Violinistas do Projeto Guri chegam à ONU

Jornal da Tarde - 6/5/2002

seg, 06/05/2002 - 10h35 | Do Portal do Governo

Elaine Cristina e Duane Santos, as duas com 17 anos, foram escolhidas entre 10 mil adolescentes para representar o Brasil na reunião que a organização faz em Nova York até quinta-feira

Tchaikovsky, Bach e Beethoven mudaram as vidas de Duane e Elaine. Meninas de famílias da periferia de São Paulo, as duas têm histórias semelhantes. São filhas de pais separados, nasceram há 17 anos e ouviram muito Sandy & Júnior na infância. Suas vidas começaram a ganhar um novo sentido no dia em que foram ver a apresentação de uma orquestra.

Os músicos que estavam no concerto eram do Projeto Guri, uma organização ligada ao governo estadual que acredita poder tirar a incerteza do futuro de jovens carentes por meio de partituras. Duane Egle Santos, de Osasco, e Elaine Cristina de Paula, de Pindamonhangaba, passaram a ter aulas de violino em pólos próximos a suas casas.

As duas se destacaram como revelações em seus conjuntos e, entre 20 mil crianças e adolescentes, foram escolhidas para representar o Brasil em uma assembléia especial que a Organização das Nações Unidas, a ONU, realiza desde sexta-feira, em Nova York.

O encontro é entre 800 crianças e jovens saídos de mais de 40 países. Na pauta da discussão estarão em debate os problemas que mais têm afligido a infância e a juventude no mundo.

Em 1990 houve uma reunião parecida que se tornou conhecida como a Cúpula Mundial da Infância, em que uma série de metas ficou estabelecida para melhorar a situação dos menores. Neste novo encontro, os representantes da ONU vão cobrar dos países as promessas feitas em 1990.

Duane e Elaine, que foram chamadas para debater, não para se apresentar, vão falar sobre violência, drogas e desemprego. Quando deram uma entrevista ao Jornal da Tarde, na manhã de quinta-feira, véspera da viagem a Nova York, estavam ansiosas. Iriam entrar em um avião pela primeira vez e ficariam longe da família e dos amigos por um tempo. Mas se sentiam seguras com relação ao que iriam dizer às outras crianças.

Sabiam que não precisavam estudar os temas para chegarem na ONU com discursos convincentes. Conforme dizem, não é preciso ser especialista para entender que a solução dos três problemas está na educação. ‘Drogas, desemprego e violência são problemas que estão muito ligados. E não há outro remédio que não seja a educação. A cabeça dos jovens tem de ser ocupada. E ele tem de ter chances na vida, como a de conhecer música erudita’, fala Elaine.

Duane, que além de passar de duas a três horas por dia nas salas do Guri faz também o terceiro ano do ensino médio em uma escola pública do Jardim Padroeira Dois, periferia de Osasco, é mais incisiva: ‘Tenho alguns professores no colegial que são muito bons. Mas tenho de dizer que grande parte da culpa é dos professores ruins. Muitos ou não são bem formados, ou não querem passar conhecimento para a gente. Saio frustrada de muitas aulas.’

Foi o próprio ministro da Educação, Paulo Renato Souza, quem indicou a organização para falar em nome do País. ‘Foi um orgulho muito grande ser escolhido entre as centenas de projetos. Senti que há um reconhecimento de que a arte funciona muito bem como meio de transformação’, conta Griz Axcar, coordenadora de eventos do Projeto Guri.

E não faltam exemplos que fortalecem seu discurso. Uma das 40 bases do Guri, que começaram a ser dispostas na capital e em 20 cidades do interior de São Paulo há seis anos, está na região do Pontal do Paranapanema, manchete no Brasil e no exterior pela freqüência com que é cenário de conflitos entre famílias de sem-terra e fazendeiros.

Uma média de 60 crianças que vivem em situação alarmante nesta região fazem parte de uma orquestra local. ‘Não há uma apresentação deles em que eu não choro. É emocionante ver aquelas mãozinhas calejadas de trabalhar no campo com os pais tocando violinos’, conta Griz.

Em Duane, a música bateu com força parecida. Antes de ouvir a Orquestra Paulista do Guri pela primeira vez e se decidir por ser uma violinista boa o suficiente para chegar à Filarmônica de Berlim, não tinha grandes perspectivas. Estudante voraz, daquelas de se sentar na primeira carteira em frente ao professor, animava-se com a idéia de ser jornalista ou bióloga.

Mas via o sonho ruir ao se lembrar de que a família jamais poderia bancar-lhe uma faculdade. Quando ouve um Tchaikovsky, um Bach ou um Beethoven saindo de suas mãos, não tem mais dúvidas. ‘A música é a minha vida. Ela está comigo 24 horas por dia.’

Júlio Maria