Centro de Integração da Cidadania terá ampliação física e de serviços

Iniciativa pioneira reúne poderes Executivo, Judiciário e Ministério Público, em parceria com associações comunitárias

ter, 02/01/2001 - 13h31 | Do Portal do Governo


Iniciativa pioneira reúne poderes Executivo, Judiciário e Ministério Público, em parceria com associações comunitárias

O que parecia ser utopia está funcionando há quatro anos e muito bem. A opinião é consenso entre juizes, promotores, secretários de Estado, policiais, líderes comunitários, psicólogos e assistentes sociais que participam ou conhecem os serviços prestados pelo Centro de Integração da Cidadania -CIC. O órgão – vinculado à Secretaria Estadual da Justiça e Defesa da Cidadania e com três unidades na periferia da Capital: Itaim Paulista, Zona Leste; Parada de Taipas, Zona Oeste e Jardim São Luís, Zona Sul – atende à população carente integrando de forma pioneira e no mesmo espaço, serviços dos poderes Executivo e Judiciário, além do Ministério Público. Tudo isso em parceria com associações comunitárias. Agora, a novidade do CIC é um ambicioso programa de ampliação física e de serviços, que neste ano vai possibilitar a criação de mais 11 unidades (três delas na Região Metropolitana) e a oferta de serviços, como a intermediação de mão-de-obra.

‘Estamos correndo contra o tempo para definir os terrenos onde serão instaladas as novas unidades’, revela o secretário da Justiça e Defesa da Cidadania, Edson Luiz Vismona. A primeira delas já está pronta: é a do bairro Jova Rural, localizado no extremo norte da Capital e que deverá entrar em atividade logo no começo de 2001. A partir daí, outros 10 núcleos serão criados até o fim do ano – sempre em regiões periféricas, com altos índices de violência e ausência de serviços públicos.

Em São Paulo serão contemplados os bairros de Cidade Ademar, Cidade Tiradentes, Valo Velho, Sapopemba, Vila Brazilândia, Perus e Jardim Ângela. Na Região Metropolitana, o serviço vai para São Bernardo do Campo, Guarulhos e Carapicuíba. Segundo o secretário, a extensão do CIC ao Interior está em estudo e as primeiras cidades cotadas são Ribeirão Preto, Campinas e São José dos Campos. Além do grande crescimento populacional na periferia, os três municípios têm em comum os problemas decorrentes desse fato, como o aumento dos índices de violência e desemprego.

Novos Serviços

Simultaneamente novos serviços estarão disponíveis à população, tanto nas unidades existentes quanto nas novas. O primeiro deles está praticamente pronto e vai começar no CIC Itaim Paulista. Trata-se da instalação de um balcão avançado do Posto de Atendimento ao Trabalhador – PAT, coordenado pela Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho (Sert) e que vai fazer, exclusivamente, a intermediação de mão-de-obra. ‘O objetivo é cadastrar os desempregados próximos das unidades, fazer contato com o empresariado local para divulgar o fornecimento de vagas e, por conseqüência, buscar reempregá-los nessas empresas’, explica o assistente técnico da Coordenadoria de Operações da Sert, Francisco Marcíglia.

As informações dos inscritos também serão cruzadas com a Central de Captação de Vagas, na sede da Secretaria. Todo cadastramento será feito por voluntários indicados pelas associações comunitárias participantes das diretrizes de cada CIC. A Secretaria do Emprego já atua nos CICs emitindo carteiras de trabalho gratuitamente.

Os serviços prestados pela Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social (Sads) também serão ampliados nas unidades do Centro. Por meio do Programa de Inclusão Social, capitaneado pela Secretaria de Governo e Gestão Estratégica, a Sads vai contratar jovens carentes para atuar como agente cidadão nos bairros de origem. ‘Eles vão se envolver com a comunidade, porque farão pesquisas sobre pobreza, lazer, carência de equipamentos, programas de qualificação profissional etc, passando a atuar como agentes comunitários’, explica o secretário Edsom Ortega.

A contratação dos jovens será feita em parceria com a Secretaria do Emprego. Cada agente deverá trabalhar meio período, recebendo bolsa-auxílio de R$ 65,00 por mês. Ortega prevê selecionar sete mil jovens para o programa. Outra novidade no CIC será a ampliação do atendimento a adolescentes infratores em liberdade assistida da Febem. Convênios estão sendo firmados com associações comunitárias para realizar o trabalho com os menores dos bairros.

No âmbito jurídico, a inovação será a instalação de um Juizado Especial Criminal (Jecrim) nas unidades do CIC, que já contam com serviços de Juizado Especial Civel, mais conhecido como juizado de pequenas causas. O Tribunal de Justiça do Estado está viabilizando a medida, que na avaliação do juiz-auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça, Ricardo Chimente, ‘vai permitir que o autor de um ato delitoso esteja frente à frente com um juiz em cerca de três dias. Ou seja, um combate à violência com mais eficácia’, define ele. A estimativa de Chimente é baseada na experiência de um Jecrim instalado há um ano no Fórum de Itaquera, também na Zona Leste da Capital. ‘É um serviço muito bem sucedido e atesta que o caminho é esse: irmos onde a população carente está’.

De documentos a conflitos familiares

Concebido dentro do Plano de Metas de 1994 do Governo Covas como uma das propostas de modernização do Estado, o Centro de Integração da Cidadania é uma iniciativa revolucionária na opinião do coordenador do serviço, Alfredo Barbetta. Isso porque, conseguiu pela primeira vez reunir vários serviços públicos, tendo pleno apoio e participação de entidades comunitárias organizadas. ‘Estamos ocupando espaços onde o poder público não chegava. Com isso, atingindo as causas da violência’, avalia. ‘Onde, no mesmo dia e lugar, você encontra um juiz, um promotor e um delegado juntos?’, indaga José Manuel Bispo Lima, conselheiro do Espaço Cultural Jardim Pantanal, uma das entidades participantes das diretrizes do CIC Itaim Paulista. Ele resume o centro como um espaço de ‘resgate da cidadania’, exemplificando o caso de migrantes nordestinos que chegam a São Paulo sem documento algum. ‘Só no CIC essas pessoas conseguem um RG sem pagar nada. Mesmo que para isso, os promotores tenham de contatar cartórios em outras cidades ou Estados, para obter a certidão de nascimento delas’.

As unidades do CIC oferecem um conjunto de serviços inteiramente gratuitos. A oferta vai desde emissão de documentos, como Carteira de Identidade, 1ª e 2ª via, Carteira de Trabalho, Atestado de Antecedentes Criminais até a resolução de conflitos familiares ou problemas pessoais, intermediados por assistentes sociais. Esses profissionais ainda desenvolvem projeto de suporte para geração de renda nas comunidades. A Procuradoria de Assistência Jurídica, por exemplo, dá orientações ou pode fazer encaminhamento para atendimento gratuito de advogados.

Em cada núcleo também existe um posto da Polícia Militar, que atende pequenas ocorrências e dá proteção a usuários do CIC e moradores do entorno. Outro posto avançado atua como uma delegacia de polícia, onde um delegado e investigadores trabalham em ocorrências como de violência doméstica, viciados em drogas, tutela de menores. Dão ainda orientações em caso de abandono de lar, de pessoas desaparecidas etc. As unidades do CIC também dispõem de profissionais do Procon, que orientam e prestam atendimento sobre direitos do consumidor, além de profissionais da CDHU, que orientam e faz renegociam de dívidas com mutuários.

De forma rápida, segura e igualmente gratuita, o Juizado Especial Civel, resolve questões como batidas de carro, cobranças, serviços mal prestados, compra de produtos não entregue ou com defeito, entre outros. ‘Conhecendo a periferia a partir do CIC, vi que antes a Justiça só atendia 30% da demanda, concentrando-se na região central da cidade’, avalia o juiz Chimente. Para ele, o CIC pode incrementar seus serviços com atividades multiprofissionais oferecidas a partir de convênios firmados com faculdades da periferia. ‘As unidades poderiam ter estagiários de psicologia, administração, direito, medicina atendendo essa população’, explica ele.

Clínica Geral de Tambaú

Na mesma linha, a Promotoria de Justiça oferece orientação jurídica, faz reconhecimento de paternidade, acordo de pensão alimentícia, de guarda e de visita. Também emite alvarás, tutela, solicita segunda via de certidões de nascimento, de casamento, de óbito, requer registro de nascimento tardio, entre outros. ‘Os promotores do CIC são padre, juiz, policial. É uma legítima Clínica Geral de Tambaú’, brinca Airton Florentino de Barros, coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais da Cidadania, vinculado ao Ministério Público Estadual. Barros revela que, inicialmente, não acreditava na proposta do Centro por integrar todos os serviços numa mesma unidade. Com o passar do tempo, mudou de opinião ao ouvir relatos de colegas participantes da iniciativa. O sucesso do CIC, avalia ele, está no empenho das equipes profissionais que trabalham nas unidades. ‘São pessoas que realmente abraçaram a filosofia do serviço, gostam do que fazem e sentem-se estimulados com os resultados’.

É o que faz diariamente o delegado do CIC Itaim Paulista, Valter Pereira César. Com 36 anos de Polícia Civil, sendo 10 deles como delegado no bairro, Pereira diz que muitas vezes se ‘despe’ do cargo para resolver conflitos aparentemente sem solução. Um deles ocorreu no próprio Conjunto Habitacional Encosta Norte, com 22 mil habitantes e onde o CIC Itaim Paulista está sediado.

Uma moradora de um dos prédios queixou-se de acordar todas as madrugadas com barulhos que vinham do apartamento ao lado, onde o vizinho é de difícil convivência. No dia seguinte, o delegado Valter – como é conhecido – procurou a síndica e a vizinha da reclamante com uma caixa de disquete encapada, alegando dispôr de um equipamento para captação de ruídos. ‘Disse a elas que alguns moradores estavam ouvindo ruídos e que talvez se tratasse de abalo na estrutura do prédio. Por isso, iria instalar a caixa no apartamento daquela moradora, já que o ruído estava no último andar’, relata. Desde então, segundo o delegado, a reclamante nunca mais teve problemas do gênero.

Nem tudo se resolve tão fácil, ressalva dr. Valter, que atende em média 40 casos diariamente, 92% deles de âmbito doméstico. Alguns requerem acompanhamento e aí, receita ele, a solução é fazer visitas itinerantes onde há conflitos, mas em momentos estrategicamente inesperados. ‘Hoje mesmo fui à casa de um cidadão, denunciado por uma instituição, de torturar seu cachorro até a morte. Eu o intimei a comparecer no CIC, onde será indiciado e, provavelmente, deverá responder a inquérito policial’, relata Pereira.

Em outra ocorrência, o delegado ficou até 23 horas numa escola estadual do bairro, onde visitou 20 salas de aula acompanhado de três jovens que haviam batido em um dos alunos. ‘Fiz uma palestra rápida em cada classe, expondo o caso e fazendo cada um dos meninos reconhecer o erro com depoimentos’. Na maioria dos casos o delegado consegue solução, que atribui à sua popularidade, já que também mora no bairro, mas, sobretudo, ao entrosamento da equipe no CIC Itaim Paulista. ‘É um trabalho que requer boa vontade, tranquilidade e dedicação’, define ele.

Jornada da Cidadania

A dedicação dos profissionais do CIC é afinada à necessidade da comunidade do entorno, representada pelas associações de bairro. Henrique Vieira Dias, presidente do Centro Comunitário do Parque Paulistano e Vila Mara, diz que nenhuma decisão do CIC Itaim Paulista, por exemplo, é tomada sem seu conhecimento ou de qualquer lideranças participantes das diretrizes. ‘Além disso, a população fica à vontade para falar com o delegado, o promotor ou com o juiz. Eles todos têm muita sensibilidade para a questão social’, observa.

A crítica do líder comunitário fica por conta da falta de uma dotação orçamentária própria para as unidades do CIC. ‘Com verba própria, cada unidade teria autonomia e com isso, maior agilidade na criação de novos serviços’, defende Dias.

Segundo o coordenador do CIC, Alfredo Barbetta, um projeto de lei estabelecendo a criação da iniciativa está sendo elaborado pelo Governo para encaminhamento à Assembléia Legislativa.

Os serviços do Centro também são levados à população mais carente por meio das Jornadas da Cidadania, uma prestação de serviços públicos realizada frequentemente pelo CIC nos bairros mais distantes da Capital. A última do ano ocorreu dia 24 de novembro e foi feita na sede do Centro Comunitárioda Vila Mara, extremo da zona leste. Durante cinco dias, 7.567 pessoas procuraram os mais diversos serviços da jornada, como corte de cabelo, consulta jurídica e emissão de documentos. O evento também promoveu palestras e cursos sobre cidadania.

Entre os atendidos estava a dona de casa, Joana Soares, de 32 anos, que aproveitou o serviço para tirar RG das filhas Taís, Talita e Tailene, com idades respectivas de 9, 7 anos e, um ano e nove meses. A filha mais velha assinou com orgulho o primeiro documento e revelou que foi ela quem avisou à mãe sobre a jornada. ‘É que eu faço aula de reforço escolar aqui no Centro Comunitário’, explicou ela.

Quem também levou o filho para obter o primeiro RG foi Maria de Lurdes da Silva, de 49 anos. Alexandre Francisco da Silva, de 8 anos, mora com a mãe num quarto emprestado e sustento da família é extraído das faxinas que Maria faz numa igreja do bairro. Também ganha uma cesta básica por mês da entidade comunitária do bairro.

Já Cleide Fernandes de Oliveira, de 18 anos, procurou a jornada para emissão de documentos, só que da sua tia, Elza Neri, de 40 anos, que precisava de RG e carteira profissional. Com os documentos, Cleide vai encaminhar o pedido de aposentadoria de Elza, que é portadora de deficiência.

Gislene Lima