Um remédio brasileiro contra o câncer

Jornal da Tarde - 7/11/2002

qui, 07/11/2002 - 11h28 | Do Portal do Governo

Uma substância capaz de impedir que células cancerígenas se espalhem pelo corpo é a nova esperança para o tratamento da doença que, só no Brasil, mata mais de 100 mil pessoas por ano. Uma equipe de pesquisadores da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) divulgou ontem o desenvolvimento do composto de paládio – molécula que impede a ação de uma das principais enzimas responsáveis pela metástase (disseminação do câncer no organismo), a catepsina-B.

Sem a enzima, a célula não consegue se reproduzir ou se romper, e não se espalha. Sem a metástase, que é a principal causa de morte dos pacientes com câncer, o tratamento se torna mais simples – já que fica concentrado em pontos isolados do corpo.

O composto é uma substância desenvolvida em laboratório a partir do metal paládio (parecido com a platina), que é ligado a elementos orgânicos e injetado no organismo. Por afinidade, ele se liga à catepsina-B e consegue mudar sua estrutura. Deformada, a enzima não pode mais agir dentro da célula e perde sua função. ‘É como se tirássemos um dente de uma chave e ela não rodasse mais na fechadura’, explica o coordenador da pesquisa, Antonio Carlos Fávero Caíres. ‘A catepsina-B, que está presente em 90% de todos os tipos de células cancerígenas, torna-se inútil e sua disseminação não ocorre.’

A descoberta já foi testada em ratos e confirmou os resultados esperados. ‘A molécula inibiu o crescimento dos tumores (angiogênese) e a metástase praticamente não correu’, explica. ‘Além disso, a toxicidade das substâncias e seus efeitos colaterais são bem menores que os de outras substâncias.’

As células cancerígenas não cresceram porque houve redução da angiogênese – surgimento anormal de vasos sanguíneos ao redor do tumor que acabam servindo como alimento. ‘Com menos vasos, o tumor regrediu.’ E o câncer não atingiu outros órgãos do corpo porque essas células não se romperam e, assim, não transmitiram a informação da doença pela corrente sanguínea. ‘O próximo passo, agora, é fazer os testes em animais maiores e, então, em seres-humanos.’

Para que um remédio à base do composto de paládio chegue às prateleiras, no entanto, ainda será preciso paciência. ‘Se tivermos o apoio de um grande laboratório, acredito que poderemos ter os remédios em três anos’, acredita Caíres. Nove empresas farmacológicas já mostraram interesse em conhecer a nova molécula. Três delas já querem começar a desenvolver os testes em humanos.

Um ano para conseguir a patente internacional

A substância está sendo patenteada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que financiou todo o projeto, investindo US$ 2 milhões. ‘Agora temos um ano para conseguir a patente internacional, caso contrário a descoberta brasileira cai em domínio público’, explica o coordenador.

Ele acredita que, sem o apoio da Fapesp, uma equipe de cientistas de uma universidade particular não teria conseguido realizar o trabalho. ‘Há alguns anos a UMC vem investindo sério em pesquisa, o que não é uma regra nas instituições privadas’, afirma Caíres. ‘Essa é uma vitória do esforço, que vai beneficiar milhões de pessoas.’

De acordo com o Instituto Nacional do Câncer – órgão do Ministério da Saúde responsável pela doença -, 337.535 pessoas devem descobrir que estão com câncer apenas neste ano. Não há estatísticas oficiais de quantas pessoas têm a doença no País, mas os médicos acreditam que o número já está bem acima do um milhão e afirmam que é preciso conter a euforia com a nova descoberta.

‘Acho que essa será mais uma arma no combate a doença’, diz o oncologista clínico Hakaru Tadokoro, da Univerdidade Federal de São Paulo. ‘Mas a metástase é um processo muito complexo e, como a célula cancerígena é inteligente, pode descobrir um outro caminho para se espalhar assim que descobrir que a catepsina-B não está mais funcionando.’ Sérgio Simon, oncologista do Hospital Albert Einstein, concorda: ‘Há muitas outras substâncias que participam desse processo e talvez alterar apenas uma não seja tão eficiente’.

Ele também afirma que é preciso esperar pelos testes em seres-humanos antes de criar uma expectativa. ‘Muitas descobertas nessa área só têm sucesso em animais.’ Simon lembra, ainda, que há alguns tipos de câncer, como a leucemia, onde a metástase não ocorre. ‘Nesse caso, a descoberta não ajudará’, diz. ‘Mas se os exames em humanos derem certo, será um bom avanço no tratamento, afinal a metástase é o grande problema da doença.’

Daniela Tófoli