Uma forja de talentos musicais

Gazeta Mercantil - Sexta-feira, 4 de junho de 2004

sex, 04/06/2004 - 9h00 | Do Portal do Governo

Fábio Caramuru

O mais tradicional festival de música do Brasil – o Festival de Inverno de Campos do Jordão – chega à sua 35 edição reformulado e com novo título: ‘Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão’.

As principais mudanças contidas no atual conceito desse verdadeiro empreendimento pedagógico-musical do Governo do Estado de São Paulo refletem o anseio de seus mentores em resgatar uma identidade bastante similar àquela que o evento já teve em seus primórdios: reforçar o caráter erudito do festival e torná-lo um importante ponto de encontro e intercâmbio entre músicos profissionais, bolsistas e público.

O anseio por uma revitalização do festival remonta ao ano passado, ocasião em que a secretária da Cultura do Estado de São Paulo, Cláudia Costin, fez um primeiro convite ao regente Roberto Minczuk para dirigi-lo. Contudo, somente este ano, ele conseguiu abrir espaço em sua agenda para exercer sua direção artística.

Uma das razões que levaram Costin a pensar em Minczuk foi justamente o fato de que ele próprio personifica um exemplo bastante positivo para as novas gerações de bolsistas, que se inscrevem no projeto. O regente tem uma história de vida intimamente ligada ao festival. Nele, foi bolsista pela primeira vez aos 11 anos de idade, recebeu grandes incentivos, trocou muitas experiências com colegas e professores e acabou posteriormente atingindo um patamar de reconhecimento internacional tão alto, a ponto de ter conquistado nada menos que o posto de regente associado da Orquestra Filarmônica de Nova York, além de ser o atual diretor artístico adjunto e regente associado da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo – a campeã OSESP. Uma curiosa pesquisa realizada entre os membros da orquestra revela que mais de 70% de seus seletos músicos registram em seu currículo participações como bolsistas em festivais de Campos do Jordão do passado.

Outro fator decisivo que levou a secretária a insistir no nome de Minczuk para a direção do festival tem a ver com o alto prestígio internacional alcançado pelo regente, o que certamente facilita os contatos com os artistas e acaba contribuindo para diminuir, consideravelmente, os custos de produção de um evento dessa envergadura. Muitos músicos aceitaram vir a Campos do Jordão por cachês bastante acessíveis devido à credibilidade de seu diretor artístico e por considerarem que vale a pena a participação pela qualidade do projeto e pela riqueza do intercâmbio. O regente John Neschling, por exemplo, vai ministrar seu curso de regência graciosamente.

Na opinião de Minczuk, o festival não deve ser uma simples temporada de concertos na qual os artistas vêm, realizam seus concertos e voltam para casa. A idéia é justamente que eles se engajem como residentes do festival. É fundamental que sua presença seja não apenas artística, mas que haja também um envolvimento pedagógico de seus participantes.

O compositor residente Marlos Nobre, por exemplo, terá várias de suas obras apresentadas, além de escrever uma peça inédita durante sua estada na cidade. Grupos residentes como o Quinteto de Metais da Filarmônica de Nova York, o Duo Con-Texto (Suíça) e o Quarteto Amazônia, músicos como Antonio Menezes e Gunter Klaus (Alemanha), além de se apresentarem em concertos, também ministrarão aulas individuais e master classes abertas ao público. E assim fará a grande maioria dos músicos profissionais convidados, relacionando-se com a audiência e com os músicos bolsistas numa atitude de aproximação.

Do ponto de vista administrativo, o festival ganhou também em agilidade. As inscrições para o processo seletivo de bolsas de estudo estão sendo realizadas exclusivamente pela Internet. Como resultado desta inovação, das habituais 300 inscrições em anos anteriores, houve um salto impressionante: 1.171 inscritos até o momento. A divulgação nesses padrões atualizados fez ainda com que o festival recebesse 170 inscrições de músicos latino-americanos de países como Peru, Uruguai, Equador e Argentina, que fizeram seus testes em Buenos Aires, na semana passada, com a presença de Roberto Minczuk na banca examinadora. Além disso, houve um número significativo de inscrições em países como Estados Unidos e França. As audições nacionais serão realizadas em São Paulo e no Rio de Janeiro, agora em junho.

Este ano, o orçamento do festival aproxima-se dos R$ 2,5 milhões, bancados pelas empresas Tim e SABESP, além de uma parcela do próprio Governo do Estado de São Paulo. Os apoios vêm da Suzano, Nestlé, Consulado Geral dos Estados Unidos, Revista Época, Imprensa Oficial, Prefeitura de Campos do Jordão e Associação Amigos de Tom Jobim.

Entre todas as novidades apresentadas nesta nova etapa do Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão, o aspecto mais alentador vem de uma declaração da secretária Cláudia Costin: ‘O festival deixa de ser um evento isolado, tornando-se um programa da Secretaria de Estado da Cultura para os próximos três anos, com Minczuk no posto de diretor artístico.’ De fato, o regente revela que as programações de 2005 e 2006 já estão sendo delineadas, com uma antecedência que pode parecer exagerada para os padrões brasileiros, mas um procedimento corriqueiro no Primeiro Mundo. Trata-se de uma postura positiva e transformadora, pois garante a continuidade e o aprimoramento do festival, em um país onde iniciativas bem-sucedidas como esta freqüentemente padecem ao sabor das inúmeras imprevisibilidades a que estão sujeitas.

Os próximos festivais deverão ser sempre temáticos. Em 2004, a programação gira em torno de dois compositores: J. Haydn (1732-1809) e Marlos Nobre. Haydn, por ser um importante representante do classicismo, apresentando uma obra camerística e orquestral essencial para a formação do músico erudito, ainda não suficientemente explorada, segundo Minczuk. E o pernambucano Marlos Nobre, 65, por ser considerado um dos mais importantes compositores brasileiros vivos em atividade. Os eventos acontecerão de 3 a 24 de julho, em diversos espaços da cidade: Auditório Cláudio Santoro, Palácio Boa Vista, igrejas e também ao ar livre, na Praça do Capivari.

Fábio Caramuru é músico e produtor, sócio da Echo Promoções Artísticas Ltda.