Unicamp desenvolve lousa digital que dispensa o giz e o apagador

Linha de pesquisa da Faculdade de Educação da Unicamp prioriza interatividade no desenvolvimento de conteúdos educacionais

ter, 19/06/2007 - 21h13 | Do Portal do Governo

O formato é igual ao de uma lousa comum da sala de aula. Mas, com um toque na tela branca, o professor Sérgio Ferreira do Amaral abre o banco de imagens de geografia e, na ponta do dedo indicador, arrasta o contorno do mapa da América do Sul; outro arraste e o mapa do Brasil vai para dentro do anterior. Assim, ele poderia ir incluindo os demais países, até montar o quebra-cabeça do continente.

Brincadeira de criança? A idéia é mais ou menos esta. A lousa digital instalada no Laboratório de Novas Tecnologias Aplicadas à Educação (Lantec), da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, é o principal instrumento de Sérgio Amaral para desenvolver suas pesquisas voltadas a conteúdos educacionais usando a tecnologia do vídeo digital interativo.

Software propicia ambiente de interação

A interatividade, ao invés da passividade do aluno diante da oratória do professor, é o caminho indicado por Amaral para tornar o espaço escolar mais adequado à realidade atual do aluno. “Um toque faz com que o computador processe a informação e jogue o sinal na lousa. A criança abre as telas e navega usando o recurso mais interativo que existe: o dedo”.

O apagador e as canetas lembrando gizes, no aparador da lousa, são apetrechos praticamente simbólicos, pois ali a criança pode escrever também com o dedo. Se esta possibilidade provoca arrepios em quem defende o velho caderno de caligrafia, o professor da Unicamp atenta que o contexto, agora, traz um novo paradigma de interface lúdica entre homem e máquina nas atividades educacionais.

O software desenvolvido pelo Lantec utiliza um emulador baseado na linguagem Java para criar um ambiente de interação com o conteúdo digital. É um software aberto, o que permite ao professor preparar a aula em casa, baixando da Internet ou escaneando conteúdos como textos, mapas, fotos, além de vídeos e sons.

“A grande maioria dos professores possui computador. O problema é que eles ainda centram a sua sistematização didática unicamente na forma de papel, pautados na oralidade, devido à falta de familiaridade com as práticas didáticas mediatizadas pelos recursos audiovisuais”, atesta o pesquisador. “É necessário oferecer a eles essas novas habilidades e competências para a preparação do conteúdo didático a ser utilizado em sala de aula”.

Conteúdos – Amaral esclarece que a tônica das pesquisas no Lantec não está na tecnologia, substituindo o lápis, o caderno e o livro, mas no desenvolvimento de conteúdos que permitam criar uma situação motivadora, com a participação da criança no processo de ensino-aprendizagem, intervindo efetivamente no conteúdo. “Propomos uma reflexão crítica do paradigma atual, discutindo o formato e principalmente a ação comunicativa”.

O conteúdo didático, reitera o pesquisador, precisa apoiar-se em uma linguagem com a qual a criança já está familiarizada. Ao mesmo tempo, a estratégia de comunicação e o diálogo com o aluno não pode ser linear, mas construídos a partir do seu envolvimento. “As crianças devem participar da discussão e da elaboração do conteúdo de forma ativa e sobretudo coletiva, e não ficar apenas ouvindo o discurso do professor”.

O pesquisador observa que vivemos uma época em que a informação é disponibilizada e atualizada o tempo todo. “Ao acessarmos um texto, encontramos nele o link para outro texto com informações complementares e assim sucessivamente. É uma porta atrás da outra. Além disso, muitas vezes o leitor dispõe de portas para fazer a sua intervenção. A escola é o espaço para a reflexão crítica destas informações”.

Na opinião de Sérgio Amaral, esta lógica já consolidada torna o desenvolvimento de conteúdos educacionais um trabalho bem mais complexo. A Internet tornou-se um exemplo de que os conteúdos precisam estabelecer um diálogo com aqueles que os recebem. “O leitor quer participar”.

Por tudo isso, o Lantec aposta na tecnologia de ponta direcionada ao desenvolvimento de conteúdos utilizando a linguagem do vídeo digital interativo, e nas metodologias e aplicações que permitam ao professor elaborar o seu próprio conteúdo. “Alguns produtos do nosso laboratório já estão à espera de patente. Há uma grande demanda por conteúdos educacionais em português com o uso dessas novas tecnologias”.

Ociosidade – O professor da Unicamp reconhece o esforço do governo para equipar as escolas com computadores, mas estima que são aproveitados apenas 30% da capacidade já instalada. “A causa principal é a falta de capacitação do professor na utilização pedagógica do computador. Vejo escolas que ainda estão com os equipamentos guardados na caixa, por pura falta de aplicabilidade, e onde a sala de informática é freqüentada apenas para navegação na Internet”.

Amaral afirma que a universidade, no caso da lousa do Lantec, cumpre sua função de se adiantar ao processo, mas assegura que esta tecnologia logo estará presente nas escolas brasileiras. “O importante é criar uma cultura e desenvolver metodologias para incorporar a interatividade como prática pedagógica, centrados em programas de capacitação dos professores. Do contrário, teremos apenas uma exposição multimídia, levando à repetição do fenômeno de ociosidade dos computadores”.

À espera da televisão interativa

Desde o início do grande projeto para a criação do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD), que envolve dezenas de instituições de pesquisa do país, o Lantec firmou parcerias com o CPqD para responder ao desejo do governo de contemplar também a educação com a nova tecnologia.

“Em mais de 50 anos no Brasil, a televisão ainda é muito pouco utilizada na escola. O rádio, com seus 80 anos, tampouco veicula conteúdo escolar. A Internet tem servido apenas para o aluno navegar e brincar. É a primeira vez que se fala na convergência da linguagem televisiva, da interatividade da Internet e de conteúdo educacional. Nossa pesquisa está fundamentalmente firmada nesse tripé”, afirma o professor Sérgio Amaral.

A previsão é de que a TV digital deve entrar no ar em dezembro, mas ainda sem contemplar a interatividade. Isto depende do set-top box, um dispositivo que transforma o sinal digital em analógico, desobrigando a troca de televisores em mais de 90% dos lares brasileiros – e que na versão nacional vai permitir a conexão dos telespectadores com a Internet.

“Para a conexão com a rede de computadores será desenvolvido um segundo modelo de set-top box, com um canal de retorno ligado à linha telefônica (fixa ou móvel). Neste momento, as empresas de telecomunicações estão priorizando a transição do conteúdo digital para o analógico. Só depois virá à interatividade”, lamenta Amaral.

O pesquisador ressalta, entretanto, que o Lantec procurou desenvolver uma metodologia para a utilização da TV digital interativa em sala de aula. Ele insiste que antes é preciso criar uma cultura junto a professores e equipes de pedagogos das escolas, capacitando-os na elaboração de conteúdos utilizando a narrativa televisiva. Isto permitirá o uso da TV digital com conteúdos pelos próprios professores e alunos.

Além disso, a tecnologia e os conteúdos desenvolvidos no laboratório podem ser disponibilizados por outros meios, como a própria Internet. “Há mais de 10 anos, com a Internet ainda em fase inicial, nós transmitíamos debates ao vivo pelo rádio e os ouvintes participavam dos programas através do correio eletrônico. Hoje esta prática é muito utilizada pelas rádios”.

Agora, com a toda esta comunicação midiática, Amaral está certo de que está por vir uma grande revolução na comunicação educativa. “Estamos falando de conteúdos em escala para todos. Um sinal desta revolução é o YouTube, onde as pessoas veiculam vídeos caseiros. Todos querem participar também na produção de conteúdos”.

Sérgio Amaral, que realiza pesquisa no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e por isso vai periodicamente aos Estados Unidos, vê naquele país a consolidação democrática de um espaço para a comunidade voltado a uma educação via mídia televisiva. “Lá, ao contrário daqui, 90% das emissoras de TV são por assinatura, com mais de 350 canais, e apenas 10% de sinal aberto”.

Segundo o professor, a Warner Cable, empresa de TV a cabo da cidade de Nova York, reserva 5% do faturamento para emissoras comunitárias, cedendo a elas quatro canais. É com esses recursos que o Canal Comunitário de Manhattan adquire equipamentos de última geração.

“São dezenas de estações de trabalho, que também ficam à disposição da comunidade para edição e produção de vídeo. Basta agendar, levar uma filmadora e trazer o documentário, com direito a 30 minutos na grade de programação da emissora comunitária”, informa Amaral. “No Brasil, as tevês comunitárias precisam fazer verdadeiros malabarismos. Não temos elementos que facilitem a produção e veiculação de conteúdos”.

Contudo, o Lantec vem contribuindo para uma educação comunitária mediatizada pela TV, através de uma experiência na escola municipal do bairro Guará, próximo à Unicamp. Dentro do projeto TV Digital na Escola, professores e alunos produzem material educacional fundamentado em narrativas televisivas.

O laboratório capacitou professores e hoje os alunos têm um programa de conteúdo jornalístico editado, dirigido e apresentado por eles, que é veiculado pela TV Comunitária de Campinas. “As crianças mostram que é possível”.

Seminário e workshop

O grupo de pesquisa Lantec, a Faculdade de Educação e o Virtual Educa 2007 realizam o I Simpósio Internacional sobre Novas Competências em Tecnologias Digitais Interativas na Educação, em São José dos Campos, nos dias 20 e 21 de junho. E também neste mês, nos dias 25 e 26, acontece o IX Edunet, curso de capacitação de professores para a utilização pedagógica da linguagem digital interativa, na Faculdade de Educação da Unicamp. As inscrições para os eventos podem ser feitas nos endereços http://beta.fae.unicamp.br/tvdi e http://beta.fae.unicamp.br/edunet

Luiz Sugimoto

Do Jornal da Unicamp

(R.A.)