Unicamp conclui projeto de carro limpo

Correio Popular - Segunda-feira, dia 28 de agosto de 2006

seg, 28/08/2006 - 19h34 | Do Portal do Governo

Veículo movido a hidrogênio retirado do álcool foi desenvolvido nos últimos 14 anos e garante índice zero de poluição

Gilson Rei

DA AGÊNCIA ANHANGÜERA

gilson@rac.com.br

Um carro silencioso, eficiente e que não polui o ar, com a vantagem adicional de utilizar o álcool como combustível e ser viável para a indústria automotiva. A tecnologia que permite essa façanha já está disponível no Laboratório de Hidrogênio da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e foi desenvolvida nos últimos 14 anos pela equipe do físico Ennio Peres da Silva, em parceria com o Centro Nacional de Referência em Energia do Hidrogênio (Ceneh), do Ministério das Minas e Energia.

O desenvolvimento tecnológico, denominado Projeto Vega, mesmo com recursos modestos de R$ 400 mil, é semelhante a outros projetos milionários de carros futuristas feitos em outras partes do mundo com fontes alternativas de combustível. A vantagem da tecnologia desenvolvida pela Unicamp é que, além de ser genuinamente brasileira, garante índice zero de poluição e ainda usa matéria-prima nacional e renovável, o álcool (etanol) extraído da cana-de-açúcar.

O professor Silva, que coordena o Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe) da Unicamp, explica que o álcool é transformado em gás hidrogênio, que é utilizado como intermediário para produzir energia e mover um motor elétrico, com a mesma capacidade de um motor mecânico. Tudo isso, sem emitir dióxido de carbono (CO2), apontado como causador do efeito estufa e das mudanças na temperatura e no clima do planeta.

O Projeto Vega é totalmente limpo. “A emissão é apenas de água, diferentemente dos outros processos utilizados nos veículos movidos à gasolina, diesel, gás natural veicular (GNV) e até nos carros atuais movidos a álcool”, diz o pesquisador. “Em todos esses casos, a energia para mover o motor é obtida pelo processo de combustão em altas temperaturas, próximas a mil graus centígrados, e isso gera a emissão de CO2 na atmosfera”, explica. “Com o uso do hidrogênio que existe no álcool, o veículo é movido apenas pela eletricidade. Não há combustão, nem queima alguma”, completa.

Mercado

A tecnologia poderá ser facilmente colocada em prática. Silva revela que há possibilidade de aplicação em até dois anos, se for incluída entre as prioridades do Programa Nacional de Células a Combustível (Procac), já existente no Ministério da Ciência e Tecnologia. “O Ministério também poderá auxiliar nesse processo, pois já conta com um roteiro de utilização do hidrogênio na economia nacional”, diz. “Com incentivos, o projeto será facilmente absorvido na sociedade”, acredita. Projetos para melhoria na qualidade de vida e do meio ambiente poderão juntar-se também ao Vega para cumprir, inclusive, o Protocolo de Kyoto, de redução de poluentes no planeta.

O físico lembra também que o Projeto Vega poderá ser uma realidade próxima porque a Petrobras tem medidas avançadas nessa área e já prepara a instalação de pontos de distribuição de hidrogênio. “Os postos de combustíveis poderão incluir equipamentos para transformar o álcool em hidrogênio e veículos produzidos em montadoras, com motor elétrico e cilindros de hidrogênio, abastecerão sem causar dificuldades ou grandes investimentos na rede de indústrias automotivas”, afirma.

Com isso, o motorista poderá chegar num posto de combustível com seu carro, que já virá de fábrica com um cilindro no porta-malas para armazenar gás hidrogênio. O posto vai estar preparado com um ponto de abastecimento de hidrogênio, onde vão estar instalados os equipamentos desenvolvidos na Unicamp, que transformam álcool em gás hidrogênio. O reservatório subterrâneo de álcool vai estar ligado a esses equipamentos e o abastecimento do gás no veículo vai ocorrer automaticamente. Ao acionar a ignição do veículo, o gás alimenta uma caixa pequena próxima ao motor do carro, denominada célula a combustível. Por meio de uma reação eletroquímica, essa caixa vai gerar eletricidade e fazer o veículo movimentar-se com o motor elétrico.

Custo

Pelos cálculos do pesquisador, o veículo vindo de fábrica já com as adaptações necessárias deverá ter um custo inicial para o consumidor estimado em US$ 20 mil (R$ 43 mil pela cotação do dólar da última sexta-feira), que é o valor de um veículo médio nacional. “O preço do carro deverá cair alguns anos depois, caso haja produção em alta escala, que sempre acaba reduzindo o valor final”, avalia. “O valor poderá ser menor também se houver algum incentivo ou subsídio do governo”, pondera.

Avanços na tecnologia desenvolvida pelos pesquisadores do Projeto Vega já estão previstos. “A meta é reduzir ao máximo o tamanho do equipamento de conversão do álcool em hidrogênio. Com isso, o carro vai reunir a bordo todo o sistema. A medida possibilitará o abastecimento de álcool no veículo, que vai transformar o líquido em gás hidrogênio, ao ser acionado o motor de partida”, explica o físico.

O veículo com essa tecnologia tem uma autonomia de 500 quilômetros com um cilindro, o equivalente a um tanque de álcool. O físico calcula que o preço do tanque de hidrogênio será o mesmo de um de álcool.

Combustível está em teste em ônibus e na geração de energia

O uso da tecnologia está sendo estudado também nos ônibus coletivos urbanos. O pesquisador Ennio Peres da Silva afirma que isso vai permitir a redução da emissão de poluentes na atmosfera e que alguns governos estaduais e o federal já estão interessados em aplicar nos próximos anos. O equipamento está sendo avaliado também para aplicação de outros nichos. “Uma das possibilidades é o atendimento de comunidades isoladas, que hoje não são servidas pela eletricidade, como ocorre na Amazônia e outros estados”, diz o físico. Equipamentos de conversão de álcool em hidrogênio poderão garantir energia elétrica para essas populações. “Isso atende, por exemplo, ao projeto de universalização do fornecimento de energia elétrica proposto pelo governo federal”, diz o pesquisador. (GR/AAN)

ENTENDA – Conheça as características e o funcionamento do carro da Unicamp

O QUE É E COMO FUNCIONA

Um sistema integrado composto por um gerador de hidrogênio que utiliza o processo de reforma do álcool (etanol). Conta com uma unidade de purificação do gás, uma célula a combustível e um inversor que transforma a corrente elétrica contínua em alternada, que move um motor elétrico. Desses componentes, apenas a célula a combustível foi importada. O restante foi desenvolvido na Unicamp.

A célula a combustível é um dispositivo eletroquímico que transforma energia química do combustível (no caso o hidrogênio) em eletricidade. Sua principal função é combinar o hidrogênio com o oxigênio, que pode ser retirado da atmosfera, para a produção de energia elétrica.

A célula usada no protótipo da Unicamp tem o tamanho aproximado de um motor de veículo de passeio. Importado dos Estados Unidos, tem capacidade para fazer funcionar, em conjunto com as baterias, um carro de 25 kW. Essa potência equivale a um motor de 500 cilindradas, mas pode ser ampliada. Foi confirmado que um carro de passeio funciona normalmente com essa tecnologia com 10 kW (equivalente a energia de dois chuveiros). Um ônibus deverá trabalhar com 50 kW (equivalente a dez chuveiros).

ABASTECIMENTO

Há duas possibilidades de funcionamento do veículo movido a hidrogênio:

1 – O motorista chega no posto de combustível com o carro que já virá de fábrica com um cilindro no porta-malas para armazenar gás hidrogênio. O posto estará preparado com um ponto de abastecimento de hidrogênio, onde vão estar instalados equipamentos que transformam álcool em gás hidrogênio. O reservatório subterrâneo de álcool do posto estará ligado a esses equipamentos e o abastecimento do gás no veículo ocorre automaticamente. Ao acionar a ignição do veículo, o gás alimenta uma célula a combustível (caixa pequena) existente no carro que, por meio de uma reação eletroquímica, gera eletricidade e faz o veículo, dotado de motor elétrico, movimentar-se.

2 – O motorista chega no posto de combustível e abastece o carro com álcool, que vai ficar armazenado em um tanque comum. Ao acionar a ignição do veículo, o álcool não será injetado diretamente no motor a combustão, como ocorre convencionalmente. O álcool vai para um reator (cilindro pequeno), onde será transformado em gás hidrogênio. Em seguida, o gás alimenta uma célula a combustível (caixa pequena) existente no carro que, por meio de uma reação eletroquímica, gera eletricidade e faz o veículo, dotado de motor elétrico, movimentar-se.