Tortelier rege Osesp com leveza à francesa

O Estado de S.Paulo - Quarta-feira, 14 de maio de 2008

qua, 14/05/2008 - 14h40 | Do Portal do Governo

O Estado de S.Paulo

Substituindo à última hora o maestro Michel Plasson, que cancelou a sua vinda ao Brasil, Yan-Pascal Tortelier – o filho do grande violoncelista Paul Tortelier – dirigiu, na semana passada, à frente da Osesp, o primeiro de dois programas dedicados a autores franceses. E nos proporcionou uma demonstração das melhores qualidades da regência francesa: clareza, senso de proporção, elegância, leveza de mão.

Combinando flauta, xilofone, harpa, celesta e cordas divididas, Laideronnete, a Imperatriz dos Pagodes – inspirado em um conto da condessa d’Aulnoye – é um dos mais espetaculares exemplos da arte de orquestrador de Maurice Ravel. Desenrolar essa tapeçaria feérica de timbres e coloridos que é a suíte do balé Ma Mère l’Oye (Mamãe Gansa), alusivo a alguns dos mais famosos contos de fadas da tradição francesa, exige o refinamento e a suavidade de toque com que Tortelier soube tratar essa partitura.

Seja nas misteriosas texturas da Pavana da Bela Adormecida, seja no tema encantador confiado à clarineta que, nas Conversas da Bela com a Fera, acaba por ceder às súplicas do contrabaixo, os músicos da Osesp fizeram uma excelente recriação da magia ingênua desse mundo de faz-de-conta. A marcha do Pequeno Polegar, com suas ondulantes modificações rítmicas, ou a apoteose final do Jardim Feérico demostraram como é possível ser entusiasmadamente retórico, sem perder a delicadeza de tom.

Um problema estilístico, bem resolvido por Tortelier, na interpretação da Sinfonia Espanhola op. 21, de Édouard Lalo, é como realizar a sua intenção de referir-se aos ritmos ibéricos da seguidilla, da jota, da moresca, da malagueña, sem cair nos excessos do pitoresco de pacotilha. Nisso ele contou com a colaboração de Kuba Jakowicz, cujo virtuosismo, tanto nas improvisações livres do Scherzando quanto nos ágeis ritmos sincopados do Rondó-Allegro final, é inegável; mas não perdeu de vista em momento algum a idéia – que remonta ao modelo berlioziano no Haroldo na Itália – de que esta suíte em cinco movimentos é escrita para orquestra ‘com violino solista’. Sóbria, bem integrada, a leitura da Espanhola destacou-se como um exemplo de compreensão da linguagem do romantismo tardio francês, que Tortelier fez soar muito distinto das texturas impressionistas de Ravel.

Dedicada a Franz Liszt, que acabara de morrer, a Sinfonia n.º 3 em dó menor op. 78, de Camille Saint-Saens, é uma das páginas mais imponentes do repertório orquestral francês. O rigor formal dessa peça cíclica de orquestração densa, e de eloqüente gravidade, constituiu, graças ao tratamento nobre que ela recebeu de Tortelier, o encerramento perfeito para o concerto de quinta-feira. O uso do órgão, como um pedal para a meditativa melodia do Adagio, ou conduzindo a grandiosa fuga do Finale, dá um colorido majestoso à peça – assim como o piano, cujas impetuosas intervenções fazem ainda mais cintilantes as precipitações rítmicas do Scherzo. Desde o desenho nas cordas que dá início ao Adagio-Allegro moderato, e estabelece a forma cíclica da peça, até a triunfante apoteose do Finale, Yan-Pascal Tortelier construiu com segurança o amplo arco da Sinfonia com Órgão, com um preciso acúmulo de tensão a que as forças da Osesp responderam da forma mais entusiástica possível.