Artigo Monica Serra: Solidariedade e desenvolvimento

Em artigo na Folha de S.Paulo, Monica Serra afirma que a verdadeira solidariedade é aquela que faz desenvolver

ter, 26/06/2007 - 12h48 | Do Portal do Governo

MONICA SERRA

Folha de S.Paulo

QUANDO SE fala em solidariedade e em desenvolvimento, cada um de nós traduz esses vocábulos de acordo com sua própria visão de mundo.

Para muitos, a solidariedade é entendida como ajuda eventual a alguém que dela necessita, seja com a palavra de consolo, seja com o pão que aplaca a fome.

Em minha visão, solidariedade é muito mais que isso. Ela se associa a outro termo de várias interpretações, que é desenvolvimento. A verdadeira solidariedade é aquela que faz desenvolver (e desenvolver é tirar o invólucro, libertar) plenamente o ser humano. Somos solidários quando buscamos libertar o outro de suas amarras, de seus preconceitos e pretendemos que ele possa superar suas limitações.

Essa é a solidariedade ativa, a que busca promover o desenvolvimento integral do homem, em sua saúde, educação, no usufruto da felicidade.

Ao assumir a presidência do Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo, inspirei-me em mulheres excepcionais que me precederam na missão. Mulheres como Lila Egydio Martins, Lucy Montoro, Alaíde Quércia, Lila Covas, Maria Lúcia Alckmin e Renéa Lembo.

Exatamente por entender a evolução de sua atuação e ao seguir sua trilha inovadora, tive a iniciativa de propor a mudança do nome da instituição. Não se tratou de mera escolha estética, mas de deliberada opção política. A ação do fundo não se reduz a medidas de caráter assistencial, embora a realidade nos imponha esse tipo de presença na comunidade.

O novo fundo, de Solidariedade e Desenvolvimento Social e Cultural, vai dar mais amplo significado à solidariedade do governo para com os mais necessitados. De forma complementar às atividades do Estado, como responsável pela educação, assistência à saúde, criação de empregos, habitação popular, o fundo atuará nos casos especiais, tendo como orientação firme a inclusão dos que se encontram à margem da vida.

Qualquer ser humano, por mais desprovido que seja, dispõe de alguma aptidão que pode ser identificada e estimulada. Se formos capazes de encontrá-la e despertá-la, estaremos trazendo essa pessoa para a comunidade, de forma ativa, e não como mero endereço de nossa consciência das desigualdades sociais.

A cultura -expressão de vários significados- é vista, nesse novo projeto do fundo, como inserção das pessoas dele marginalizadas. Os homens têm direito a comungar dos momentos da criação, seja na limpeza de sua habitação, no abrigo de seu corpo ou na alimentação de seus filhos, seja na contemplação de um quadro ou de uma escultura, seja na audição de obra musical de excelência ou na visão de peça teatral de qualidade.

Mas devem também desenvolver a vocação estética que existe em cada um. No menino que gosta de desenhar pode estar a semente de homens como Goya, Picasso e Portinari, para ficar nesses três exemplos de talento, ou pode estar o grande inventor ou cientista. O mesmo se pode dizer de variadas vocações, como a que tinha Mozart, e que nunca se realizam, porque seus portadores nem mesmo conseguem se aproximar de um piano.

É certo que o fundo não pode se esquivar de atuar em situações de emergência quando ocorrem tragédias, como o frio que se prevê para este inverno em nosso Estado. Nessas situações, cabe ao fundo promover e coordenar a solidariedade da população.

O fundo tem tradicionalmente atuado na campanha do agasalho, que visa a minorar o sofrimento dos mais pobres. Essa campanha tem sido, ao longo dos anos, belo momento de solidariedade, que não só leva conforto como, da mesma forma, dá aos que ajudam a alegria do gesto. Nela se irmanam grandes homens de negócio e pessoas simples do povo. São os industriais, que contribuem com milhares de cobertores e abrigos, e trabalhadores, que doam aos mais pobres suéteres e xales usados, para que se protejam e não morram de frio.

Neste ano, numa experiência inédita, pessoas simples da periferia tricotaram gorros, os quais foram comprados a R$ 1 por industriais e doados ao fundo. Isso eu chamo de solidariedade inclusiva.

Essa campanha tem contado sempre com o apoio de personalidades públicas conhecidas. Neste ano, foi escolhida a apresentadora de televisão Ana Maria Braga, que é exemplo notável de solidariedade e de realização humana.

Sem se ausentar dessas situações críticas, o fundo irá se concentrar na solidariedade efetiva, aquela que liberta as pessoas de suas amarras e lhes permite desenvolver-se integralmente para usufruir dos bens da vida.

MÔNICA SERRA , psicoterapeuta, fundadora da ONG Arte Sem Fronteiras, é primeira-dama de São Paulo e presidente do Fundo de Solidariedade e Desenvolvimento Social e Cultural do Estado de São Paulo.