Um passatempo de elite que se tornou paixão das massas

The New York Times - Quinta-feira, 9 de outubro de 2008

qui, 09/10/2008 - 23h09 | Do Portal do Governo

The New York Times

SÃO PAULO, Brazil — Entrar no novo museu do futebol brasileiro é como penetrar num salão cheio de bustos de deuses gregos. Suspensos em telas de vidro de mais de dois metros de altura, em uma câmara escura, estão os perfis de alguns dos principais futebolistas brasileiros.

Os nomes dos jogadores estão gravados em letras maiúsculas; para a maioria, basta um nome. Ronaldo… Didi… Falcão… Tostão… Garrincha… e o mais célebre de todos, Pelé.

Na inauguração do museu, na semana passada, muitos visitantes simplesmente observaram as imagens em respeitoso silêncio.

“Este é um lugar para nós reverenciarmos”, disse Mário Viera, banqueiro de 53 anos ao lado do museu, que tem sua sede no estádio do Pacaembú. “Os brasileiros têm o futebol no sangue.”

O novo museu é o primeiro do gênero no País, um lembrete, nesta nação louca por futebol, de como os brasileiros – ganhadores de cinco Copas do Mundo – se tornaram os melhores jogadores que o mundo conhece.

Ainda assim, o museu do futebol, como é chamado aqui, não se contenta em ser apenas um lugar para os brasileiros reverenciarem seus astros e rememorar seus momentos de glória. Também quer explicar como uma obscura importação da Inglaterra, praticada apenas por uma elite, tornou-se uma obsessão das massas neste país multifacetado de 195 milhões de habitantes.

O museu conta não apenas a história do esporte, mas também do país, onde o jogo preferido representa e inspira a alma multirracial e amante do samba do povo. No Brasil, o tedioso futebol europeu foi transformado em um “jogo belo”, de passes e dribles mágicos que trouxeram renome mundial para o país.

O museu é fruto da imaginação de José Serra, governador de São Paulo, que sonhou com esta idéia há cinco anos, quando era o prefeito de São Paulo. Apesar do culto ao futebol, um museu como este não existia por aqui. Um pequeno museu no Maracanã, no Rio de janeiro, foi fechado recentemente por falta de público.

Serra foi capaz de obter um amplo espaço no Pacaembú, além de angariar contribuições de patrocinadores privados e públicos. Sua inauguração, na semana passada, atraiu políticos, como o governador do Rio, Sérgio Cabral, e o próprio Pelé. 

“Pensei num museu feito fundamentalmente de idéias, memórias, e não tanto de relíquias”, Serra disse em seu discurso. “Imaginei algo que expressasse a memória de nosso futebol, os grandes lances, e também o sofrimento.”

Serra passou por cima da rivalidade habitual entre São Paulo e Rio e anunciou bem-humorado a presença de Sérgio Cabral. O governador do Rio, por sua vez, disse que o seu estado  havia “perdido sua chance” de erguer um museu nacional e não se envergonhou de “vir aprender com São Paulo”.

De certa maneira, Serra trouxe o futebol de volta para sua origem oficial no Brasil: São Paulo. Charles Miller, filho de pai escocês e mãe de origem inglesa, nasceu aqui; educado na Inglaterra, retornou a Sâo Paulo em 1894 com duas bolas de futebol e um manual de regras debaixo do braço. Decidido a fazer do esporte que abraçara na Europa um sucesso também em casa, ele ajudou a fundar o São Paulo Athletic Club, onde jogou até 1910. Um documento no museu informa também que empregados de firmas inglesas costumavam jogar futebol ra Rua Paysandu, no Rio, já em 1875.

No dia da inauguração, centenas de visitantes absorveram uma mistura de história e diversão. De terno, Pelé saudava os visitantes numa imensa tela: “bem-vindos ao museu do futebol” dizia em uma gravação.

O museu expõe cerca de 1.500 fotografias, incluindo uma de Leônidas da Silva, artilheiro da Copa de 1938, beijando a mão de madre Teresa de Calcutá. São seis horas de filmes, a maioria com gols famosos. Num mostruário de vidro do salão sobre as copas é exibida a camisa amarela que Pelé usou ao marcar o primeiro gol brasileiro na final da Copa de 1970, no México.

Há depoimentos de jornalistas e falas de famosos radialistas. Como uma placa explica, foi na era do rádio, nos anos 30 e 40, que se forjou o interesse no esporte e na música popular, “criando em nossas mentes os ídolos que representavam o país”.

Escritores, sociólogos e músicos são também celebrados no museu. Imagens das cinco copas conquistadas pelo Brasil se mesclam com lembranças de eventos mundiais e figuras conhecidas – guerras, a chegada à Lua, hippies, sambistas, os Beatles, Nelson Mandela.

Há uma sala que homenageia os torcedores brasileiros. Eles pulam sem camisa, batem o bumbo ao ritmo do samba, em imensas telas de vídeo, com som ambiente que nos faz sentir como se no meio da multidão.

Um esporte de massas é o tema que está por toda parte. Em uma sala, um curto filme conta como o futebol se transformou de um esporte socialmente segregado na época de Charles Miller para um jogo envolvendo diversas raças e os trabalhadores que impulsionavam a industrialização do país.

Mas o museu oferece diversão também. Pode-se chutar uma bola, enquanto um radar mede sua velocidade, e depois obter uma fotografia do momento no sítio eletrônico do museu. E também colocar óculos 3-D para assitir Ronaldinho fazer uma bola correr por todo seu corpo, embalado por uma trilha sonora de rock and roll.

“Dar uns chutes ao gol foi o que mais gostei” , disse Luiz Carlos dos Santos, 48, que visitou o museu com seu filho Andrey, de 15 anos.

Há uma sala, de “Números e Curiosidades”, que descreve as estratégias do jogo e a origem da “bicicleta”. Ela atrai a curiosidade dos visitantes com factóides como os  1282 gols marcados por Pelé em 21 anos de carreira, ou os 183.341 espectadores pagantes que assistiram a vitória do Brasil sobre o Paraguai em 1969 no Maracanã.

O mais doloroso momento do futebol brasileiro, a derrota por 2 a 1 para o Uruguai, na final da Copa de 1950, também está em exibição no museu. Numa sala escura, um filme do jogo é exibido ao som de batidas cardíacas cada vez mais débeis. Uma foto mostra o goleiro uruguaio consolando o abatido capitão brasileiro, Augusto da Costa.

A derrota foi devastadora. O Maracanã havia sido construído na certeza de vitória. “Mas, a partir daquele momento, o futebol brasileiro passaria a viver seus grandes triunfos”, informa o museu.

(Este artigo foi publicado na edição nova iorquina do The New York Times de 8 de outubro, na página A 12.)