Tintas mudam a vida de soropositivos

Jornal da Tarde

seg, 01/06/2009 - 9h49 | Do Portal do Governo

Aulas semanais de arteterapia ajudam portadores de HIV a superar a depressão

Numa sala arejada, um homem com cabelos penteados e óculos de aros finos se concentra para reproduzir, em aquarela, uma natureza morta. “Me empresta o amarelo”, pede a outros integrantes. Alguns estão concentrados, outros conversam em voz alta e ninguém o ouve. “O amarelo, por favor?”, insiste em vão, até que a instrutora do grupo pega uma bisnaga da cor que ele pediu.

Era segunda-feira, 25 de maio, mais um dos encontros semanais do grupo de oito portadores de HIV em tratamento no Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids da Secretaria de Estado da Saúde. Longe de hospitais, eles estavam no Museu Lasar Segall, na zona sul da capital, para mais uma sessão de arteterapia, que funciona lá desde 2005.

A oficina de aquarela foi uma forma para dar tranquilidade a essas pessoas que, além de soropositivas, têm distúrbios psicológicos. Algumas com ansiedade ou depressão. Outras com algo mais sério. A psicóloga do grupo, Maria Urbanovick, prefere definir como “sofrimentos mentais”.

Imagine como é, para uma pessoa com algum desses problemas, receber a notícia? Como os integrantes do grupo têm mais de 40 anos, alguns pegaram a fase dos anos 80 em que o preconceito e a desinformação eram grandes e os coquetéis de drogas (que permitem uma vida quase normal) ainda não existiam.

“Muitos entram em crise”, diz a psicóloga. “E passam a se desvalorizar.” Daí a ideia de juntar essas pessoas e usar a arte para que expressem seus sentimentos.

Sandra Vasseur, de 56 anos, teve a doença diagnosticada em 1989. Ela pinta quadros em que há pessoas de todos os sexos e etnias de mãos dadas com a palavra paz escrita em vários idiomas. No seu imaginário, o mundo não tem o preconceito que ela diz ver até hoje. “Muitos somem e poucos ficam”, diz a ex-hippie, que vendia peças de couro na Praça da República. Sorridente, não tem receio de se mostrar – ao contrário do homem da tinta amarela. Com a pintura, muitos resolveram os conflitos pessoais – mas poucos curaram os traumas com o mundo. “O HIV tem um peso muito grande para a humanidade”, diz.

O ex maître Carlos Sá, de 45 anos, entrou em depressão em 1998. Sem os medicamentos, tornou-se alvo fácil de doenças infecciosas. “Tive ‘tb’, ‘sk’ e candidíase”, diz, referindo-se à tuberculose e ao sarcoma de Kaposi. “Em um mês de internação, perdi 30 quilos.” Hoje mora sozinho e dá aulas de pintura para portadores de HIV em Diadema. Sua filha, de 24 anos, formou-se em Assistência Social e trabalha com soropositivos. Sá, que é aposentado, dedica-se quase que totalmente à pintura. “Quando não estou aprendendo, estou ensinando.”

No fim do ano e em datas especiais, os alunos expõem no museu. “Alguns conseguem vender quadros”, diz a psicóloga, Maria.

Para Sandra, o mais importante foi encontrar na arte uma forma de aceitar sua condição. “Não fico me sentindo uma pobre coitada, me trato com dignidade. A mala que Deus me deu”, diz, usando novamente uma metáfora para se referir à Aids, “eu enfeitei e coloquei rodinhas.”