USP testará vacina de DNA contra câncer

Folha de S. Paulo - 8/11/2002

sex, 08/11/2002 - 11h25 | Do Portal do Governo

Uma vacina de DNA elaborada na USP de Ribeirão Preto para prevenir tuberculose começará a ser testada em humanos em até três meses. Só que para curar câncer. A aplicação, que parece inusitada, pode abrir novos caminhos tanto para o tratamento da doença quanto para a indústria farmacêutica de tecnologia nacional.

A vacina foi concebida por Célio Lopes Silva, da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, e seus resultados contra a tuberculose foram apresentados pela primeira vez em 1994.

Agora, ela será testada por médicos do Hospital das Clínicas da USP de São Paulo em 18 pacientes com câncer de cabeça e pescoço em estágio avançado e que não respondem à quimioterapia. Esse tipo de câncer afeta 11 mil pessoas por ano no Brasil e é a 3ª causa de morte por tumor no país.

Os testes clínicos de fase um (testes em seres humanos costumam ter três fases) foram autorizados em agosto pelo Conep (Conselho Nacional de Ética em Pesquisa) e só dependem da produção da vacina em quantidade suficiente para que comecem.

Eles foram anunciados pela revista ‘Pesquisa Fapesp’, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, que financia os estudos, e serão coordenados por Kald Ali Abdallah e Pedro Michaluart, do Hospital das Clínicas.

A vacina é feita a partir de uma proteína da bactéria Mycobacterium leprae, parente do causador da tuberculose. O gene que traz a receita dessa proteína é injetado no corpo e as próprias células do paciente passam a fabricá-la, preparando a defesa do corpo contra o invasor.

A ligação com o câncer foi descoberta quase por acaso, no início dos anos 90, quando começou a pesquisa que culminaria na elaboração da vacina.

‘Na época, a gente colocava o DNA [da proteína da bactéria] numa célula e injetava essa célula num camundongo’, disse à Folha a imunologista Carla Lima, da USP de Ribeirão Preto.

Só que, para servirem de veículo para a entrega do DNA imunizante, as células precisavam passar por um processo de cultivo no laboratório que as tornava potencialmente cancerígenas. ‘[Mas] quando essas células eram injetadas em camundongos, elas não provocavam tumor’, disse Lima.

Daí o grupo de Silva ter começado a suspeitar que a proteína, conhecida como hsp65, também pudesse ser usada contra o câncer. As suspeitas foram confirmadas em animais de laboratório, que foram curados de um sarcoma (um tipo de câncer) por ela.

Segundo Abdallah, a vacina será injetada diretamente nos tumores dos pacientes. A idéia é que a proteína da bactéria se instale na superfície das células do tumor, tornando-as alvos visíveis para o sistema de defesa do corpo.

‘O que eu quero é fazer com que o sistema imune ‘pense’ que o tumor é uma célula infectada’, disse o pesquisador da USP.

Os primeiros testes em humanos estão sendo planejados há um ano e meio. Eles servirão tanto para confirmar esse potencial quanto para detectar eventuais efeitos tóxicos que possam não ter sido descobertos em laboratório. Se tudo der certo nessa primeira fase, a vacina poderá passar diretamente para a terceira. Se continuar indo bem, pode estar disponível em três anos.

‘Se conseguirmos diminuir a velocidade de crescimento dos tumores sem impacto na qualidade de vida deles [dos pacientes], já será uma vitória muito grande’, afirmou Kald Abdallah.

Para o mercado

‘Ela vai ser testada antes em pacientes com câncer porque os grupos de estudo clínico de câncer no Brasil estão mais estruturados que os de tuberculose’, disse José Maciel Rodrigues Júnior.
Ex-pesquisador da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Rodrigues Júnior é atual diretor da R&DBiotec, uma pequena empresa de biotecnologia que produzirá a vacina.

Ele desenvolveu a formulação atual da vacina de DNA, que é carregada para as células dentro de uma microesfera de polímero. A microesfera impede a célula de destruir o DNA imunizante. ‘Isso reduz em até dez vezes a quantidade de plasmídeo [um anel de DNA no qual o gene da hsp65 é inserido para poder ser aplicado] necessário para a vacina’, disse.

A empresa de Rodrigues Júnior está montando a primeira linha de produção da vacina, que deve ficar pronta em três meses. A USP e a Fapesp já pediram a patente da descoberta no Brasil e no exterior.

Claudio Angelo