Unicamp testa técnica inédita de transplante

Correio Popular - Quinta-feira, dia 13 de julho de 2006

qui, 13/07/2006 - 11h27 | Do Portal do Governo

Enxerto de medula de doador parcialmente compatível amplia possibilidade de cura

Delma Medeiros

DA AGÊNCIA ANHANGÜERA

delma@rac.com.br

Uma nova fase no transplante de medula óssea está para ser iniciada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Trata-se do transplante haploidêntico (ou manipulado), que permite o enxerto de medula óssea de doador que não seja totalmente compatível. Hoje só é feito o convencional, quando há 100% de compatibilidade. O projeto, inédito no Brasil, vem sendo desenvolvido há um ano e meio pela Unidade de Transplante de Medula Óssea da Unicamp e tem previsão de início, em caráter experimental, ainda este ano. Segundo o hematologista Cármino Antonio de Souza, no Brasil, além da Unicamp, apenas o Hospital de Clínicas de Ribeirão Preto desenvolve projeto similar, com início previsto para a mesma época.

A idéia é realizar os transplantes haploidênticos em pacientes com leucemia mielóide aguda que não contam com doador 100% compatível. Os haploidênticos são pessoas com 50% de compatibilidade. Num primeiro momento, serão realizados 20 transplantes em pacientes adultos (até 60 anos), que serão selecionados entre os que estão em atendimento no Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. O HC recebe entre 30 a 40 novos pacientes deste tipo de leucemia por ano que precisam de transplante ou quimioterapia.

Souza diz que a compatibilidade — grupo de gens denominado HLA (antígeno de histo-compatibilidade) — é repassada em dois blocos genéticos — um do pai e um da mãe — para os filhos. No transplante convencional, o paciente recebe doação de pessoas com dois blocos idênticos ao seu, em geral, parentes. Mas a probabilidade de um irmão ser totalmente compatível com outro é de 25%. Já as chances de 50% de compatibilidade entre irmãos é de 75%. Além disso, os pais são necessariamente haploidênticos aos filhos, o que amplia muito a possibilidade de se encontrar um doador.

O hematologista explica que hoje, de cada cinco pacientes de leucemia mielóide aguda que precisam de transplante, apenas um consegue doador compatível. Os demais ficam na fila da Central de Transplantes, numa espera que gira hoje no Brasil em torno de seis meses, um tempo que pode ser fatal para quem tem leucemia na forma aguda. Cerca de 50% dos doentes morrem antes de conseguir o transplante. “O tempo joga contra o paciente. Ele não pode esperar, tem que receber tratamento imediato”, ressalta Souza.

A outra alternativa terapêutica é a quimioterapia, tratamento que nem sempre dá certo. Segundo Souza, apenas 30% dos pacientes com a doença têm chances de cura sem o transplante. Com o enxerto, as chances variam de 70% a 80%. Na Unicamp, considerando os 12 anos do serviço, a média de cura é de 66%. “Mais que o dobro comparado com a quimioterapia”, diz Souza.

Riscos

Souza destaca que, apesar de promissor, o transplante haploidêntico não é a solução para a leucemia, apenas mais uma alternativa de terapêutica que tem sido empregada com sucesso em centros de pesquisa na Itália, Alemanha e Estados Unidos. A nova técnica, no entanto, acarreta alguns riscos.

Nos transplantes de medula óssea, o paciente recebe dois tecidos — hematopoiético (célula-tronco que produz sangue) e imunológico (para reforçar a imunidade). No haploidêntico, a alternativa para evitar que o tecido imunológico agrida o organismo do paciente pela compatibilidade parcial, é aumentar a quantidade de células-tronco e reduzir as imunológicas.

Segundo Souza, o transplante tem uma boa resposta, mas o paciente fica temporariamente — até dois anos — sem imunidade ou com o sistema imunológico muito reduzido. “O perigo neste caso não está no enxerto, mas nos riscos decorrentes da falta do sistema imunológico.” Para superar este problema, o paciente permanece em acompanhamento, com suplementação de medicamentos para suprir a baixa imunidade. “O desafio é manter o paciente sem ou com o mínimo de infecções até a restauração do sistema imunológico”, explica Souza.

SAIBA MAIS – Sobre a leucemia mielóide aguda

A leucemia mielóide aguda se caracteriza pela produção de glóbulos brancos imaturos que ocupam totalmente a medula óssea e podem se infiltrar em outros tecidos e provocar falência da produção do sangue. Os doentes não produzem glóbulos brancos normais nem glóbulos vermelhos e têm o número de plaquetas (que atuam na coagulação) reduzido. Os sintomas são poucos, mas intensos: anemia, febre e sangramentos. A doença se manifesta em qualquer idade, embora seja rara em crianças, e não tem fundo genético. No Brasil, a estimativa é de três a quatro novos casos por ano por grupo de 100 mil habitantes. Em Campinas, isso representa de 30 a 40 novos casos anuais, número que salta para 100 a 120 novos casos por ano na região.