SP reduz em 50% falta de professor às aulas

Valor Econômico - Segunda-feira, 26 de maio de 2008

seg, 26/05/2008 - 12h43 | Do Portal do Governo

Valor Econômico

Um grupo barulhento de meninas, cujas idades variam entre 13 e 16 anos, está sentado no pátio da escola estadual João Vieira de Almeida, na Vila Maria, zona norte de São Paulo, em uma manhã de quinta-feira. Elas aproveitam o intervalo para fofocar e paquerar. A reportagem do Valor se aproxima e pergunta sobre as aulas, um tema pouco popular naquele momento, mas as adolescentes aceitam conversar. Questionadas se os professores estão faltando menos no último mês, elas respondem com um sonoro “sim”, quase em coro. 

A resposta unânime demonstra que está evidente para os alunos a redução do absenteísmo dos professores, provocada pelo decreto do governador José Serra, de 17 de abril, limitando em seis o número de faltas justificadas com atestado médico por servidor público por ano. Além disso, o número de atestados não pode ultrapassar um por mês. Anteriormente, não havia limite e nem desconto na folha de pagamento para faltas, desde que devidamente justificadas. 

Levantamento inédito da Secretaria de Educação do Estado aponta queda expressiva nas faltas dos professores nos 30 dias após a publicação do decreto. Em 10 das 12 escolas da capital que mais registravam ausências com atestado médico, o absenteísmo recuou mais de 50% na comparação entre o mês de março e o intervalo de 17 de abril a 17 de maio. Na Escola Estadual João Vieira de Almeida, campeã em faltas com atestado médico, a queda foi de 70% no período, passando de 56 para 17. Ainda assim, durante a visita de cerca de duas horas que o Valor fez à escola, duas turmas estavam sem aula, porque os professores das disciplinas de geografia e ciências faltaram. 

“No ano passado, eu quase não tive aula de matemática de tanto que o professor faltava. Este ano melhorou”, contou Jéssica Sales, aluna da oitava série. Para Larissa Laleska, que também cursa a oitava série, as licenças também atrapalham muito porque o professor substituto não segue com a mesma matéria. “Às vezes é bom não ter aula, mas ficar totalmente sem matéria é complicado”, disse, com franqueza, o aluno Guilherme Nobre, 14 anos. Ele também confirmou que os professores estão faltando menos este ano, com exceção do de geografia, que “nem vi direito”. 

Essa é uma das mudanças introduzidas pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo este ano e que provocam polêmica entre o governo e os professores. Outras medidas tão importantes quanto controversas são atrelar a remuneração do professor ao desempenho qualitativo da escola e harmonizar o ensino na rede estadual através da utilização de apostilas que funcionam como guias para as aulas. 

“Quando o professor falta, a adaptação do substituto demora e o ritmo da turma cai. A educação é uma construção cotidiana”, disse ao Valor Maria Helena Guimarães de Castro, secretária de Educação do Estado de São Paulo, que ocupa o cargo desde julho de 2007. “Temos uma enorme rotatividade de professores, o que é um problema, porque as crianças perdem o fio da meada”, afirma. 

Ela faz questão de ressaltar que a maioria dos professores não falta. Dos 240 mil mestres da rede pública estadual, a secretaria calcula que 32 mil faltam regularmente, o que significa 13% do total. Para Maria Helena, boa parte dos professores está a favor da medida do governo paulista, porque as ausências prejudicam o funcionamento da escola. Ela afirmou que não sentiu resistência dos sindicatos contra o decreto do governador José Serra (PSDB). 

“O decreto veio a nossa revelia. Apesar de estarmos em campanha salarial, o governo nem nos recebeu”, discordou Carlos Ramiro de Castro, presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo. “Reduzir o número de faltas por atestado não vai resolver o problema. Desse jeito, parece que a responsabilidade pelas falhas na educação pública é do professor.” Para o sindicalista, o governo estadual deveria estimular o professor com salário mais alto. O piso da categoria está em R$ 688 e chega a R$ 930 com as gratificações. “Estamos sem reajustes há três anos”, disse o sindicalista. 

Castro reconheceu que as faltas prejudicam as escolas, mas argumentou que os mestres enfrentam jornadas estafantes e situações de estresse com indisciplina e violência em classe. Ele disse que o sindicato está conversando com a Secretaria de Gestão Pública e com um médico especialista em saúde do trabalhador para convencer os deputados da Assembléia Legislativa a aprovar uma nova lei sobre o assunto. 

Depoimentos de alguns professores de escolas da rede estadual, ouvidos pelo Valor sob a condição de anonimato, estão mais em linha com a visão apresentada pelo sindicato. “De vez em quando, dou uma falta porque não aguento o estresse”, disse uma professora. Os relatos são de indisciplina em classe e ameaças de violência. “O governo parte da premissa que o aluno está desejoso do saber. Tem uma visão do aluno que não é realidade”, disse outra professora. Ela defendeu a presença de psicólogos nas escolas porque há casos de crianças em liberdade assistida e outras com pais e até mães na cadeia. 

Uma professora de educação artística reclamou do guia para as suas aulas, distribuído pelo governo. “Eles prevêem utilização de vídeo, playback, instrumentos musicais, mas cadê o material?”, diz. A professora de português diz que os textos são longos e exigem cópias para cada aluno. “Como vou fazer isso? Com o meu dinheiro?”, questionou. A avaliação desse grupo de professores é que as idéias do governo estadual são boas, mas estão distantes da realidade atual das escolas. 

De acordo com Maria Helena, o objetivo das apostilas é funcionar como um guia, para harmonizar os currículos entre as escolas, sem limitar a criatividade dos professores. Através desse material, o governo tenta resolver um problema aparentemente simples, mas grave, nas escolas que é a falta de padrão, que dificulta até a transferência de aluno entre escolas. 

Alice Helena Campos Pierson, professora de metodologia do ensino da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), diz que a política atual da secretaria deixou em uma situação delicada quem trabalha com formação de professores. “Os alunos nos questionam porque são incentivados a discutir abordagem e metodologia”, disse. Alice comparou o material do governo às apostilas dos sistemas estruturados de ensino, como os cursinhos. “Existe um nível de direcionamento grande. O governo corre o risco de perder uma boa proposta pelo processo”, disse a educadora. 

Outro pilar importante da política do governo paulista para educação é o pagamento vinculado ao desempenho. De acordo com a secretaria, entre 60% e 70% da remuneração variável dos professores vai depender da evolução qualitativa da escola a partir deste ano. O restante levará em conta critérios como assiduidade e reprovação. 

O avanço das escolas na qualidade do ensino será medido através do Índice de Desenvolvimento de Educação do Estado de São Paulo (Idesp), divulgado recentemente. O indicador é calculado com base nas notas dos alunos em provas feitas para o Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) e no fluxo escolar, que é a quantidade de tempo que o aluno leva para concluir cada ciclo de ensino. 

Além do objetivo geral – que estabelece que 90% das escolas alcancem nível sete para o ensino fundamental, seis para 5ª a 8ª séries, e cinco para o ensino médio até 2030 – cada escola terá uma meta particular todos os anos. É com base nesse resultado que serão calculadas as gratificações dos professores. 

Depois da mudança das regras e da constatação do excesso de faltas, a diretora da escola João Vieira de Almeida, Vera Lúcia Copola, interrompeu as férias para uma reunião de urgência com a equipe de cem profissionais. “Os professores ficaram assustados. Mexeu um pouco com todo mundo”, reconhece a diretora, que assumiu o cargo no fim do ano passado. 

Com a ajuda da vice-diretora, Daniela Torres, que está na escola há sete anos, Vera tenta com poucos recursos diagnosticar os problemas e motivar os professores da escola, que foi fundada em 1925 e, provavelmente, já teve dias melhores.