Uma história marcada por escândalos e aplausos

O Estado de S.Paulo - Sexta-feira, 30 de maio de 2008

sex, 30/05/2008 - 14h43 | Do Portal do Governo

O Estado de S.Paulo

O ornitorrinco é um estranho animal, mamífero híbrido, com bico de pato, pêlos de macaco e que bota ovos. Ameaçado de extinção desde a Pré-História, continua desafiando a ciência e resistindo bravamente. Um ser cuja trajetória espelha tão bem o caminho seguido pelo grupo Ornitorrinco desde sua formação, em 1977.

“A irreverência foi nossa principal característica no início; hoje talvez seja a alegria”, acredita Cacá Rosset que, ex-aluno da Escola de Comunicações e Artes da USP, juntou-se a uma professora, Maria Alice Vergueiro, e a um colega de classe, Luiz Roberto Galizia, para fundar oficialmente o grupo a 25 de maio de 1977, quando estreou, no porão do Teatro Oficinal, o espetáculo Os Mais Fortes, união de três peças de Strindberg em apenas um ato.

A proposta, como vai mostrar o livro comemorativo dos 30 anos do grupo que vem sendo organizado por Christiane Tricerri, e que será lançado pela Imprensa Oficial até o fim de junho, era formar uma trupe contracultural, que apostava em um projeto estético que rumava contra a corrente da produção teatral da época – ou seja, afastava-se do teatro político e da comédia de costumes, que inundavam os palcos paulistanos naquele período final da ditadura militar.

No mesmo ano, o grupo encenou Ornitorrinco Canta Brecht e Weill, projeto desenvolvido por Rosset que culminou no primeiro grande salto da companhia: a montagem, em 1982, de Mahagonny Songspiel, também inspirado em Brecht e Weill. Com a peça, o Ornitorrinco deixou de ser um grupo que interessava apenas a universitários para iniciar sua conquista de público. Com Mahagonny, a trupe descobria sua vocação anárquica, despertando a atenção da crítica especializada – Sábato Magaldi, por exemplo, escreveu que o “feitio explosivo” do texto se ajustava perfeitamente à revolta do jovem Brecht.

A montagem provocou escândalos até nos Estados Unidos, onde a Fundação Kurt Weill, incomodada com a impiedosa parábola política proposta pelos brasileiros, proibiu a continuidade das apresentações.

Vieram então dois espetáculos (O Belo Indiferente e A Pororoca), que apenas preparam o grande ano do Ornitorrinco – em 1985, o grupo estreou seu maior sucesso (Ubu, Folias Physicas, Pataphysicas e Musicaes, de Alfred Jarry) que, ao longo dos anos, somou um público aproximado de 350 mil espectadores. Também viveu a terrível experiência de passar por um terremoto que chacoalhou o México, quando o elenco se preparava para voltar ao Brasil depois de uma turnê.

Dois anos depois, o Ornitorrinco estreou Teledeum, do catalão Albert Boadella, cujo texto catalisava a discussão sobre a independência do Estado laico da Igreja. O suficiente para o grupo sofrer ameaças de censura no Brasil e de ser intimidado com uma bomba que estourou no Teatro Nacional de Bogotá, na Colômbia, antes de uma apresentação.

O valoroso ato de incomodar, portanto, tornou-se conhecido além das fronteiras nacionais e chegou aos Estados Unidos onde, em 1990, com o apoio do importante produtor Joseph Papp, o grupo montou uma irreverente versão de Sonho de Uma Noite de Verão, em Nova York. Novamente, aplausos da crítica e um escândalo provocado pelas fadas nuas.

“Nessa época, o Ornitorrinco tornou-se referência para qualquer ator iniciante”, comenta Rubens Caribé, há três anos na trupe. “No Ornitorrinco, aprendi que ‘a festa é no palco’.” A forma de trabalho fascinou outros atores que estão agora em A Megera Domada, como Maureen Miranda, que vive Bianca: “A experiência com o Ornitorrinco é única, pois é a primeira vez na minha carreira que diversão, espontaneidade e amor estão em total sintonia.”

Estabilizado, o grupo agora faz produções caprichadas, ao contrário do início da sua história, quando era obrigado a improvisar. Uma prova está no custo da produção da Megera: R$ 1,5 milhão.