Acadepol ensina a policial recursos neurocientíficos para investigação criminal

A leitura das microexpressões faciais é uma das possibilidades de uso da neurociência na melhoria da atividade policial e na elucidação de crimes

sáb, 11/06/2011 - 20h00 | Do Portal do Governo

Uma agente de segurança de aeroporto observa filas extensas de passageiros e, de repente, caminha determinada em direção a um dos viajantes. Ao abordá-lo, constata que o homem carrega uma mala cheia de dinheiro. Por que suspeitou dele antes de ter qualquer indício de irregularidade? É que a policial tem o dom de decifrar a expressão facial e a linguagem corporal do ser humano. Essa cena do seriado Lie to me pode se tornar realidade, descontando a fantasia necessária à ficção.

Baseada na vida real e nas descobertas científicas do psicólogo norte-americano, Paul Ekman, o seriado mostra o personagem principal (alter ego de Ekman) como “detector humano de mentiras” com a habilidade de ler a intenção do outro antes mesmo de a pessoa se expressar em palavras ou concretizar o pensamento em ato. Desvenda crimes ao analisar expressão facial, linguagem corporal, voz e o modo de falar do suspeito.

Para o policial, essa proeza pode significar o sucesso ou o fracasso numa investigação criminal, diz o diretor em exercício da Academia de Polícia do Estado de São Paulo (Acadepol), Edemur Ercílio Luchiari. “Em situação de risco, pode ser a diferença entre a vida e a morte”. Estudada pelos delegados da Acadepol, a leitura das microexpressões faciais (alegria, tristeza, raiva, desprezo, medo e nojo) é uma das possibilidades de uso da neurociência na melhoria da atividade policial e na elucidação de crimes.

Caso Pimenta Neves

O Grupo de Estudos de Neurociência na Atividade Policial (Neuropol) é formado por equipe multidisciplinar de nove delegados, especialistas em diversas áreas de conhecimento. Pelas suas mãos passaram casos como o do jornalista Pimenta Neves,recentemente, e há quase 50 anos do “bandido da luz vermelha”. Pioneira nos estudos de neurociência em atividade policial, a Neuropol começou os estudos em 2007. A primeira tarefa foi compreender o funcionamento do cérebro e identificar as atividades cerebrais: emoção, motivações, decisões racionais, delírios, entre outras.

“É uma ferramenta nova para que o policial pense neurocientificamente e obtenha sucesso na investigação policial”, explica Jaqueline Makowski Bariani, mestre em direito penal. A Acadepol já começou a ensinar os novos aprendizados aos universitários e aos policiais. Alguns investigadores experientes disseram decifrar por instinto os significados dos movimentos e das expressões corporais. Após o treinamento, a maioria pedia mais detalhes das técnicas de observação científica.

Médico-legista, o delegado João Nazareno de Oliveira frisa que quanto mais conhecimento prévio o policial tiver de recursos neurocientíficos, mais preparado ficará em abordagem ou blitz. “Terá mais habilidades para antecipar reações e comportará o melhor possível para evitar a morte”. A psicóloga forense Magaly Iazzetti Caliman destaca que o conhecimento do cérebro é essencial já que 35% da população tem distúrbio mental, de grau leve ao mais elevado.

Corpo denuncia

Luchiari diz ser possível ao policial detectar sinais de verdade ou mentira na abordagem, entrevista, interrogatório, inquérito e investigação criminal. “Nos primeiros décimos de segundo após a pergunta, o ser humano responde de forma automática, ou seja, a sua fala não tem simulação”, destaca Luchiari. A cada nova pergunta, o investigador ganha o mesmo tempo para avaliar a resposta do suspeito e observar as expressões faciais.

Como não é possível controlar as expressões faciais nesse curtíssimo período, a pessoa deixa vazar emoções reais contra sua própria vontade. Depois, ao perceber que revelou emoção, muda a expressão facial e a corporal e cria discurso favorável. É como se substituísse a “cara” da verdade pela “máscara” conveniente à situação, a da mentira. Por exemplo, transforma a raiva num “sorriso amarelo”.

“Saber se o investigado está mentindo ou não é fundamental na atividade policial e pode mudar o curso da investigação. Ir pelo caminho certo, ganha tempo e aumenta sucesso”, frisa o diretor. Outra maneira de checar se a informação é confiável é observar se a linguagem verbal (fala) coincide com a linguagem gestual (corpo), ensina a perita criminal Célia Maria Corrigiliano, especialista em perícia criminal. Se há incongruência, a pessoa está mentindo.

Imagens da mentira

A contradição entre os dois impulsos (razão e emoção) altera os sinais vitais, como aumento de pressão sanguínea, transpiração e salivação. Equipamentos podem medir essas mudanças e há, também, os que fazem a leitura de ondas cerebrais (mapeamento cerebral). Mas seu uso envolve questões éticas e jurídicas.

Ser “mestre em pegar na mentira” exige estudo, observação e treino. A melhor forma de interrogar é gravar a entrevista por várias câmeras que mostram movimento de braços, pernas, posturas e o rosto em close. Depois, é só o investigador observar cada gesto/movimento/contração muscular do suspeito, principalmente os dos primeiros décimos de segundo de cada pergunta. A estratégia é útil, também, para avaliar se o policial conduz bem a entrevista, acrescenta o diretor da Acadepol.

Para estudar em detalhes os recursos neurocientíficos, a equipe assistiu a entrevistas gravadas de recentes episódios que ganharam destaque nos meios de comunicação. Analisaram, por exemplo, gravações do casal Nardoni, Suzane Von Richthofen e Lindemberg Fernandes Alves, que matou a namorada Eloá Pimentel. Depois, juntaram os vários saberes e enfoques que resultarão em estratégias de atuação da polícia à luz dos novos recursos abertos pela neurociência, explica a delegada Maria Solange Xavier.

Pesquisa pioneira

O advogado Rogério Leite silva, colaborador da Neuropol e professor da Escola Superior de Guerra, frisa a importância da neurolinguística por investigar a cognição humana que inclui aspectos linguísticos, socioculturais, neuropsicológicos, afetivos e biológicos. Testes neuropsicológicos possibilitam a percepção de defeito, falha e tratamento do funcionamento do cérebro.

Os exames são úteis em tratamentos como o transtorno pós-traumático e na habilitação ou reabilitação cognitiva de áreas afetadas, destaca Magaly. Célia lembra que o marco de estudo da neurociência é o caso de um funcionário ferroviário que sofreu um acidente em 1890. Seu cérebro é transpassado por uma barra de ferro. Sobrevive, mas com lesões cerebrais graves. De empregado exemplar passa a ser o oposto.

Em breve, será lançado livro com os principais resultados da pesquisa pioneira. Os delegados Antônio Cesar Silva e Kleber Antonio Altale também participam do Neuropol.

Da Agência Imprensa Oficial