USP produz proteína para recuperar osso

Folha de São Paulo, 23 de junho de 2008

seg, 23/06/2008 - 15h00 | Do Portal do Governo

Em três anos, numa visão otimista -ou cinco, na pessimista-, o Brasil terá seu primeiro biofármaco 100% nacional para reposição óssea. O desenvolvimento científico do produto é de responsabilidade do Instituto de Química da USP (Universidade de São Paulo). Os cientistas já têm um acordo com uma empresa brasileira, que será a responsável por dar escala comercial ao invento.

“O fato de o produto ser feito exclusivamente no Brasil vai diminuir os custos da aplicação para o Sistema Único de Saúde”, explica Mari Cleide Sogayar, principal responsável pelo projeto. O grande salto evolutivo que o grupo conseguiu foi domar a superproteína BMP, que participa de vários processos de crescimento ósseo e de outros tecidos de mamíferos, desde o embrião até a fase adulta. “Ela é uma proteína bastante complexa”, diz Sogayar.

Muito conhecidas e usadas nos EUA, duas versões da BMP, a tipo 2 e a tipo 7 (são 15 tipos no total) são identificadas pelos cientistas com a produção de crescimento ósseo. Soma-se a isso o fato de, desde os anos 1960, os pesquisadores já conhecerem os genes responsáveis pela síntese da BMP.

Com esses ingredientes todos dentro do laboratório, o caminho era conseguir, a partir de uma linhagem de células retiradas do ovário de um hamster, fazer com que a proteína fosse sintetizada.

“O grande desafio é conseguir uma quantidade importante de proteína e que ela tenha a atividade desejada”, afirma Erik Halcsik, que também participa dos trabalhos na USP.

E o grupo, aparentemente, conseguiu. Os novos genes são colocados por meio de vetores (anéis de DNA nos quais os cientistas inserem os genes de interesse) dentro das células. Eles acabam sendo inseridos no genoma normal das estruturas celulares que, portanto, vão produzir a proteína desejada.

Após vários testes, que mostraram quais os ingredientes da receita de bolo precisavam ser melhor trabalhados, o grupo da USP decidiu que tudo estava pronto. Os primeiros testes, então, foram feitos. E as pesquisas conseguiram promover o crescimento ósseo em camundongos. Foram seis anos de trabalho desde o início do projeto.

Células-tronco

A parte da aplicação da nova proteína no paciente também escapa do dilema ético. Não existe material celular na injeção do novo produto. “Apenas é feita a aplicação da proteína, combinada com material inerte (osso moído)”, diz Sogayar.

Na seqüência, então, quem vai entrar no circuito são as próprias células-tronco adultas dos pacientes. Com a proteína servindo de substrato, as células do próprio organismo conseguirão sofrer uma replicação maior e, com isso, formar mais tecido ósseo.

Até ossos da boca, importantes para os transplantes dentários, por exemplo, poderão ser obtidos por esse método.

Fora da bancada

Apesar de acreditar que a proteína estará no mercado em três anos, Sogayar lembra que não é trivial transformar algo produzido no laboratório em produto ser vendido no mercado, em grande escala.

“São muitos protocolos que precisam ser validados. E isso será feito em seguida pela própria empresa, que ainda não quer que o seu nome seja revelado”, afirma a pesquisadora da USP. Todos os procedimentos, também, devem ser aprovados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Mas com a dose de aplicação da proteína já aprovada pelo FDA (agência de vigilância dos Estados Unidos), de acordo com Sogayar, já é possível obter bons resultados terapêuticos, de forma bem mais rápida do que os tratamentos mais convencionais utilizados hoje.

Por existir esse precedente, acreditam os cientistas, a aprovação do protocolo aqui no Brasil deverá ocorrer também.

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