Trio de genes facilita detecção de tumor

Folha de S. Paulo - Segunda-feira, 7 de março de 2005

seg, 07/03/2005 - 8h51 | Do Portal do Governo

‘Etiquetas’ moleculares que denunciam doença são primeiro fruto do Projeto Genoma Câncer, feito em São Paulo

REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

Pesquisadores brasileiros estão colhendo agora os primeiros frutos de um esforço colossal para examinar milhões de ‘letras’ químicas de DNA tiradas de tumores e células normais. Eles encontraram centenas de novos genes que poderão ser usados para prever o aparecimento do câncer ou como alvos para atacar a doença e, entre eles, três candidatos especialmente promissores.

‘É a primeira publicação do [projeto] Genoma Câncer a descer mais, buscando detalhar marcadores valiosos a partir dos dados que geramos’, afirma Emmanuel Dias Neto, pesquisador do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e um dos coordenadores do trabalho.

O Genoma Câncer foi financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e pelo Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, e identificou mais de um milhão de fragmentos de genes de tumor.

Os marcadores a que ele se refere são uma espécie de ‘etiqueta’ genética -pedaços de DNA cuja presença, ausência ou alteração pode dar pistas sobre a evolução do câncer ou de outra doença.

Os dados da pesquisa, publicados na última edição da revista científica ‘Cancer Research’ (www.aacrjournals.org), vieram de cânceres que afetam a cabeça e o pescoço: tumores de boca, laringe, faringe e glândula tireóide.

O grupo examinou tanto as alterações moleculares do câncer propriamente dito quanto as características do tecido saudável que restava ao lado do tumor, uma comparação que se mostrou valiosa. ‘Nós tínhamos 190 mil seqüências tumorais e 18 mil normais. Com isso, acabamos tendo dados das células normais que às vezes não apareciam nos tumores, mas poderiam ser importantes para entender o câncer’, afirma o biólogo Eduardo Reis, do Instituto de Química da USP, um dos autores do estudo.

Na verdade, a análise só conseguiu traçar distinções certeiras entre tecido normal e tumor porque não mirou diretamente o DNA, mas sim o chamado RNA mensageiro. Essa molécula é a responsável por carregar informações do DNA para as ‘fábricas’ da célula. É com base nessa informação que elas produzem as proteínas, que por sua vez fazem o organismo funcionar.

A quantidade de RNA mensageiro que transcreve um determinado gene é uma medida boa do quanto esse gene está ativo. Células distintas produzem diferentes tipos e quantidades de RNA mensageiro, que mostram como o genoma de cada célula pode estar afetado por uma doença.

Os pesquisadores avaliaram exatamente essas diferenças, por meio de uma técnica que fica de olho na parte central do gene, área que facilita muito a sua identificação. Foi por meio das alterações de ativação que o grupo chegou aos três possíveis vilões, conhecidos pelas siglas ZRF1, NDRG1 e RAP140. Na maior parte dos pacientes com câncer, eles estavam bem mais expressos -ou seja, o RNA mensageiro correspondente a eles era produzido em quantidade maior que a normal.

‘Todos têm funções interessantes e importantes no câncer’, afirma Dias Neto. O ZRF1 está envolvido no controle da multiplicação celular -as células cancerosas adoram proliferar sem controle. A especialidade do NDRG1 é a diferenciação, o processo pelo qual as células se especializam em certa função. E o RAP140 corresponde a uma proteína aparentada a outra já identificada num tipo de tumor chamado retinoblastoma.

Doença complexa

Esses foram os três genes que os pesquisadores decidiram ‘validar’, com novas análises genéticas de tumores, mas há ao todo 250 candidatos. Alguns são exclusivos de tecidos normais – sua ausência no tumor pode estar relacionada à doença. ‘Por isso, em tese, eles podem ser usados como um tratamento muito eficaz, recompondo moléculas que impedem o crescimento tumoral descontrolado’, diz Dias Neto.

Com mais estudos sobre esses candidatos, seria possível também verificar se algum deles está mais presente nas formas agressivas de câncer. Também haveria maneiras de diagnosticar a doença antes que ela ficasse incontornável. Mas é bom alertar que esse tipo de teste ainda precisa de muito refinamento. ‘Nenhum dos genes tem 100% de penetrância, ou seja, nenhum está presente em todos os pacientes’, diz Reis. ‘Isso só mostra que estamos lidando com uma doença complexa e influenciada por múltiplos fatores.’

A bióloga Eloiza Helena Tajara, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (SP), concorda. ‘Para tentar usar esses marcadores para prever o grau de agressividade do câncer, por exemplo, teríamos de fazer uma validação com mais pacientes’, em diferentes estágios da doença, diz a pesquisadora, que também ajudou a coordenar o estudo.

Ela conta que um de seus alunos está analisando outro dado do seqüenciamento: variantes de RNA mensageiro para genes já conhecidos, que são ‘editados’ de forma diferente nos cânceres. Dados do artigo na ‘Cancer Research’ e outras informações podem ser obtidos na internet (www.verjo19.iq.usp.br/java/jsp/head-neck/).