Unicamp: cientistas desenvolvem protótipo para imunizar contra duas doenças

Meningite meningocócica e zika vírus são temas de análises dos pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas

seg, 27/08/2018 - 20h33 | Do Portal do Governo

A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por meio de pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF), desenvolveu o protótipo de uma vacina com capacidade para imunizar contra a meningite meningocócica e o zika vírus. Realizados in vitro e em modelo animal, os testes apresentaram resultados tão positivos que originaram um pedido de registro de patente.

Vale destacar que o estudo rendeu artigo publicado na Scientific Reports, revista que pertence ao grupo Nature. A pesquisa foi conduzida pela então estudante de graduação da FCF, Paula Martins, sob a orientação do professor Marcelo Lancellotti. O trabalhou contou com a colaboração de outros pesquisadores da Unicamp, do Instituto de Biologia (IB), Instituto de Química (IQ) e de dois outros laboratórios da própria FCF.

“A Rede Zika Unicamp foi fundamental para que pudéssemos realizar esse projeto, pois foi por meio dela que tivemos a oportunidade de dar início a parcerias com colegas de outras áreas”, revela o docente Marcelo Lancellotti.

Método

Na avaliação do professor, estudos com tais características exigem uma abordagem multidisciplinar. “Uma área do conhecimento não seria capaz, sozinha, de encontrar respostas a todas as nossas dúvidas”, acrescenta. Um dado curioso sobre a pesquisa diz respeito à forma como surgiu a ideia do método usado no desenvolvimento do protótipo da vacina. O docente conta que estava em casa, lavando louça, quando observou duas bolhas de sabão se unindo.

Naquele momento, o docente considerou que algo parecido poderia ser tentado em relação ao meningococo, causador da meningite, e o zika vírus, uma vez que ambos apresentam estruturas químicas semelhantes. “O meningococo produz uma série de vesículas extremamente pequenas, conhecidas pela sigla OMV, que são parecidas com o que a gente conhece como lipossomo. Ou seja, são semelhantes às nossas membranas celulares. O zika vírus também apresenta uma membrana constituída por células do hospedeiro, com proteínas deste na superfície. Minha ideia foi juntar as duas estruturas, para verificar o que poderia acontecer”, relata.

A técnica escolhida foi o cisalhamento, que consiste no aumento da energia cinética como forma de promover a “junção” das duas estruturas. “Obtivemos êxito, mas não sabíamos qual seria o resultado desse processo. Foi algo totalmente inovador. Depois de algum tempo, ao analisarmos a fusão, constatamos que as estruturas, agora fundidas, aumentavam de tamanho. Algo estava acontecendo, embora não tivéssemos uma ideia exata do que era”, revela o docente da Unicamp.

A etapa seguinte consistiu em usar a estrutura obtida com a fusão para imunizar camundongos. “Vimos foi que os animais desenvolveram anticorpos contra a OMV original da bactéria, bem como contra o zika vírus. Vale assinalar que só observamos a resposta imunológica. Não verificamos a reposta contra as doenças, uma vez que os camundongos não se infectam com zika nem com a meningite. De todo modo, constatamos que essa resposta imunológica não somente era alta contra os dois patógenos, como não causava qualquer comprometimento do DNA recombinante”, explica a pesquisadora Paula Martins.

Avanços

Segundo a cientista, na técnica que utiliza o DNA recombinante, o gene do zika vírus é removido e, em seguida, introduzido em uma bactéria. O processo é trabalhoso, custoso e demorado, principalmente no momento de escalonar a produção. Isso acontece porque as normas brasileiras e internacionais impõem dificuldades logísticas ao método.

“A metodologia que desenvolvemos é mais simples e barata. Agora, precisamos avançar com a pesquisa. A próxima etapa corresponderá aos testes de escalonamento, para saber se conseguiremos produzir a vacina em escala industrial. Também precisamos entender melhor o mecanismo de funcionamento, o que já está sendo feito em trabalhos conduzidos por pós-graduandos”, afirma Paula Martins.

O professor Marcelo Lancellotti também observa que o protótipo desenvolvido na FCF, diferentemente de outras vacinas, não usa ovos embrionários na preparação. O método é completamente celular. “Isso evita problemas com alergias e efeitos colaterais e obviamente barateia o processo. Nossa vacina utiliza o vírus atenuado”, diz o docente.

Outro aspecto ressaltado pelo docente tem ligação com a tradição da Unicamp de associar o ensino à pesquisa como estratégia de conferir uma formação mais sólida aos alunos. “Eu fui para o laboratório antes mesmo de assistir às aulas do professor Marcelo Lancellotti. Hoje, trabalhando na indústria, vejo que muitos colegas não tiveram a mesma vivência que eu tive. Brevemente, pretendo voltar à Unicamp e dar continuidade aos estudos na pós-graduação. Penso que o importante não é só fazer algo, mas compreender o caminho percorrido para fazer. Isso é muito importante e gratificante”, enfatiza a pesquisadora.