USP faz 25% da ciência do país com 10% de pesquisadores

Folha de S. Paulo - Especial USP 70 anos - Sexta-feira, 23 de janeiro de 2004

sex, 23/01/2004 - 10h22 | Do Portal do Governo

De cada 250 artigos científicos publicados no mundo, 1 tem entre seus autores um pesquisador da USP

Ricardo Bonalume Neto, da Reportagem Local

Avaliar a produção científica e o ‘status’ de uma universidade não é tarefa fácil, nem rigorosamente exata. Mas, pelos critérios existentes, a USP tem grande destaque, tanto dentro do país quanto entre a comunidade científica mundial.

A USP faz cerca de 25% da ciência brasileira, apesar de seus cerca de 4.884 professores -dos quais 3.600 em regime de trabalho de tempo integral- não corresponderem nem a 10% dos 56 mil pesquisadores brasileiros na ativa.

Em um ‘ranking’ internacional utilizando vários critérios, a USP se coloca entre as 150 ou 200 melhores universidades do planeta. Existem mais de 5.000 universidades na Terra -ou mais de 30 mil centros de ensino, se forem contadas outras instituições de ensino superior, museus, bibliotecas e sociedades científicas.

Uma maneira de medir a produção científica é verificar quantos artigos que descrevem as descobertas foram publicados em revistas de circulação internacional ‘indexadas’ -isto é, compiladas por uma entidade especializada, conhecida pela sigla ISI (Instituto para Informação Científica), sediada nos Estados Unidos.

Medida do impacto

Indo um pouco mais além, o instituto avalia o impacto desses artigos, ou seja, quantas vezes eles foram citados depois em outros artigos científicos. Isso dá uma medida indireta da qualidade do artigo, já que mais citações equivalem, teoricamente, a um impacto maior entre outros cientistas.

O Brasil deu um salto na sua produção científica nos últimos 20 anos. Enquanto o número de artigos indexados em todo o mundo não chegou a dobrar (de 494.196, em 1984, para 865.393, no ano passado), no Brasil os números cresceram mais de seis vezes, apesar de representarem hoje apenas 1,5% do total mundial (eram menos de 0,5% em 1984).

A USP seguiu a média brasileira fielmente nessas duas décadas, produzindo sempre cerca de um quarto dos artigos.
‘Um em cada 250 artigos científicos no mundo tem um autor que é da USP’, diz o físico Luiz Nunes de Oliveira, pró-reitor de pesquisa da universidade.

Medindo-se apenas essa produção indexada pelo ISI, a USP estaria em 27º lugar entre todas as instituições de ensino superior do planeta. As 26 primeiras estão todas no Primeiro Mundo -EUA, Reino Unido, Japão e Canadá.
Esses números constam de um inédito ‘ranking’ das universidades mundiais feito por uma instituição chinesa, a Universidade Jiao Tong, de Xangai.

Os chineses usaram cinco critérios para classificar as universidades, cada um valendo 20% do índice: (1) ganhadores do Prêmio Nobel no corpo docente; (2) pesquisadores muito citados em 21 áreas escolhidas; (3) publicação de artigos na ‘Nature’ e na ‘Science’ (as duas principais revistas multidisciplinares de ciência do mundo); (4) artigos indexados pelo ISI; e (5) desempenho médio dos professores.

Das primeiras cem universidades no ‘ranking’, 57 são americanas e nenhuma é do Terceiro Mundo. As quatro primeiras são americanas: Universidade Harvard, Universidade Stanford, Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia) e Universidade da Califórnia em Berkeley; a quinta é a britânica Universidade de Cambridge. Entre as 20 primeiras, 15 são americanas, 4 são britânicas e 1 é japonesa.

Do total de 500 ‘ranqueadas’, 6 universidades são da América Latina -uma do México, uma do Chile e quatro do Brasil.
A USP está no grupo que vai da 152ª à 200ª melhor, pouco atrás da Universidade Nacional Autônoma do México. Depois vêm UFRJ (grupo da 301ª à 350ª), Unicamp (grupo da 351ª à 400ª) e Universidade do Chile e Unesp (ambas no grupo da 401ª à 450ª melhor).

A explosão da produção científica no país e na USP é reflexo do avanço na pós-graduação. Dos anos 80 em diante, as universidades públicas se estruturaram para atender à demanda da formação de novos doutores e mestres. A USP se tornou um centro de pós-graduação, atraindo pesquisadores de todo o país e ajudando a irradiar a pesquisa científica.

Dentro da própria USP, essa produção também é concentrada em algumas unidades. A natureza de cada unidade influi nisso. Algumas são escolas mais voltadas para a formação de profissionais. Em outras, como na área de humanidades, a publicação de artigos no exterior é menos comum, e a divulgação da pesquisa é feita principalmente por livros.

Isso ajuda a explicar porque 131 docentes em tempo integral da Escola de Comunicações e Artes publicaram só sete artigos em revistas internacionais em 2001, contra 284 artigos de 106 docentes no mesmo regime do Instituto de Química, ou 432 artigos de 151 professores do Instituto de Física.

Em 2003, 86,5% do orçamento de R$ 1,54 bilhão da universidade foi para gastos com pessoal. ‘O ideal seria que esses gastos estivessem abaixo de 85%’, diz o pró-reitor de pesquisa.

Como toda universidade, a USP depende de verba de agências de fomento para fazer pesquisa, pagando bolsas para pesquisadores e dotando os laboratórios de infra-estrutura. São instituições federais como a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), além da estadual Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

A falta de recursos nos órgãos federais deverá causar problemas no futuro. ‘Hoje a situação não é tão séria, mas vai se agravar’, diz Nunes. ‘O governo tem retido metade da verba da Finep’, afirma. E são justamente recursos de infra-estrutura, vitais para o aperfeiçoamento de laboratórios.

‘A USP está sendo discriminada’, diz ele. Em uma recente concorrência na Finep, pesquisadores da USP apresentaram 41 propostas. Nenhuma foi contemplada. Na falta de recursos, quando há empate técnico entre duas propostas, a política do governo é dar o recurso ao Estado mais pobre.

Interação com a indústria

Outro problema da pesquisa na USP é a dificuldade de encontrar parcerias com a indústria. ‘Há muita dificuldade em interagir com o setor empresarial’, diz Nunes. Unidades como a Escola Politécnica têm mais facilidade nessa área. Já os institutos de física e química têm maior dificuldade em encontrar parceiros -parte por falta de experiência, parte pela inexistência de áreas de pesquisa em muitas indústrias. O resultado é uma formação dos alunos muito acadêmica e pouco prática.

Em 1989, a revista científica britânica ‘Nature’ publicou um número com uma reportagem especial sobre ciência no Brasil. O texto sobre a USP tinha como título ‘a maior e a melhor’. Já não é mais a maior em termos de alunos, superada por alguma das universidades privadas, mas continua sendo a melhor.