Uma nova ação da polícia: levar crianças ao Zôo

O Estado de S. Paulo - 8/9/2003

seg, 08/09/2003 - 10h05 | Do Portal do Governo

Trabalho faz parte da estratégia de aproximação do policiamento comunitário

Por Marcelo Godoy


O Estado de S. Paulo – Segunda-feira, 8 de setembro de 2003

As crianças o chamam de tio. Ivanildo Bernardo da Silva tem um modo peculiar de combater o crime. Acorda às 5h30, vai a pé ao trabalho e passa dias em salas de aula com crianças de 9 a 12 anos. Na quarta-feira, o professor e seus colegas levaram 87 meninos e meninas da favela do Jardim Iporanga ao Jardim Zoológico. Mas Ivanildo é um “tio” diferente: ele é um soldado da Polícia Militar. Diferente também por não andar armado e porque seu trabalho é aproximar da corporação a comunidade pobre da região do Grajaú, na zona sul de São Paulo.

Quando Ivanildo, que trabalha no 27.º Batalhão da PM, chegou ao campo de futebol da Rua Gregório Torres, no Iporanga, os policiais da Força Tática o aguardavam. Eram 8 horas. Ele e outros 12 policiais tinham uma missão a cumprir: acompanhar as crianças da comunidade em um passeio ao zôo, parte da Ação da Cidadania – série de intervenções que a PM está organizando, com a ajuda de órgãos municipais e estaduais, em bairros pobres e violentos da periferia.

No campo, 87 crianças já esperavam. Perto dali, seis microônibus emprestados por uma cooperativa para levar a turma começaram a estacionar. Era preciso dividir as crianças em grupo e verificar se os nomes delas constavam da lista de pais que autorizaram a ida dos filhos ao passeio.

“Calma, pessoal”, pede Ivanildo ao mesmo tempo que cumprimentava os meninos à moda deles – batem as mãos e, depois, com os punhos fechados, batem de novo. Passada meia hora, os tios conseguiram pôr em ordem o grupo. Em fila, as crianças marcharam até os ônibus contando ”um-dois-três-quatro, quatro-três-dois-um”.

Tráfico – O capitão Sérgio Athayde, da 1.ª Companhia do 27.º Batalhão, supervisionava tudo. Estava orgulhoso. Além do trabalho de cidadania, seus homens haviam detido de madrugada sete integrantes de um bando de traficantes de droga.

A presença do tráfico é grande no lugar. No campo de futebol se via ainda distintivos de clubes do bairro que, uma semana antes, foram apagados com tinta preta pela PM porque tinham folhas de maconha e outras alusões às drogas. Na saída do campo Ivanildo apanhou pela mão Janaína, de 9 anos, e se dirigiu a um dos ônibus.

Casado e pai de dois filhos, o PM é chamado pelo nome por alguns crianças. Para outras, ele é o tio ou o professor. Um menino, que quis provocá-lo, chamou-o de gambé (nome pejorativo para policial). Em vez de bronca, o menino ganhou um abraço e conversa. Resultado: a criança se desculpou. “É preciso jeito e compreensão.”

A viagem durou 30 minutos. “Quem quer ser PM quando crescer?”, pergunta Ivanildo. Cinco levantam as mãos enquanto um menino no fundo responde: “Eu não, PM ganha pouco”. Mais uma explicação de Ivanildo. Batedores da PM em motos conduziram o comboio. No zôo, as crianças esperaram um pouco para entrar.

Algumas desgarraram do grupo, em contraste com os meninos de escolas que enchiam o espaço. Ao ver uma dessas crianças uniformizadas comendo uma bolacha, um dos garotos do Iporanga não teve dúvida de pedir o biscoito: “Descola essa bolacha aí, mano”. A turma ia ainda dar mais trabalho aos tios.

Willian, de 12 anos, brigou com um colega. Para acalmá-lo, uma policial o apanhou pela mão e assim passeou no trajeto entre a jaula do urso e a das girafas. As crianças corriam, brincavam, sorriam e policiais como o soldado Luiz Carlos de Paula iam atrás para evitar que alguém se perdesse. No ônibus, o soldado Ivanildo havia dito, brincando: “Não vão se perder se não o tio vai para a cadeia.”

O passeio estava na metade e até ali nada de macaco ou leão. “Tio, cadê o macaco”, perguntou Janaína. Foram então ver os chimpanzés e orangotangos. Aí foi a festa. “A gente gosta desses PMs, eles sabem conversar”, disse Rodrigo, de 12 anos.

No fim, ninguém se perdeu. Sidnei, de 12, aproximou-se de Ivanildo e disse: “Quero vir de novo”. Dia terminado? Não. Depois das crianças, o soldado foi cuidar das pessoas que tiravam documentos no posto do Poupatempo que a PM levou ao Iporanga. O tio só voltou à noite para casa.

Periferia ganha circo e posto do Poupatempo

Conquistar os corações e mentes das comunidades pobres de regiões violentas da cidade, ensinando-as a se organizar para resolver seus problemas, inclusive o da criminalidade. Essa é a política adotada pelo Comando de Policiamento da Capital (CPC) da Polícia Militar para aprofundar o trabalho feito pelo policiamento comunitário.

Isso não quer dizer que a PM tenha abandonado, para áreas de alto risco, como a Favela Alba, a tática de ocupar, prender os bandidos e depois fazer a ação social. O novo plano não deixa de lado a repressão ao crime, mas tenta ensinar às comunidades a se organizar.

‘Mostramos como eles podem se organizar para ter uma vida melhor’, afirmou o coronel José Roberto Marques, comandante do policiamento da Área-10, o extremo sul de São Paulo. Ao seu lado na Escola Estadual Mademoiselle Perrillier, no Jardim Iporanga, uma das sedes da ação da PM, estava o tenente-coronel Rogério Paixão, que trouxe para a comunidade desde o circo do palhaço Pirulito e um posto do Poupatempo até palestras sobre planejamento familiar e corte de cabelo gratuito. A Prefeitura entrou na ação com a limpeza urbana.

A atividade no bairro começou há 60 dias. O policiamento foi intensificado.

Primeiro eram só carros, depois, vieram os homens a pé. Por fim, a semana da cidadania. Panfletos e cartazes foram espalhados pelo bairro para chamar a população a participar – só num dia 200 pessoas tiraram identidade de graça na escola.

A ação no Iporanga terminou no sábado com uma festa no campo de futebol do bairro organizada pela líder comunitária Roseli Barreto da Silva. ‘Queremos melhorar o bairro’, disse. Hoje, a PM deve começar o mesmo trabalho no Jardim Filhos da Terra, na zona norte, igual ao que já foi feito no Jardim Pantanal, na zona leste. E assim, os batalhões da corporação, tentam retirar as comunidades das mãos de traficantes como Geléia, o homem que controla o tráfico no Iporanga.