Um ator de sorriso largo

Jornal do Brasil

qua, 19/05/2010 - 11h08 | Do Portal do Governo

O ator Sergio Fonta lembra perfeitamente do impacto que sentiu ao ver Rubens Corrêa (1931-1996) em cena pela primeira vez. Foi na montagem do Teatro Ipanema para O arquiteto e o imperador da Assíria, de Fernando Arrabal, em 1970.

– Assisti nove vezes. Fiquei deslumbrado com o espetáculo de Ivan de Albuquerque (1932-2001) e com as interpretações de Rubens e José Wilker. Nós entrávamos no teatro e tínhamos a sensação de que estávamos no meio de uma densa floresta. Quando as luzes eram acesas, percebíamos que havia jornais pendurados como longas folhas. Nós atravessávamos esta “floresta”, até que as folhas eram suspensas e nos deparávamos com o palco nu – reconstitui o ator.

Mais tarde, Fonta iria iniciar uma convivência marcante com o ator, seja entrevistando-o para veículos como Jornal de Ipanema e o Jornal de Letras e até contracenando em peças. A partir de suas lembranças e de uma vasta pesquisa, prepara, neste momento, uma biografia sobre Corrêa para a Coleção Aplauso, da editora Imprensa Oficial, coordenada pelo crítico de cinema Rubens Ewald Filho.

Na época de O arquiteto e o imperador da Assíria, Fonta trabalhava como jornalista. Ainda não inha ingressado na carreira de ator. Um pouco antes conheceu Rubens pessoalmente.

– A imagem mais nítida que tenho dele é a do sorriso largo. E do olhar que brilhava – lembra Sergio Fonta, dividido atualmente entre o desenvolvimento da pesquisa, o trabalho como membro do júri do Prêmio Shell e a expectativa da retomada da temporada de Amadeus, encenação de Naum Alves de Souza para o texto de Peter Shaffer.

Os caminhos de Rubens Corrêa e Sergio Fonta também se cruzaram em Flor do milênio, espetáculo poético-teatral dirigido pelo primeiro em 1982, a partir de um roteiro do segundo em cima de poesias de Denise Emmer. Fonta viveu intensamente a fase do Teatro Ipanema, marcada pela parceria entre Rubens Corrêa e Ivan de Albuquerque, desde o fim da década de 50, no Teatro do Rio.

– Rubens morava com a mãe numa bela casa de pedra. Tinha o sonho de construir um teatro. Vendeu a casa com a condição de que o prédio construído no lugar abrigasse um teatro no térreo. Assim aconteceu, e ele foi morar na cobertura – conta.

Fonta não esquece o impacto de montagens como Hoje é dia de rock.

– Era um texto libertário encenado numa época de repressão e que ganhava com a interpretação espiritualizada do elenco – sublinha Fonta, acerca do texto de José Vicente (1945-2007), centrado na travessia de uma família, do interior do Brasil rumo à cidade grande. – O cenário do Luiz Carlos Ripper (1943-1996) era a estrada que a família percorria e rasgava o espaço do Ipanema. No último dia de apresentação havia tanta gente querendo ver que todo mundo foi celebrar na praia. Um belo momento de comunhão.

Muitos outros trabalhos de Rubens virão à tona no livro. Um deles, em O beijo da mulher aranha, montagem de Ivan de Albuquerque para o texto de Manuel Puig (1932-1990), foi, inclusive, esmiuçado no livro Sobre o trabalho do ator, de Mauro Meiches e Silvia Fernandes. Cabe mencionar O futuro dura muito tempo, seu último espetáculo, no qual dividiu o palco com Vanda Lacerda (1923-2001), sob a direção de Marcio Vianna (1949-1996). Artaud foi, com certeza, um capítulo à parte.

– Considero Artaud o legado de Rubens, a herança de toda uma vida. Quem o viu em cena não passou incólume pela experiência de entrega e reflexão sobre sanidade e insanidade – constata Fonta, bastante emocionado.
Mesmo que tenha se notabilizado como ator de teatro, Rubens será lembrado no livro através de seus trabalhos no cinema e na televisão.

– No cinema e na TV ele nunca chegou perto da dimensão que alcançou no teatro. Mesmo assim, esteve bem em novelas como Kananga do Japão. No cinema se destacou em Álbum de família (1981), de Braz Chediak, e, especialmente, em Na boca da noite (1971), adaptação de Walter Lima Jr. da peça O assalto, de José Vicente, que fez com Ivan de Albuquerque – enumera.

Durante a fase de pesquisa, Sergio Fonta vem recorrendo ao arquivo impresso guardado na Funarte e a livros como Reflexões sobre o teatro brasileiro no século 20, organizado por Fernando Peixoto, e realizando entrevistas com artistas bastante próximos de Rubens, como Nildo Parente, Ivone Hoffman, Fernando Eiras e Sergio Mamberti, além dos filhos de Ivan de Albuquerque e Leila Ribeiro.

– Num determinado momento, Mamberti precisou mudar-se mudar para São Paulo e não tinha onde guardar a mobília. Como coincidiu com a época de construção do Teatro Ipanema, Rubens falou para colocá-la no palco – revela Fonta, que deverá conversar com José Wilker, Simon Khoury, Angel Vianna e Rosamaria Murtinho.

Não é sua estreia no campo da pesquisa. Há alguns anos, ajudou Sergio Viotti na concepção da Dulcina e o teatro de seu tempo, biografia da atriz e diretora Dulcina de Morais (1908-1996).

– Desejo fornecer um painel para que o leitor que porventura não o tenha visto em cena entenda o que significou. Era uma pessoa dotada de grande generosidade natural – resume.