SP quer os bichos soltos

O Estado de S. Paulo - São Paulo - Quinta-feira, 30 de dezembro de 2004

qui, 30/12/2004 - 9h28 | Do Portal do Governo

Estado lançará nos próximos dias programa especial para reintroduzir em seu hábitat animais apreendidos

Herton Escobar

Imagine que você é seqüestrado dentro de casa e levado para um cativeiro. Depois, tem a sorte de ser libertado pela polícia; só que, em vez de voltar para casa, é jogado em uma cela ou largado em algum terreno baldio. Essa é a história de muitos animais silvestres retirados da natureza no Estado e vendidos no comércio ilegal. Mesmo quando são apreendidos pelas autoridades ambientais, poucos conseguem retornar ao seu hábitat. A maioria fica o resto da vida na gaiola ou é libertada em florestas e parques pelos donos sem os cuidados necessários.

Em uma tentativa para contornar o problema, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente deve lançar nos próximos dias o Programa de Proteção à Fauna Silvestre do Estado de São Paulo, cujo objetivo principal será a reintrodução de animais apreendidos na natureza. O formato do projeto será definido por uma comissão interdisciplinar, com representantes de órgãos estaduais, Polícia Ambiental e comunidade científica. ‘Precisamos desenvolver condições para que os animais capturados sejam preparados e devolvidos para a vida silvestre e não colocados em depósitos, onde muitas vezes acabam morrendo’, diz o secretário estadual de Meio Ambiente, José Goldemberg.

Os poucos centros habilitados para receber animais silvestres apreendidos no Estado estão lotados. O Zoológico suspendeu o recebimento em 2001. ‘Não temos espaço nem capacidade operacional para abrigar esses animais indefinidamente’, explica o diretor-presidente da Fundação Parque Zoológico de São Paulo, Paulo Bressan. ‘O volume de apreensão é grande e o acúmulo acaba impossibilitando um tratamento adequado.’ Alguns dos animais recebidos antes de 2001, segundo ele, estão no zôo há mais de 20 anos. ‘Muitas vezes o inquérito policial já acabou, mas o bicho continua aqui’, conta. ‘Não podemos transformar essas instituições em depósitos.’

O Centro de Recepção de Animais Silvestres (Cras) no Parque Ecológico do Tietê continua recebendo animais, mas trabalha com lotação esgotada na maior parte do tempo. Esta semana mesmo, teve de recusar um lote de mais de 80 pássaros apreendidos pela Polícia Ambiental que acabou sendo levado para um criador particular em Jacareí.

O centro está com mais de 1.200 aves, das quais pouquíssimas terão a oportunidade de voltar à natureza. ‘Quase nada vai para soltura. A maioria é transferida para criadores autorizados’, relata o biólogo Gabriel Henrique Mendonça Cardoso. ‘É um stress muito grande para os animais.’

PLANEJAMENTO

Para que um bicho possa ser devolvido à natureza, é preciso ter um estudo detalhado sobre a área de soltura para saber quais são as espécies presentes e se o animal terá condições de se adaptar sem causar algum desequilíbrio ecológico – por exemplo, competindo por recursos com espécies locais. Cada soltura precisa ser autorizada pelo Ibama.

Esse processo, porém, raramente é executado. ‘Há a necessidade de estabelecer uma política de fauna’, afirma Bressan. Segundo ele, há conhecimento técnico suficiente nas instituições para fazer a recuperação e a reintrodução dos animais na natureza. Nunca houve, entretanto, condições para reunir esse conhecimento e desenvolver uma linha de atuação, com protocolos específicos para cada espécie.

A proposta do programa estadual, segundo Goldemberg, é justamente criar um processo desse tipo, de modo que os animais sejam devolvidos à natureza e abram vagas para novas apreensões. A resolução que cria a comissão deve ser publicada nos próximos dias. O programa será executado pela Fundação Florestal, pelo Instituto Florestal e pelo Zoológico.

Os animais mais apreendidos costumam ser passarinhos, papagaios, tartarugas e sagüis, vendidos ilegalmente em feiras e beiras de estrada. Os capturados mais jovens são os casos mais complicados, pois precisam aprender comportamentos básicos de sobrevivência para que possam ser devolvidos à natureza.

Outro enfoque do programa deverá ser sobre a educação da população com relação ao comércio ilegal de fauna silvestre. ‘Sem um projeto educativo de esclarecimento, dificilmente vamos conseguir solucionar o problema’, aponta Bressan. ‘Enquanto houver demanda, vai ter gente para fornecer esses animais.’

GOVERNO ESTADUAL ASSUME DUAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

CERVO: Duas unidades de conservação criadas em caráter de compensação ambiental pela instalação de uma hidrelétrica no Pontal do Paranapanema, em 1998, deverão finalmente passar para o poder do Estado nas próximas semanas. Os Parques Estaduais do Aguapeí e do Rio do Peixe somam 17 mil hectares e são peças centrais no esforço de preservação do cervo do pantanal, que, segundo algumas estimativas, pode desaparecer do Estado nos próximos quatro anos.

As unidades foram criadas em contrapartida às áreas inundadas pela Companhia Energética de São Paulo (Cesp) para a Usina Hidrelétrica Sérgio Motta, mas nunca foram transferidas para a Secretaria de Meio Ambiente. A pendência só está sendo resolvida agora, com a publicação de decretos oficializando a transferência. ‘Significa dizer que no início de janeiro o Estado passa a assumir efetivamente essas duas unidades de conservação’, disse o assessor técnico Hélio Ogawa, do Instituto Florestal. ‘Demorou para acontecer, mas finalmente estamos tomando ritmo para finalizar esse processo.’

No plano de manejo, o cervo deverá ser uma das preocupações centrais. Rebatendo críticas, a Cesp informou que continua a cumprir seus compromissos para monitoramento e preservação da espécie nas áreas afetadas.