Transição política e desenvolvimento

O Estado de São Paulo - Quarta-feira, dia 26 de abril de 2006

qua, 26/04/2006 - 10h56 | Do Portal do Governo

José Tadeu Jorge

Os períodos de transição podem constituir momentos de fecunda reflexão. A assunção do novo governador, com a natural troca ou o remanejamento de secretários de Estado, não é destituída de significado para as universidades e para os institutos de pesquisa. É certo que os poucos meses que separam o governo recém-instalado daquele que assumirá em janeiro não representam tempo suficiente para vôos de longo curso ou ações propriamente fundadoras, mas podem servir para o aclaramento e o aprofundamento de questões – umas altamente promissoras, outras a requerer aprimoramento – que afetam o ensino superior paulista e o sistema de desenvolvimento de ciência e tecnologia do Estado.

A criação dos parques científicos e tecnológicos e a escolha dos cinco pólos regionais que irão abrigá-los – Campinas, São Carlos, São José dos Campos, Ribeirão Preto e São Paulo – constituem seguramente um dos pontos altos do governo anterior, no que contém de estratégia de política industrial atrelada à inovação tecnológica. Ao reforçar a condição histórica desses pólos como opções de primeira linha, nacional e internacionalmente, para a localização de atividades públicas e privadas de pesquisa e desenvolvimento, São Paulo dá um passo gigantesco para que o País aprenda a agregar, a inovar e se torne mais competitivo para além dos produtos primários.

Ao reunir empresas e institutos de pesquisa num espaço planejado e organizado de modo a permitir o uso de serviços compartilhados, quase sempre próximos dos laboratórios das grandes universidades, os parques são ambientes muito favoráveis ao desenvolvimento de atividades de alto valor agregado e propícios aos surgimento de empresas de base tecnológica.

Concebidos, entretanto, como empreendimentos de longo prazo que dependem do envolvimento de um leque de parceiros que vão das universidades e dos institutos de pesquisa ao empresariado e aos governos – estadual, municipal e federal -, a agregação de forças necessária para sua implementação está freqüentemente sujeita ao risco de cindir-se ou esgarçar-se em conseqüência de agendas políticas não-coincidentes. Estabelecer uma convergência de interesses duradoura é, portanto, um desafio tão grande quanto, no momento, fixar uma distribuição de papéis que dê clareza à execução do projeto.

A superação dessa fase inicial é uma tarefa de engenharia que conviria ser levada a bom termo ainda nesta fase de transição do governo, para que o próximo se inicie com todos os carros nos trilhos. Deve ser levado em conta que esses pólos já existem – alguns têm, inclusive, área demarcada para a instalação de seus parques – e que, graças sobretudo ao investimento do Estado, eles foram capazes de definir áreas de atuação complementares entre si de acordo com o perfil tecnológico de cada um. Assim, enquanto o parque de Campinas enfatizará a tecnologia da informação, São José dos Campos privilegiará a aeronáutica; São Paulo, a nanotecnologia; São Carlos, os produtos químicos; e Ribeirão Preto, a produção de equipamentos médicos e hospitalares.

Nesse contexto, tem grande importância a lei de inovação atualmente em tramitação na Assembléia Legislativa – uma adaptação da lei maior recém-aprovada no Congresso -, em que pontos essenciais como o que fixa o regime de compras preferenciais pelo Estado, convertendo-o em motor da atividade inovativa na indústria, se mesclam a outros que requerem maior flexibilização e largueza, como o que obriga o repasse de tecnologias a processos licitatórios que, além de desnecessários, dificultarão as operações de transferência.

As universidades têm um grande papel nisso, já que elas são as principais geradoras de patentes tecnológicas no País. A Unicamp é hoje a instituição brasileira com maior número de patentes registradas e licenciadas, seguida da Petrobrás. Entretanto, o papel principal da universidade continuará sendo o de formar profissionais qualificados, enquanto à indústria cabe aumentar seu investimento em pesquisa e desenvolvimento – não é outra coisa o que fazem os países detentores das tecnologias de ponta -, o que implica necessariamente absorver um número muito maior de cientistas aptos a gerar inovação.

Ocorre que, dos aproximadamente 90 mil cientistas existentes no Brasil – para cuja preparação o País montou um importante sistema de pós-graduação que forma 6 mil doutores por ano, muitos deles aptos a produzir conhecimento na fronteira da inovação -, apenas 10% se encontram a serviço das empresas, ao contrário do que acontece nas economias avançadas. A criação dos pólos e a definição de uma lei de inovação avançada sinalizam que, finalmente, o Estado se coloca em situação de pôr em prática uma política de desenvolvimento capaz de juntar todos os atores envolvidos – a indústria inclusive – e de estimulá-los a assumir investimentos de risco.

No que concerne ainda às universidades, deve-se ressaltar a reativação mais que necessária, no curso do governo anterior, do Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia (o Concite), cuja principal agenda de discussão é hoje o Plano Diretor do Ensino Superior paulista e, nele, as questões essenciais da transferência de tecnologia, a geração de patentes e a definição de áreas estratégicas de pesquisa – além, naturalmente, da continuidade do esforço de ampliação de vagas nos cursos de graduação e de pós-graduação na USP, na Unicamp e na Unesp. É de observar que todos estes itens em pauta imbricam em projetos estruturais de desenvolvimento como o dos parques científicos e tecnológicos, seja pela proximidade interativa destes com os centros de ensino, seja porque dependerão, mais até que da infra-estrutura física, de mão-de-obra qualificada e criativa.

José Tadeu Jorge, engenheiro de Alimentos, é reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)