seg, 20/06/2016 - 13h01 | Do Portal do Governo

Duas vezes por semana, religiosamente, às 15h, nas dependências da Casa de Passagem Terra Nova, programa estadual para abrigar refugiados, o professor Crispim Calonge de 42 anos, dá início às aulas de português. Aliás, em uma hora e meia, a lição ensinada por ele transcende o conhecimento da língua. “É um trabalho de reintegração”, afirma Crispim Calonge.

Terra Nova, um ponto humanizado de acolhimento aos refugiados em SP

“A língua não é fator primordial dessas pessoas, mas é um elemento que ajuda bastante. A língua solta não é nada. Ela precisa estar atrelada com o conhecimento da cultura”, explica. O trabalho do professor, juntamente com os serviços oferecidos pela Casa de Passagem, tem ajudado, e muito, na inserção dos refugiados. “O pessoal vem para cá e tem ficado menos tempo que o esperado por conta do anseio de ir trabalhar e do trabalho que a gente faz”, se orgulha.  

O passado
Por conta de uma história de vida bastante parecida com aqueles sentados à sua frente, Calonge inspira os recém-chegados e fala da importância de entender o comportamento cultural brasileiro. E que sim, há chance de dias melhores.

Afinal, ele mesmo é a prova disso. “Quando fui convidado a vir para a Casa de Passagem, abracei a causa porque me identifiquei com as pessoas que passam por aqui”, lembra. “Voltei há 23 anos quando cheguei no Brasil”.

Até chegar nas terras tupiniquins, o trajeto do angolano, hoje poliglota, dono de uma escola de línguas e professor na Terra Nova, foi longo. De Angola, saiu no começo dos anos de 1990 por conta da guerra civil que assolava o país. Usou o inglês aprendido na igreja para pegar “carona” em um avião para resgate de estrangeiro. Viveu na Europa como refugiado.

O russo, uma das dez línguas que tem orgulho de falar, aprendeu quando idealizou ingressar na faculdade de direito. Além dele, sabe inglês, francês, português é claro, e dialetos africanos. Depois de trabalhar em diversos países da Europa e Estados Unidos, aterrissou no Brasil em busca de uma nova chance. O ano era 1995.

Com pouco dinheiro no bolso, se viu obrigado a morar nas ruas de São Paulo. “A situação era diferente dessas pessoas daqui porque não existia uma ajuda, uma casa como esta”, conta. Mesmo assim, a força de vontade falou mais alto. Crispim ingressou no curso de letras da Universidade de São Paulo. Durante um tempo, ainda estudante, saia da faculdade e passava a noite na rua.

Apesar de doloroso, para ele, tudo isso ficou no passado. Casado, pai de um adolescente e de uma bebê, Crispim adotou o Brasil, mais especificamente São Paulo, como sua terra do coração. “Parece que foi feito uma transfusão de sangue. Não consigo me ver longe daqui”, brinca.

Quanto ao seu trabalho, ele acredita que é uma troca. “Depois desse mais de um ano de trabalho o saldo é muito legal”, conta. “Aqui, você convive com várias pessoas com culturas diferentes. Não é fácil, mas você aprende a absorver da forma mais natural possível”, explica. “Ao final, quando essa pessoa se despede da Casa e segue seu rumo você está certificado que nosso trabalho deu certo”.

SERVIÇO
Casa de Passagem “Terra Nova”
Rua Abolição, 145, República
São Paulo – SP

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