Unicamp cria polímero anti-hipertensão

Folha de S. Paulo - Segunda-feira, 15 de dezembro de 2003

seg, 15/12/2003 - 10h11 | Do Portal do Governo

Produto usa óxido nítrico para melhorar circulação do sangue e já rendeu seis patentes para universidade paulista

Reinaldo José Lopes, free-lance para a Folha

Cientistas brasileiros estão misturando um tipo de molécula produzido naturalmente pelo organismo humano com polímeros para criar novas armas contra a hipertensão e doenças como a leishmaniose. O trabalho rendeu seis pedidos de patente -coisa rara na pesquisa nacional.

As moléculas desenvolvidas pelo químico Marcelo Ganzarolli de Oliveira e seus colegas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) são chamadas de doadoras endógenas de NO. O nome é difícil, a função, simples: elas carregam em sua cadeia de átomos o óxido nítrico (NO), substância fundamental para uma série de processos fisiológicos. Ele ajuda na circulação sanguínea, no ataque a micróbios e na transmissão de mensagens no sistema nervoso, por exemplo.

Oliveira conta que começou a lidar com as funções do NO durante o seu pós-doutorado, quando estudava o nitroprussiato de sódio -um composto doador de NO já utilizado para o tratamento de hipertensão. Mas o pesquisador descobriu que a substância também oferecia risco de contaminação por cianeto, um veneno que poderia ser subproduto de seu uso no organismo.

Foi em busca de uma alternativa que ele se deparou com os famigerados doadores endógenos de NO. ‘Havia um certo tabu na área em relação a eles, porque as pessoas achavam que eles eram instáveis demais, ou seja, liberavam o NO muito rápido’, explica o químico. Ele descobriu, no entanto, que essa instabilidade dependia da concentração -em soluções diluídas, a molécula sossegava.

O pesquisador conseguiu refinar ainda mais o sistema, no entanto, misturando a substância com uma série de polímeros (substâncias orgânicas de cadeia longa, formadas por várias unidades repetidas) não-tóxicos.

A estabilidade dos doadores de NO aumentava ainda mais, e se tornava possível uma liberação controlada de óxido nítrico ao longo do tempo. ‘A matriz polimérica aprisiona o NO e faz com que ele se difunda lentamente para fora’, explica Oliveira. Uma das patentes pedidas se refere à maneira de sintetizar o doador de óxido nítrico diretamente na matriz polimérica, enquanto outras englobam as várias versões que ela pode ter: líquida, sólida ou em forma de gel.

Faltava testar o potencial terapêutico dos novos produtos. Primeiro em ratos (com a ajuda de pesquisadores do Instituto de Biologia da Unicamp) e depois em pessoas saudáveis, Oliveira conseguiu mostrar que a aplicação dos polímeros sobre a pele era capaz de dilatar os vasos sanguíneos e aumentar o fluxo sanguíneo na área.

Injetado, o polímero ajudaria a enfrentar a hipertensão; sobre a pele, o aumento do fluxo sanguíneo ajudaria a combater ferimentos levando mais nutrientes à área afetada. Além disso, as feridas na pele que caracterizam a leishmaniose poderiam ser amenizadas, diz Oliveira, já que o micróbio que a causa seria destruído pela liberação do NO.

Outra aplicação vislumbrada é recobrir com o polímero os ‘stents’ que mantêm abertas artérias antes obstruídas. É que o NO impede a multiplicação das células da parede do vaso, evitando a volta da obstrução.

O trabalho foi divulgado neste mês pela revista ‘Pesquisa Fapesp’ (revistapesquisa.fapesp.br), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, que financia o estudo.