Espalhamento do retrovírus endógenos K é similar no DNA do homem e do macaco rhesus

Estudo de doutoranda da USP foi publicado na revista científica norte-americana PLoS ONE

dom, 14/10/2007 - 12h15 | Do Portal do Governo

De acordo com a ciência, o chimpanzé é o parente mais próximo do Homo sapiens. No entanto, um estudo da dinâmica populacional do retrovírus endógeno da família K (ERV-K), publicado na revista científica norte-americana PLoS ONE por Camila Malta Romano, doutoranda do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, revela que a dinâmica de espalhamento do ERV-K nos cromossomos humanos apresenta um padrão insuspeitado.

“Ao estudarmos essa dinâmica, nos surpreendeu a descoberta de que os humanos têm assinaturas genéticas muito mais parecidas com a do macaco rhesus (Macaca mulatta) do que com o chimpanzé da espécie Pan troglodytes”, conta o biólogo Paolo Marinho de Andrade Zanotto, do ICB, orientador dos estudos de Camila sobre o espalhamento dos ERV-K nos genomas do homem, do chimpanzé e do macaco rhesus.

Na escala evolutiva, o chimpanzé foi separado do homem entre 5 e 7 milhões de anos atrás, enquanto o macaco rhesus se separou destes há cerca de 25 milhões de anos. “Assim, seria de se esperar que os chimpanzés é que tivessem uma assinatura de dinâmica de ERV-K nos seus cromossomos semelhante à do homem”, explica Camila. Além disso, os cientistas também descobriram que os chimpanzés parecem ter muito mais ERV-K em seus genomas. “Nestes 7 milhões de anos depois da separação dos chimpanzés, nós (homens) efetuamos uma espécie de ‘limpeza’ em nossos cromossomos devido a enormes flutuações em nossa população efetiva, causada por intensas migrações e adaptações para novos habitats”, descreve Zanotto. O interessante é que algo muito parecido parece ter ocorrido com o rhesus.

Os pesquisadores afirmaram que o gênero Macaca, que deu origem ao macaco rhesus, é o que tem o maior número de espécies dentre os primatas. O macaco rhesus apresenta grande distribuição geográfica desde o Afeganistão, florestas na Índia até a China. Por sua vez, o chimpanzé concentra-se nas regiões central e ocidental do continente africano. “As flutuações populacionais foram causando bottlenecks populacionais, o que chamamos de gargalos genéticos. Estes devem ter causado uma diminuição significativa no número de ERV- K dos genomas.

No gênero Macaca, os gargalos foram conseqüência de um intenso processo de especiação e ocupação de novos nichos. Mas apesar do gênero Homo, que deu origem ao homem não ser especioso, um padrão semelhante de dispersão, ocupação de novos nichos, e eventos de reduções drásticas da população efetiva foram observados durante o Pleistoceno”, explicam. Os chimpanzés, que sofreram menos bottlenecks populacionais, apresentam maior diversidade genética e isto foi surpreendentemente refletido na dinâmica dos ERV-K que eles portam em seus genomas. “A partir do estudo da dinâmica dos ERV-K foi possível observar que nem sempre primatas mais relacionados (como homem e chimpanzé) compartilham características mais similares. As flutuações causadas por gargalos populacionais têm papel fundamental nas assinaturas genéticas dos organismos e em sua interação com parasitas”, diz Zanotto.

Família K

Os ERV-K, são virus parecidos com HIV que vem colonizando os cromossomos dos primatas há cerca de 30 milhões de anos. “Mesmo que tenhamos efetuado uma espécie de ‘limpeza’, ainda temos muitas cópias integras deste retrovirus em nossos cromossomos”, diz o cientista. “Ele é diferencialmente expresso em tecidos cancerosos e às vezes em células cerebrais de pessoas que apresentam disfunções neurológicas.”

Alguns estudos revelam que os ERV-K também poderia atuar de forma benéfica. Um exemplo é sua atuação no endométrio (parte interna do útero) durante a gravidez. “Já foi postulado que os retrovirus endógenos podem ter impacto positivo ao causarem imunossupressão, a qual poderia diminuir o conflito gênico e facilitar a nidação do embrião no útero”, descrevem os cientistas.

Os estudos com os ERV- K nos laboratórios do ICB tiveram início há cerca de três anos, possibilitado pela infraestrutura da Rede de Diversidade Genética Viral (VGDN) financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Utilizando técnicas de filodinâmica e ferramentas de bioinformática, algumas desenvolvidas no Laboratório de Evolução Molecular e Boinformática (LEMB) do ICB, foi possível rastrear os genomas desses primatas a procura de seqüências dos vírus da família K e estabelecer relações evolutivas entre eles.

Zanotto explica que há aproximadamente 30 milhões de anos, os ERV-K pode ter invadido linhagens de primatas do velho mundo como o vírus de imunodeficiência de símios esta fazendo com o homem e diversos macacos atualmente. “Podemos imaginar que no futuro o Homo sapiens terá formas endógenas de HIV nos cromossomos, mas espera-se que sem o mesmo efeito desastroso da AIDS que observamos atualmente. Isto, porque em uma publicação anterior à de Camila mostrou que os ERV-K apesar de não causarem hoje epidemias, apresentam em seus genomas indícios inequívocos de conflito com o sistema imune dos primatas ao longo de milhões de anos” avalia Zanotto.

Da Agência USP de Notícias

(S.M.)