USP terá diagnóstico molecular de vírus

Folha de S. Paulo - 7/4/2003

seg, 07/04/2003 - 11h42 | Do Portal do Governo

Claudio Angelo – Editor-assistente de Ciência


Grupo usa RNA de possível causador da doença para criar
teste, que pode estar pronto nesta semana

Pesquisadores da USP estão desenvolvendo um teste diagnóstico molecular para detectar o vírus que causa a pneumonia asiática. Esse tipo de teste permite dizer em um dia se um paciente com suspeita tem mesmo a doença.
Segundo o virologista Paolo Zanotto, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e coordenador da Rede de Diversidade Genética de Vírus da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), o teste deverá estar pronto até o final desta semana e poderá ser usado na contenção da doença no Brasil.
‘Estamos no começo de uma pandemia. O número de casos dobra a cada quatro ou cinco dias, e o Brasil precisa de uma resposta rápida’, disse o cientista à Folha.
O grupo de Zanotto está isolando e analisando sequências genéticas de seis linhagens de coronavírus, principal suspeito de causar a doença -que já matou mais de 90 pessoas no mundo. A informação genética dos coronavírus é armazenada em moléculas de RNA, e não no DNA, como ocorre em animais e plantas.
Algumas das sequências das ‘letras’ químicas A, C, G e U que compõem os genes de RNA do vírus foram baixadas da internet, de bancos de dados que contêm sequências completas de diversos vírus. Outras vieram de linhagens de vírus que afetam aves e porcos.
As séries de letras das várias linhagens são sobrepostas com o auxílio de um computador, para que os cientistas saibam o que há de comum entre elas. Isso porque os vários tipos de coronavírus têm até 30% de diferenças no seu genoma -muito maior que a diferença entre seres humanos e chimpanzés, que é de só 2%.

Etiquetas genéticas

Com o resultado da comparação em mãos, os cientistas desenham ‘primers’, um tipo de ‘etiqueta’ de RNA que permite identificar o coronavírus em amostras de muco de pacientes, por exemplo. O diagnóstico é feito por PCR (reação em cadeia da polimerase), que usa essas etiquetas para fazer milhares de cópias da sequência que se quer descobrir -permitindo a sua identificação.
O diagnóstico molecular, feito por meio de PCR, tem uma grande vantagem quando se está lidando com um vírus misterioso e de propagação rápida, como o da pneumonia asiática: a rapidez.
‘Em dois dias após o recebimento do material [a amostra do paciente’ dá para ter um diagnóstico detalhado. Em um dia você sabe se o paciente é positivo ou não’, afirmou Zanotto.
Depois de montar os ‘primers’, no início desta semana, a equipe da USP terá de provar que eles realmente funcionam. Para isso, vai testar suas etiquetas de RNA em amostras reais de coronavírus. ‘Se a gente conseguir validar esses primers, dá para receber amostras de pacientes [e fazer o diagnóstico”, diz Zanotto. ‘Mas, francamente, espero que eles fiquem guardados na geladeira.’
Protocolos de diagnóstico por PCR para a pneumonia asiática já foram desenvolvidos na Alemanha e nos EUA. Uma equipe do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos está sequenciando o RNA do coronavírus assassino, isolado de pacientes da Ásia. Com o genoma em mãos, o diagnóstico deve ficar ainda mais preciso e rápido.
Velocidade parece ser a melhor arma dos cientistas contra a pneumonia (também chamada pela sigla inglesa Sars, ou ‘síndrome respiratória aguda grave’), que se espalha pelo mundo a bordo de aviões a jato. E a que mais falta: até agora não se sabe como a doença surgiu, como ela se propaga e nem ao certo se o coronavírus merece mesmo o banco dos réus.
O estudo epidemiológico dos primeiros dez casos da doença no Canadá, por exemplo, encontrou em alguns doentes um outro vírus respiratório, o metapneumovírus -da família dos paramixovírus.
‘Com base em investigações preliminares, parece que a síndrome pode se dever ao metapneumovírus humano, a um novo coronavírus ou a ambos’, escreveram os pesquisadores canadenses, liderados por Susan Poutanen, em artigo na última edição do ‘The New England Journal of Medicine’ (www.nejm.org).

Brecha imunológica

Segundo a equipe, o paramixovírus pode ser o responsável pelos sintomas mais graves da pneumonia -que mata de 3% a 4% de suas vítimas-, mas é possível que ele seja só uma infecção oportunista, que aproveita a brecha imunológica do coronavírus.
Se o coronavírus for mesmo o responsável pela pneumonia, como tudo indica, os médicos têm um novo problema pela frente: como conter a pandemia.
‘Isso é um vírus de resfriado. Você já viu alguém conter resfriado?’, pergunta Zanotto.
Além de não se saber virtualmente nada sobre como a linhagem assassina surgiu, provavelmente na China, tampouco está claro se ela é transmissível pelo ar ou se partículas virais podem sobreviver por algumas horas em superfícies sólidas ou objetos.
Outra dúvida é a relação entre o número de pacientes que desenvolvem os sintomas e os que não adoecem ou têm sintomas brandos (subclínicos). Esse é um indicativo fundamental para saber o tamanho da epidemia: quanto mais casos subclínicos, menores as chances de uma pandemia como a gripe espanhola -que, apesar do nome, também surgiu na China- de 1918, que matou 20 milhões de pessoas.
Mas uma certeza os cientistas têm: ‘A velocidade de propagação dele não é lenta’, afirma Zanotto. Segundo ele, não é o caso de entrar em pânico. ‘Mas também não dá pra dizer que a doença está sob controle, como dizem as autoridades de Hong Kong.’