Sugestão do Chef: Entrada – As aulas de cozinha da Febem

Jornal da Tarde - 11/9/2003

qui, 11/09/2003 - 12h03 | Do Portal do Governo

Um prato exótico para os internos da Febem: aprender a cozinhar com o renomado chef Roberto Ravioli – e, quem sabe um dia, trabalhar em um restaurante famoso

Por Isadora Grespan


Jornal da Tarde – Quinta-feira, 11 de setembro de 2003

Pegue um punhado de boa vontade e bata vigorosamente até ganhar consistência. Acrescente porções individuais de determinação, empenho e interesse. Junte pequenas doses de disciplina e leve tudo ao forno. Finalize com generosas pitadas de conhecimento.

Voilá! Está pronta a receita do chef Roberto Ravioli – do conceituado restaurante paulistano ‘Empório Ravioli’ – para ensinar a internos da Febem o seu ofício. ‘Começamos o curso no dia três de junho, uma terça-feira’, conta, com precisão, Diego, que atualmente está em regime de liberdade assistida, depois de seis meses recluso.

Todas as terças e quintas-feiras, Diego e outros quatro adolescentes ficam duas horas sob o olhar atento de Ravioli, com quem aprendem a fazer iguarias da cozinha nacional e internacional.

Os pratos – que depois de prontos são servidos aos clientes – incluem desde o tradicional espaguete ao sugo até sobremesas sofisticadas, como o tiramisu. ‘É um doce feito com queijo importado, o mascarpone, bolacha champanhe e café amargo’, diz Rafael.

Além de formação teórica e prática de cozinha, explica Ravioli, os meninos estão tendo noções de higiene, compra, estoque, processamento de alimentos e até de gerenciamento de escritório.

Às nove horas, Jair, Henrique Carlos, Diego, Rafael e o outro Diego já vestiram o uniforme de trabalho para colocar, literalmente, a mão na massa.

‘Na época da guerra, os europeus aproveitavam tudo o que era sobra’, conta Ravioli para os alunos. ‘Vocês sabem, resto é aquilo que fica no prato e que tem que ser jogado fora. Sobra é comida que pode ser reaproveitada’.

A nova lição logo é posta em prática. Com a faca de serra nas mãos, Jair é encarregado de cortar o pão italiano, que em seguida irá para o moedor. ‘Foi assim que ensinei a fatiar?’, pergunta o mestre, mostrando o jeito correto.

‘Os dedos têm que ficar escondidos, porque diminui-se a chance de se ferir.’

Aplicado, Jair se corrige e, curioso, pergunta o que será feito dos pedaços moídos. ‘Vamos fazer um nhoque, o mesmo que eu servi para Luciano Pavarotti quando ele veio ao Brasil, em 1991’, diz Ravioli. Os adolescentes olham desconfiados, quase duvidando que daquele farelo insosso sairá um delicioso prato.

Enquanto Rafael e Diego cuidam do nhoque, o chef avisa que é hora de ‘bater o paillard’, um tipo de grelhado que geralmente acompanha as massas.

Jair logo se candidata. ‘Primeiro você pega a carne, enrola no papel filme e bate até ficar bem fininha’, explica. ‘Depois, você congela o filé, que também pode ser usado para fazer a polpeta, que é mais conhecida como bife a roule.’

A aula termina e é chegado o momento mais esperado pelo grupo: o de experimentar as iguarias preparadas na aula. No almoço, os adolescentes comentam o que já estão colocando em prática. ‘Esses dias, fui chamado para fazer um pão de lingüiça em um evento da Febem’, conta, orgulhoso, Jair. ‘Eu também fiz a receita para a minha mãe, que adorou’, rebate Henrique Carlos.

No próximo encontro, eles têm uma tarefa difícil: levar uma sugestão de cardápio completo. A receita o chef não diz, mas dá a dica: ‘Criatividade para mesclar o que aprenderam aqui e com o que comem em casa’.