Um novo Tietê

Veja São Paulo - 29 de março de 2006

seg, 27/03/2006 - 12h15 | Do Portal do Governo

Sandra Soares

Terminadas as obras de ampliação da calha do rio, que volta a ser navegável, cai o risco de transbordamento

Nos últimos anos, os paulistanos foram obrigados a ficar cara a cara com o Rio Tietê por diversas vezes. Não porque, como no passado, iam até lá nadar, pescar ou velejar. Era o rio que chegava até eles. Inúmeras inundações forçaram motoristas a abandonar seus carros na Marginal alagada e se aventurar num corpo-a-corpo com a água fétida que invadia a pista. Foi assim, por exemplo, em 19 de março de 1991, quando um temporal parou a cidade e fez com que incontáveis veículos e passageiros ficassem ilhados na via por pelo menos onze horas. No último domingo, exatos quinze anos depois dessa enchente histórica, os paulistanos receberam uma boa notícia: com o término das obras de ampliação da calha do rio, cenas como aquelas dificilmente se repetirão. A capacidade de vazão do Tietê aumentou 60% nos últimos quatro anos. Para isso, o leito rochoso do rio precisou ser dinamitado. O projeto, de responsabilidade do governo estadual, custou 1,1 bilhão de reais e foi financiado por um banco japonês. Além de diminuir a probabilidade de transbordamentos, a obra tornou o Tietê novamente navegável. O governo negocia agora parcerias com a iniciativa privada para oferecer passeios de balsa pelos 24,5 quilômetros entre as barragens da Penha e do Cebolão.

Durante a faxina realizada no Tietê, foram retiradas cerca de 20 000 toneladas de sujeira (com 150.000 pneus). Atualmente, a água está bem mais limpa do que em 1992, quando 1,2 milhão de pessoas, em resposta a uma campanha da Rádio Eldorado, fizeram um abaixo-assinado pedindo a despoluição do rio. O Projeto Tietê, criado pela Sabesp na época, trata 68% do esgoto lá despejado. Mas muito lixo ainda vai parar no rio. Há seis meses, o governo realizou um teste com uma barreira flutuante. Em nove horas, os detritos acumulados encheram 150 caminhões. “Para que o Tietê fique realmente limpo, a população precisa colaborar”, diz o secretário estadual de Energia, Recursos Hídricos e Saneamento, Mauro Arce. Além dos dejetos que chegam por 66 córregos só na capital, o Tietê recebe também todo o lixo que se joga nas ruas, pois os bueiros nele deságuam. O rio é ainda depositário dos detritos de outras 38 cidades da região metropolitana – como Santo André e Guarulhos, que praticamente não tratam seu próprio esgoto. “Para piorar, 20% do esgoto de São Paulo vem de ligações clandestinas, ou seja, in natura”, afirma Arce. Com a ampliação da calha, a limpeza será feita por via fluvial, o que servirá para retirar caminhões de lixo das ruas. Os custos de manutenção do desassoreamento são estimados em 10 milhões de reais por ano.

Durante as viagens experimentais de barco realizadas na semana passada, o mau cheiro fez-se notar quando a navegação era contra o vento. Por tudo isso, o Tietê está longe de poder ser comparado ao Tâmisa, de Londres, ou ao Sena, de Paris, que tiveram a morte decretada e hoje, recuperados, exibem peixes em suas águas. Nadar ali, como se fazia nos anos 20, nem o secretário Arce aposta que um dia será possível. Mas ele acredita que o rio voltará a ser usado para recreação e regatas, como as que eram promovidas até 1972, quando a imundície se tornou insuportável. A próxima mudança deve ser visual. Com a ampliação da calha, as margens do Tietê ganharam o embrião do que pode vir a ser um imenso jardim. Foram plantados 4 milhões de mudas e mais de 100.000 árvores. Quando crescerem, vão esconder um pouco o rio. Aí, sim, para ficar cara a cara com ele novamente, só de barco.