Um encontro mágico com Clarice Lispector

Valor Econômico Dá para contar nos dedos de uma mão o número de fotobiografias de escritores publicadas no Brasil – não entram na conta os “Cadernos de Literatura Brasileira” do […]

sex, 02/05/2008 - 13h50 | Do Portal do Governo

Valor Econômico

Dá para contar nos dedos de uma mão o número de fotobiografias de escritores publicadas no Brasil – não entram na conta os “Cadernos de Literatura Brasileira” do Instituto Moreira Salles, que têm outro formato. O que já se publicou? Nos anos 1980, a Edições Alumbramento lançou três volumes que contemplavam Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Mário de Andrade. Mas quem acha tais obras em alguma livraria? Mais recentemente, a Planeta lançou “Borges – Uma Biografia em Imagens”, de Alejandro Vaccaro. E só. Pois quem ama literatura brasileira acaba de ser presenteado com a melhor fotobiografia já publicada no Brasil – a de Clarice Lispector (1920-1977), da biógrafa e pesquisadora Nádia Battella Gotlieb, autora também de “Clarice, uma Vida Que Se Conta” (Ática, 1995, edição esgotada), resultado de sua tese de livre-docência na Universidade de São Paulo. O que se vê agora, no novo trabalho dessa especialista, é “um outro retrato de Clarice”, com “enfoque de singularidades”, como diz Nádia na apresentação. 

Em 1960: livro traz “um outro retrato de Clarice”, com “enfoque de singularidades”

Seu trabalho de pesquisa é algo monumental. São cerca de 800 imagens, muitas inéditas, em que se recupera a vida da grande autora de “Perto do Coração Selvagem”, “A Paixão Segundo G.H.” e “A Hora da Estrela”, entre outros. Mas não pensem que é um livro com 800 fotos só de Clarice, embora ela tenha sido bastante fotografada, mesmo tendo fama de arredia, tímida ou “esquisita”. Não. Nádia refez a trajetória de sua biografada em detalhes, visitando os locais onde ela viveu não só no Brasil (Maceió, Recife e Rio) como no exterior (Itália, Suíça, Inglaterra Estados Unidos), acompanhando o marido diplomata, Maury Gurgel Valente. Esteve também na aldeia de Tchetchenilk, na Ucrânia, onde Clarice nasceu, quando a família estava no início de seu caminho rumo ao Brasil. 

Nesse trabalho para lá de minucioso de recuperação de uma história de vida, Nádia também localizou – e reproduz – dezenas de imagens dos antepassados da escritora e seus parentes (imigrados ou não). Some-se a isso grande quantidade de manuscritos, datiloscritos, cartas, reprodução de recortes de imprensa de e sobre Clarice. 

Em Washington, nos anos 1950, durante passeio com a família de Erico Verissimo, de quem era muito amiga: Nádia refez a trajetória da escritora no Brasil e em outros países

Todo esse material – distribuído em 13 capítulos em ordem cronológica – vem acompanhado de legendas claras e objetivas por meio das quais o aficionado pela obra clariciana acaba por mergulhar na sua intimidade, tendo com ela “encontros mágicos”, e sai de lá mais fascinado. “Esses encontros mágicos podem ocorrer a partir de algumas transcrições de textos seus, ou de modo mais sutil, em cada detalhe gráfico: certas paisagens, pedaços de cidades, pessoas sós ou em grupo, na caligrafia de certas cartas e dedicatórias, em espaços interiores, em papéis desgastados pelo tempo, ora em sépia, ora voluntariamente rasgados, sinais gráficos do que existiu, como são também sinais os registros de passeios, posturas de corpo, olhares, gestos”, escreve a pesquisadora. 

Ao fim do volume, há um caderno de 165 páginas, das quais 65 Nádia dedicou a notas com detalhes das imagens. O restante desse caderno traz 52 páginas de cronologia (vai de 1885, data do nascimento do pai da escritora, a 2007), referências bibliográficas, bibliografia de e sobre Clarice, a relação dos arquivos e fontes consultados, os créditos das imagens e os agradecimentos. 

Depois de tudo isso, surpreendentemente, o assunto não está esgotado, de acordo com Nádia. “Não me detive, como gostaria, no registro documental visual de toda a bibliografia de Clarice e de sua fortuna crítica”, afirma. “Selecionei alguns registros, abdicando de todos os outros, por não considerar viável a reprodução de excessiva quantidade de imagens de jornais e revistas em que aparecem textos de Clarice e de outros, que dela tratam.” O resultado dessa constatação é promissor: “Esse material merece integrar outra publicação, a ‘Fotobibliografia de Clarice Lispector’, em preparação.” Os leitores só têm que agradecer.