Tiras no museu

Revista Veja - Edição 2038/ 12 de dezembro de 2007

seg, 10/12/2007 - 18h56 | Do Portal do Governo

Revista Veja

Em um pequeno ateliê no subsolo do Museu de Arte de São Paulo (Masp), os alunos têm cinco minutos para criar um esquete teatral. Após a escolha do figurino, três deles são eleitos para improvisar uma rápida cena de Romeu e Julieta, de Shakespeare. Um diálogo que era para ser romântico ganha versão inusitada quando o protagonista usa um jargão típico de sua profissão: “Positivo, Julieta!”. A turma formada por vinte policiais militares cai na risada, mas o esforço do trio é reconhecido e aplaudido. O que aparenta ser apenas uma brincadeira faz parte do Programa de Acompanhamento e Apoio ao Policial Militar, criado em 2002 para auxiliar no combate ao stress relacionado a ocorrências de alto risco ou provocado por problemas familiares. Em média, 1 400 policiais são avaliados anualmente por psicólogos da PM. Cerca de 700 recebem orientação para entrar no programa, que dura dezessete dias. As oficinas do Masp são supervisionadas por artistas plásticos. Além de participarem dos esquetes teatrais, os PMs pintam com tinta guache, desenham com lápis de cor, criam esculturas e, claro, observam as obras expostas nos corredores.

O programa inclui aulas de nutrição, educação física, teosofia e arte-terapia no Centro de Assistência Social e Jurídica da PM. Nas dinâmicas de grupo, é comum surgirem histórias dramáticas. A soldado Juliana Marcelino, de 29 anos, estava saindo de casa, fardada, quando foi abordada por um assaltante, há dois meses. Reagiu. Na troca de tiros, foi atingida na perna e, após seis disparos, ficou sem munição. Deitada no chão, Juliana viu o homem se aproximar e apontar a arma para seu rosto. “Ele disse que ia me matar”, lembra. “Mas desistiu e fugiu com meu carro.” Ao contar sua história para os colegas, a soldado percebeu que outros viviam angústia semelhante. “O policial tem o hábito de não demonstrar que enfrenta problemas”, afirma o sargento Jorge Luiz, com dezenove anos de carreira na PM. “Aqui você percebe quanto está abalado.” Ao estacionar o carro, fora de seu horário de trabalho, ele foi abordado por dois homens armados. Reagiu e baleou um dos assaltantes. O outro fugiu.

Há quem seja encaminhado para o psicólogo depois de uma ação violenta e passe a freqüentar o programa de acompanhamento por outros motivos. Foi o caso do soldado Ricardo Ramos. Ele estava em patrulha quando localizou um veículo roubado. Ao perceber a aproximação do policial, o assaltante acelerou e, durante a perseguição, perdeu o controle do carro e bateu. Houve um tiroteio e o PM acertou o ladrão, que morreu no pronto-socorro. “Não tive nenhum trauma por causa disso”, diz Ramos. “Mas a psicóloga identificou uma fonte de stress ligada a problemas familiares.”

De acordo com o regimento interno da PM, todo policial envolvido diretamente em uma situação de risco deve ser encaminhado para avaliação. Uma comissão formada por oficiais e psicólogos decide se ele está apto para seguir no trabalho ou se deve fazer um estágio no programa anti-stress. Como os selecionados são obrigados a participar, muitos ficam contrariados. “No início, sempre há uma resistência”, conta a policial Solange Rosa da Silva, psicóloga e professora das aulas de arte-terapia. Há quem procure o curso por iniciativa própria. “Estava tendo insônia e alguns sintomas depressivos”, conta o sargento Caio Moura. O comando da polícia incentiva esse tipo de participação. “Todo PM com algum tipo de problema pode vir até aqui e nos procurar”, avisa o tenente-coronel Wilson de Souza Lima, chefe do Centro de Assistência Social e Jurídica da PM. E numa dessas, de quebra, pode se tornar um amante da arte e novo freqüentador do Masp.