Uma Sala São Paulo para Heliópolis

Jornal da Tarde - Terça-feira, 23 de agosto de 2005

ter, 23/08/2005 - 10h58 | Do Portal do Governo

Nas próximas semanas, começa a ser construída a mais nova sala de concertos da cidade, idealizado pelos mesmos arquitetos responsáveis pela Sala São Paulo. No complexo, biblioteca, refeitório, jardins e mais de 70 salas de aulas para os 500 alunos carentes que já fazem parte do Instituto Baccarelli

João Luiz Sampaio

No que já foi uma fábrica de sucos na Estrada das Lágrimas, que corta a favela de Heliópolis, hoje as portas das câmaras frigoríficas se abrem para revelar um pequeno grupo de jovens músicos. Ali, eles têm as primeiras aulas de instrumentos como violino, violoncelo, trombone, flautas e assim por diante. São alunos do Instituto Baccarelli que, há três décadas, leva a música a jovens de uma comunidade que carrega o título pouco lisonjeiro de maior favela de São Paulo, a segunda maior da América Latina. E é ali que nas próximas semanas começa a ser erguida a mais nova sala de concertos da cidade. Idealizado pelos mesmos arquitetos responsáveis pela Sala São Paulo, o teatro fará parte de um complexo maior, com biblioteca, refeitório, jardins e mais de 70 salas de aulas para os 500 alunos que hoje participam do projeto. E encontram na música uma alternativa à realidade em que se inserem.

Os números são conhecidos. Um milhão de metros quadrados, 120 mil habitantes, 55 mil deles crianças entre 7 e 14 anos, 40% das casas sem esgoto, 60% das ruas sem asfalto. A lista poderia seguir. E revelaria quantidades insuficientes de escolas, hospitais. ‘Falta tudo’, diz Edmilson Venturelli, que ao lado do irmão Edilson é responsável pelas atividades atuais do instituto. Mas o lado mais perverso da desigualdade se revela em outros âmbitos. ‘Perguntei a um menino de 8 anos, que acabara de entrar no projeto, o que queria ser quando crescer. Ele me disse que gostaria de ser médico. Mas que não seria. E por que não? Porque ninguém aqui é médico. Estas crianças não têm direito a sonhar. Então chegam aqui e, após um tempo tendo aulas e tocando na nossa orquestra, se sentem parte de alguma coisa. O sonho, por meio da música, torna-se realidade.’

Para os irmãos Edilson e Edmilson, o sonho começou a se tornar real há mais de 20 anos, quando passaram a estudar no projeto. Vale aqui um pequeno histórico sobre a iniciativa do maestro Silvio Baccarelli, conhecido por sua orquestra e coral em casamentos. Paralelamente ao trabalho de sua empresa, ele iniciou o projeto em Heliópolis. Muita gente se formou ali e gravitou em torno da figura de Baccarelli. Entre eles o maestro Roberto Tibiriçá, hoje na elite da regência brasileira – naquela época jovem organista em uma infinidade de casamentos e cerimônias afins. O projeto cresceu, longe de holofotes, os músicos foram à Rússia, gravaram CDs. Uma orquestra infantil e outra semiprofissional: tudo funcionava na sede da empresa do maestro, na Vila Mariana. Até que, no ano passado, Edmilson e Edilson resolveram sair em busca de uma sede própria, dentro da comunidade. Encontraram a fábrica de sucos e nela se instalaram. Com apoio da Votorantim, acharam um terreno. Faltava apenas começar a construir, com ajuda de outros grupos, como a Fundação Volkswagen e a Petrobrás. Com o dinheiro na mão, mudaram de idéia e optaram pelo caminho mais difícil. ‘Comprar um terreno e construir uma sede daria ao instituto um patrimônio’, explica Edilson. Após dois anos, conseguiram a cessão de um antigo espaço da Cohab.

Mas tudo se acelerou mesmo há duas semanas, quando o maestro Zubin Mehta passou por São Paulo e aceitou visitar a sede e o terreno onde o teatro será construído. Três horas depois, tornou-se padrinho do projeto.