Um gás em São Paulo

A Tribuna - Santos - Quarta-feira, 17 de março de 2004

qua, 17/03/2004 - 8h43 | Do Portal do Governo

FABIANA HONORATO

Com a possibilidade da confirmação de um dos maiores campos com reservas de gás natural do mundo, o da Bacia de Santos, o Governo do Estado quer reduzir o preço deste combustível e ampliar imediatamente o consumo desta matriz energética. Neste sentido, foi criada ontem a Câmara de Energia — Gás para o Desenvolvimento de São Paulo, que visa estabelecer ações conjuntas para promover o uso do gás natural nas indústrias do Estado.

Análises da Petrobras apontaram a presença de 419 bilhões de metros cúbicos de gás no denominado Campo de Mexilhão, a 150 quilômetros da costa de Santos. No entanto, há indícios, ainda não confirmados, de que nas adjacências desta região esteja um dos maiores campos de gás natural do mundo, com cerca de um trilhão de metros cúbicos do combustível.

Para potencializar o mercado consumidor, principalmente o industrial, as secretarias estaduais de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo e de Energia e Recursos Hídricos buscaram o apoio, com a criação da câmara, da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Também são parceiros da iniciativa as três distribuidoras que atuam no mercado estadual: Comgás, Gas Brasiliano e Gas Natural.

Ontem, durante a assinatura do protocolo de intenções entre os segmentos envolvidos, o presidente da Fiesp, Horácio Lafer Piva, defendeu a difusão e a redução do custo do gás natural.

‘‘A instalação desta câmara é um ato de trabalho. O gás é uma esperança maravilhosa de trabalho para nós todos. Esta parceria entre o Governo e a iniciativa privada nos trará um resultado positivo’’.

O secretário de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo, João Carlos Meirelles, afirmou que a grande prioridade do grupo é a discussão com o Ministério de Minas e Energia e a Petrobras sobre o preço do gás natural.

Neste aspecto, a meta é reduzir o valor do gás boliviano, vendido pela Petrobras às distribuidoras, dos atuais US$ 3,36 por milhão de BTU (cada BTU equivale a 26 metros cúbicos de gás) para US$ 2.

‘‘Com esta redução, teríamos um grande estímulo de uma nova matriz energética que poderia substituir o uso térmico nas indústrias, assim como os óleos’’.

O secretário detalhou que, do ponto de vista da gestão operacional, será necessária a criação de um programa para ampliar a demanda de gás nos pólos industriais ainda não atendidos no Interior de São Paulo.

A câmara também pretende fomentar o uso do Gás Natural Veicular (GNV) para o transporte coletivo e de cargas nas regiões metropolitanas.

‘‘Só nas três grandes regiões metropolitanas do Estado, Santos, São Paulo e Campinas, 50 mil coletivos urbanos municipais e intermunicipais, ônibus e frotas de caminhões de carga poderiam ser abastecidos com o gás’’.

A discussão nacional, junto aos demais estados industrializados, sobre a política geral do gás também norteará as ações da câmara, conforme disse Meirelles. Ele comentou que a ação conjunta visa dar respostas às demandas sociais de trabalho e geração de renda.

‘‘O gás da Bacia de Santos pode representar um impulso vigoroso na economia do Brasil. Nos unimos para jogar o peso político e discutir ações concretas’’.

Conforme antecipou o secretário, a diretoria da Petrobras confirmou ao governador Geraldo Alckmin, em encontro ocorrido recentemente, que até 2005 terá terminado toda a parte de pesquisa e prospecção do gás do Campo de Mexilhão.

Com esta etapa concluída, será definido o tamanho da reserva e a instalação da plataforma para a extração do gás do mar, que pode acontecer no máximo em dois anos.

CÂMARA VAI PEDIR DESCONTO À PETROBRAS

Para reduzir o preço do gás natural comprado da Bolívia, e que representa a maior parte do que é consumido no Estado, a Câmara de Energia — Gás para o Desenvolvimento de São Paulo tentará convencer a Petrobras a conceder ‘‘descontos’’ com o propósito de ampliar o mercado consumidor.

O secretário de Estado da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo, João Carlos de Souza Meirelles, disse ontem, durante o evento na Fiesp, que a estatal paga por 24 milhões de metros cúbicos do gás boliviano por dia, mas só 13 milhões são utilizados.

Ele explicou que o País consome diariamente 28 milhões de metros cúbicos de gás, oriundos, além da Bolívia, do Rio Grande do Norte, da Bahia, do Rio de Janeiro e do Campo de Merluza, a 180 quilômetros da costa de Praia Grande.

‘‘Vamos usar este dinheiro que estamos pagando e não utilizando sob a forma de descontos. Se recebermos alguma coisa por ele é muito melhor do que receber zero, como acontece com a Petrobras’’.

Além disso, o secretário acrescentou que para uma política de demanda do uso do gás é necessário fomentar o consumo, o que seria viabilizado com a redução do combustível para US$ 2.

‘‘Este valor por milhão de BTU não é um número tirado da cartola, é um número profundamente estudado que viabiliza indiscutivelmente pagar o gás que virá do Campo de Mexilhão’’.

Entre os reflexos destes esforços, Meirelles citou a produção, em larga escala, de veículos tricombustíveis, que poderão ser movidos a gasolina, álcool ou gás.

‘‘O consumidor é quem vai escolher pela primeira vez, antes era a indústria. Na câmara vamos discutir a operacionalidade de tudo isto’’.

Prioridade

Outra briga que será travada pelo grupo recém-formado é assegurar que sejam priorizadas a utilização de mão-de-obra e insumos encontrados na Baixada para a construção da plataforma do Campo de Mexilhão.

‘‘Tudo está sendo feito no Rio de Janeiro, mas não tem sentido porque podem ser aproveitados os trabalhadores de São Paulo, assim como podem abastecer tudo isto com suprimentos comprados em Santos’’.

Frisando que o anseio das autoridades políticas regionais acompanha uma lógica racional, o secretário afirmou que o Porto de Santos ‘‘está apto a fornecer a melhor mão-de-obra do Brasil para estas embarcações, para a construção destas plataformas e do gasoduto’’.

COMBUSTÍVEL AJUDARÁ CRESCIMENTO INDUSTRIAL

O secretário de Estado de Energia, Recursos Hídricos e Saneamento, Mauro Guilherme Jardim Arce, defendeu ontem a busca pela meta da redução no preço do gás boliviano como fator importante para o crescimento da indústria no Estado.

‘‘Com um preço mais baixo, nós conseguiremos criar um mercado fantástico e daríamos mais um passo na utilização do gás como matriz energética, não só no Estado, mas em todo o País’’.

Segundo Arce, o gás que será extraído do Campo de Mexilhão será utilizado para agregar valores aos produtos exportados pelo País, melhorando a qualidade dos mesmos. ‘‘Esta reserva é apenas a ponta de um iceberg, que colocará o Brasil num patamar importante quando comparado às grandes reservas mundias de gás natural’’.

Políticas

Para o diretor-financeiro da Comgás, Roberto Collares Lage, as ações da câmara resultarão na melhor definição da política ambiental de incentivo ao uso de um combustível com baixo teor poluente.

‘‘A política do preço do gás é de 1998 e está desalinhada com o potencial de desenvolvimento do mercado, que poderia ser motivado a trocar a energia utilizada atualmente’’.

Segundo ele, a iniciativa, capitaneada pelo Estado, ‘‘mostra que o gás natural será uma das soluções energéticas para o desenvolvimento da indústria’’.

As mudanças na legislação que rege o assunto também foram destacadas pelo diretor-geral da Gás Brasiliano, Marcello Agostini. ‘‘É necessária a criação de regras claras, mais justas, e este é um momento importante para conseguirmos isso com a união dos esforços’’.

Agostini revelou que a descoberta do Campo de Mexilhão, na Bacia de Santos, renovou as esperanças do crescimento no consumo de gás natural. ‘‘Para explorarmos as potencialidades desta reserva, temos que chegar ao preço de US$ 2 por milhão de BTU, que seria razoável’’.

Assim como os demais representantes das distribuidoras que atuam no Estado, o diretor-geral da Gás Natural São Paulo Sul, Jordi Grau Manzano, enfatizou a necessidade de um preço mais competitivo neste mercado.

‘‘Somos uma empresa nova, estamos há dois anos no Brasil, mas temos condições de fornecer muito mais. O que precisamos é de um preço que nos permita atingir este objetivo’’.

Ao final do encontro, ficou acertado que os membros da câmara se reunirão quinzenalmente a fim de discutir as ações planejadas.