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Isto É - Domingo, 11 de março de 2007

dom, 11/03/2007 - 15h46 | Do Portal do Governo

Da Isto É

Ao receber, dias atrás, os calouros aprovados no último vestibular, o reitor da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, José Tadeu Jorge, antes do tradicional “bom dia”, disparou: “Bem-vindos à melhor universidade brasileira.” Alguns podem achar exagero, mas o fato é que os resultados obtidos pelos estudantes e acadêmicos liderados por Tadeu Jorge, todos em plena comemoração do 40º ano letivo da instituição, merecem reconhecimento. O campus de quase dois milhões de metros quadrados, no distrito de Barão Geraldo, a 12 quilômetros do centro de Campinas, abriga 15% da pesquisa universitária brasileira e 10% da pós-graduação nacional. A média anual de teses e dissertações defendidas é de 2,1 mil e 96% de seus professores possuem título de doutor. Os 4% restantes são mestres, mas estão a caminho.

ESPECIALIZAÇÃO A pesquisa é um dos pontos fortes da universidade. Acima, um detalhe das aulas de música

Esse batalhão do ensino sofisticado lidera o ranking nacional per capita de publicações científicas nas revistas internacionais catalogadas. Um em cada cinco alunos de graduação da Unicamp tem algum tipo de bolsa financeira de pesquisa ou iniciação científica. Todos os anos, 800 doutores são formados, uma marca capaz de despertar inveja até mesmo em líderes de algumas universidades americanas e européias. “Se a produção acadêmica fosse medida por pessoa, ela seria a mais produtiva universidade brasileira”, analisa o economista Luiz Gonzaga Beluzzo, hoje aposentado. Nas salas da universidade, com um grupo liderado por seu colega João Manuel Cardoso de Mello, Beluzzo ajudou a formular, em 1986, uma parte fundamental do Plano Cruzado, o choque heterodoxo que congelou preços, fez a população protestar enfurecida nas ruas contra os aumentos e sacudiu a história econômica recente do País. A outra parcela do pacote foi elaborada na PUC-RJ. Além do ensino e da pesquisa, o tripé de

obrigações acadêmicas inclui a extensão, a atividade de devolver ao contribuinte, em serviços de qualidade, parte do investimento de seus impostos. Neste quesito, a Unicamp também merece elogios. São 800 parcerias com empresas, do pequeno produtor em busca de uma solução para evitar a rachadura de seus doces à gigante Petrobras, que aproveita a megatonagem intelectual dos cientistas para aprimorar sua técnica de retirada de petróleo das águas profundas do mar.

Nos arredores da universidade, empresas de professores, ex-professores e ex-alunos, idealizadas nas salas de aula da universidade, formam a versão brasileira do Vale do Silício, o pólo de inovação científica e tecnológica criado em torno de universidades americanas. Essa “Califórnia Campineira” é formada por cerca de 120 grupos, a maioria do setor de tecnologia da informação. Juntos, movimentam R$ 1,2 bilhão por ano. Em meados dos anos 90, o patrimônio de César Gon, mestre em Ciências da Computação pela universidade, se resumia a alguns PCs empoeirados e amontoados num quarto de fundos. Hoje, ele controla a CI&T, uma empresa de desenvolvimento de softwares distribuída em um prédio de 1,2 mil metros quadrados. Fatura R$ 40 milhões por ano, tem clientes do porte de Avon, BankBoston, Caixa Seguros, BM&F e HP. Emprega 315 funcionários, 65% deles ex-estudantes da Unicamp.

O setor de saúde também é administrado com atenção. O complexo de atendimento hospitalar da universidade abriga 760 leitos, o triplo do que seria necessário para as aulas práticas de seus estudantes de medicina. O que sobra é serviço público e gratuito. Ele inclui o Hospital Estadual do Sumaré, no interior de São Paulo, uma das três instituições públicas de saúde do País (há mais oito privadas) com nota máxima na avaliação de eficiência feita pelo governo. Para se ter uma idéia do feito, o poderoso InCor, da Universidade de São Paulo (USP), não está na lista. E também o Centro de Atendimento Integral da Saúde da Mulher (CAISM), parte do Instituto da Mulher, um projeto revolucionário de combate às doenças do universo feminino com equipes interdisciplinares. “Graças a esse trabalho, os índices de câncer de mama e de colo do útero na região metropolitana de Campinas, incluindo as áreas mais pobres, passaram a apresentar padrões europeus”, destaca o ginecologista e obstetra José Aristodemo Pinotti, reitor da universidade entre 1982 e 1986.

Nos próximos três anos, a Unicamp deverá fazer parte do seleto grupo de universidades, em todo o mundo, com mais de US$ 10 milhões anuais de arrecadação com royalties. Graças a uma política que inclui uma agência de incentivo, a Inova, a universidade paulista é hoje a instituição com o maior número de patentes reconhecidas (520) e licenciadas (58) do País, quantidades quase duas vezes superiores às da segunda colocada, a Petrobras. A multinacional Bunge licenciou o Biphor, um pigmento branco antialérgico para tintas à base de água. O direito de exploração de outra descoberta, o Aglycon Soy, um fitoterápico à base de soja para reposição hormonal feminina, foi concedido à empresa paranaense Steviafarma por R$ 1 milhão anual. O primeiro reitor da Unicamp, o médico Zeferino Vaz, “reinou” da fundação da universidade, em 5 de outubro de 1966, até abril de 1978. Obstinado, sabia que só teria uma graduação forte e atualizada se investisse em pesquisa e pós-graduação. Por isso, apesar da proximidade com o regime militar, contratou 200 pesquisadores estrangeiros e brasileiros que viviam no exterior, a maioria no exílio. Além disso, trouxe outros 180 de centros brasileiros. Hoje, metade dos 17 mil alunos da universidade criada por Vaz freqüenta cursos de pós-graduação, mestrado ou doutorado. A lição não foi esquecida.