Um século de arte

Veja São Paulo - Edição 1900 - Ano 38 - Nº 15 - 13 de abril de 2005

seg, 11/04/2005 - 11h49 | Do Portal do Governo

A Pinacoteca inicia as comemorações de seus 100 anos com uma grande mostra de 239 trabalhos do escultor britânico Henry Moore

Lúcia Monteiro e Orlando Margarido

Nesta semana, a partir de terça-feira (12), a Pinacoteca do Estado será a estrela mais brilhante na constelação paulistana das artes. O 1º andar do edifício de tijolos aparentes projetado por Ramos de Azevedo estará recheado com peças do inglês Henry Moore (1898-1986), um dos escultores mais importantes do século XX. Trata-se de uma mostra literalmente de peso – juntas, as 117 esculturas somam 20 toneladas. Cedidas pela Fundação Henry Moore, as obras estão avaliadas em 270 milhões de reais e constituem a maior retrospectiva do artista realizada até hoje fora da Europa. O feito se viabilizou após dois anos de negociações com o Conselho Britânico. E tem mais. A megaexposição chega em um momento de festa no prédio da Praça da Luz, número 2: neste ano, a instituição comemora seu centenário.

O evento reforça os holofotes sobre o museu, um dos mais freqüentados da cidade. Em 2004, ele recebeu uma média mensal de 33.000 visitantes. É um número próximo ao do público do Masp (36.000), que tem uma localização nobre, na Avenida Paulista, e o maior tesouro artístico do Hemisfério Sul, incluindo desde um clássico Velázquez até modernas telas de Picasso e Monet. Menos abrangente, a coleção da Pinacoteca é incomparável quando se trata da arte brasileira, especialmente do século XIX. Soma 6.300 peças, das quais 1.100 ficam permanentemente expostas no 2º andar. Cada uma tem uma história, pois seu acervo foi montado aos poucos, ao contrário, por exemplo, do Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC), que herdou o espólio do mecenas Ciccillo Matarazzo. Mestiço, o primeiro óleo de Portinari vendido a um museu, chegou em 1935. A escultura A Portadora de Perfume é uma retribuição de Victor Brecheret à bolsa de pesquisa que o manteve na Europa por um ano. Essa lista cresce a cada nova exposição – na última, a fotógrafa Cláudia Andujar doou 26 ampliações. Não é só o valioso acervo que atrai os visitantes. O museu organiza cerca de quarenta mostras temporárias por ano, algumas delas de grandes artistas internacionais. Em 2003, as telas do holandês Albert Eckhout atraíram 180.000 pessoas. Quando se fala das exposições arrasa-quarteirão da Pinacoteca, é impossível não lembrar a que reuniu em 1995 um conjunto de 58 bronzes do mestre francês Auguste Rodin, vistos por 150.000 pessoas, até então um recorde.

Espera-se que os ousados contornos criados por Henry Moore repitam esse sucesso. Para muitos, aliás, Moore é uma espécie de Rodin do século XX. Sétimo filho de um operário de mina de carvão, o inglês recebeu péssimas críticas no início de sua carreira. Isso não o desanimou. Persistiu e conseguiu uma produção extensa, depois reconhecida por seu valor revolucionário. É autor de quase 12.000 obras, muitas delas de formas abstratas, que requerem um olhar atento e demorado. Teve também muitas fases figurativas, cujas peças logo devem cair no gosto dos paulistanos. Algumas são tão tocantes quanto O Beijo de Rodin. As séries de mães e filhos que Moore adorava esculpir estão entre as preferidas do público. ‘Foi uma maneira que ele encontrou para juntar formas pequenas e grandes no mesmo trabalho’, diz o curador David Mitchinson, um dos responsáveis pela Fundação Henry Moore. Sua principal marca são corpos reclinados, de variados tamanhos: desde miniaturas de 8 centímetros de comprimento até realizações em escala monumental, de 3 ou 4 metros. Outra característica notável é a brincadeira constante entre os materiais usados (mármore, bronze e concreto) e a leveza representada por barbantes.

A maioria das esculturas ficará abrigada no interior do prédio. Devido ao peso, bronzes como Cabeça Grande de Totem I e Oval com Pontas tiveram de ser dispostos do lado de fora. É bem em frente a esse último, de 700 quilos, instalado na entrada do museu, que são esperadas filas nos fins de semana. A cena seria impensável há treze anos, quando Emanoel Araújo, atual secretário municipal de Cultura, assumiu sua direção. Na época, a Pinacoteca vivia meio às moscas, mais ou menos como infelizmente acontece hoje em dia com o Museu da Imagem e do Som (MIS). Ele liderou a metamorfose da Pinacoteca, antes uma espécie de patinho feio no circuito paulistano das artes plásticas. Além de trazer as esculturas de Rodin (dez ficaram de presente), Emanoel Araújo conseguiu 10 milhões de reais para uma reforma que deixou o interior do prédio tinindo de novo e resolveu um problema antigo: a falta de espaço para exposições.

No seu início, a Pinacoteca ocupava apenas uma sala no último andar. No mesmo endereço funcionava desde 1900 o Liceu de Artes e Ofícios, comandado por Ramos de Azevedo. Nas décadas seguintes, quando o museu recebeu pinturas de Almeida Júnior, Pedro Alexandrino e Oscar Pereira da Silva, surgiram outros inquilinos, como a Escola de Arte Dramática, a Escola de Belas Artes e um ginásio estadual. Durante a Revolução de 1932, o prédio chegou a servir de alojamento militar. Convocado para reformá-lo em 1993, o arquiteto Paulo Mendes da Rocha bolou soluções criativas. ‘O prédio era frágil e até mal construído’, avalia Rocha, que terminaria o trabalho cinco anos depois. ‘Tive de reforçá-lo e fiz transformações sem descaracterizar a construção que existia.’ Um dos mais bonitos ambientes criados por ele é o octógono, um vão central coberto por uma clarabóia. Ali, sob abundante luz natural, estarão três das maiores esculturas de Henry Moore. ‘Escolhemos a Pinacoteca pela ótima estrutura e por seus amplos salões, adequados para receber grandes volumes’, explica o curador Mitchinson, que percorreu diversos museus brasileiros antes de encontrar o espaço ideal. ‘A luminosidade de lá é encantadora.’

Um verdadeiro sopro de vitalidade passou pela região com a renovação da Pinacoteca. Até então, o entorno era conhecido pela degradação de seus edifícios históricos, como a Estação da Luz, a Estação Júlio Prestes e a Igreja de São Cristóvão. Foram todos recuperados de sete anos para cá (veja quadro). A última lufada de preservação atingiu o prédio do antigo Dops, mais um de Ramos de Azevedo. Ali se instalou a Estação Pinacoteca, palco de exposições que não caberiam na Pinacoteca do Estado e abrigo para as mais de 2.000 gravuras do acervo. A conquista do novo endereço viabilizou a acolhida dos 200 trabalhos de artistas brasileiros que pertenciam à família Nemirovsky, cedidos em comodato. ‘É ótimo termos espaço para acomodar essa coleção valiosa’, diz Maria Alice Milliet, ex-diretora da Pinacoteca.

Discreto e aplicado, o professor de museologia Marcelo Araújo (que não tem nenhum parentesco com seu antecessor, Emanoel) dirige o museu desde 2002. Tem um orçamento anual de 1,5 milhão de reais, reforçado com patrocínios, claro. Nesses três anos, apareceu pouco, realizou muito e ganhou a simpatia de artistas e críticos. Conquistou um público fiel, do tipo que vai lá toda semana, nem que seja para tomar um café nas mesinhas de frente para o Jardim da Luz. ‘O grande objetivo agora é ampliar o número de visitantes’, diz ele. ‘Queremos que a Pinacoteca tenha um lugar privilegiado no coração de todos os paulistanos.’

Henry Moore. Pinacoteca do Estado. Praça da Luz, 2, 3229-9844, Metrô Luz. Terça a domingo, 10h às 18h. A bilheteria fecha meia hora antes. R$ 4,00. Grátis aos sábados. Até 12 de junho. A partir de terça (12).

Algumas das boas mostras programadas na Pinacoteca até 2006

Maio/2005
Wesley Duke Lee (1931)
O paulistano sacudiu a cidade nos anos 60. Foi o primeiro a trabalhar com o realismo mágico, a tecnologia na arte e o chamado happening, uma atividade artística ao vivo

Junho/2005
Antônio Ferrigno (1863-1940)
No período em que morou em São Paulo, o pintor italiano criou paisagens representando a cidade e seus arredores, muitas delas depositadas no acervo da instituição

Julho/2005
Evandro Carlos Jardim (1935)
Uma das mais bonitas séries desse gravador e professor paulistano é dedicada ao Pico do Jaraguá. Seus trabalhos são considerados fundamentais na história da gravura brasileira

Julho/2005
Thomaz Farkas (1924)
O fotógrafo de origem húngara integrou o precursor Foto Cine Clube Bandeirante e ganhou fama com imagens como as da construção de Brasília

Setembro/2005
Portugal Novo
Otima oportunidade para conhecer o que há de mais atual na produção portuguesa, numa extensa seleção de artistas contemporâneos

Novembro/2005
Freitas Valle (1870-1958) e a Villa Kyrial
Mário de Andrade definia a chácara da Vila Mariana, berço do modernismo de 1922, como um ‘oásis cultural’. O responsável por tanto agito era o mecenas José de Freitas Valle, fundador da Pinacoteca

Novembro/2005
Frans Krajcberg (1921)
Esse eremita da arte brasileira, polonês de origem, recolhe na região de Nova Viçosa, na Bahia, troncos de árvores mortas para esculturas originais

Março/2006
Almeida Júnior (1850-1899)
O paulista domina uma sala no 2º andar do prédio. Pinturas como Caipira Picando Fumo confundem-se com as raízes do academicismo e com as propostas embrionárias da Pinacoteca

Março/2006
Fulvio Pennacchi (1905-1992)
No Palacete Santa Helena, onde hoje está a Estação Sé do metrô, esse pintor especializado em afrescos ocupava um ateliê ao lado de artistas como Alfredo Volpi e Francisco Rebolo

Setembro/2006
100 Artistas, 100 Obras
O marco secular do endereço da Luz é abordado nessa coletiva com frescor. Trata-se de trabalhos da arte contemporânea brasileira