SP já tem mil pacientes ‘desinternados’

Folha de S. Paulo - 18/5/2003

seg, 19/05/2003 - 8h55 | Do Portal do Governo

Aureliano Biancarelli


Estado substitui hospitais psiquiátricos por lares que reintegram doentes mentais à vida urbana

O Estado de São Paulo já tem cerca de mil pacientes mentais que deixaram os hospitais e estão morando em ‘pensões protegidas’ ou ‘residências terapêuticas’. São 82 ‘lares abrigados’, com até oito pessoas em cada um.

Eles continuam sendo acompanhados pelos ambulatórios de saúde mental ou nos Caps, os Centros de Atenção Psicossocial. A diferença é que deixam de ser doentes internados para se transformarem em pacientes ambulatoriais, incluídos na vida da cidade como qualquer outro cidadão.

Essa passagem, de internado para morador da cidade, é um dos princípios mais importantes da reforma psiquiátrica. A ‘desinternação’ dos pacientes e o consequente fechamento de leitos precisam ser acompanhados da abertura de serviços alternativos e ambulatórios, lembram os médicos.

Os números de São Paulo ilustram essa mudança de cenário. Oito anos atrás, em todo o Estado havia 80 hospitais psiquiátricos; hoje, são 60. O número de leitos caiu de 23.619 para 15.142.

Os ambulatórios de especialidades em saúde mental, que eram 70 em 1995, hoje são 112. O total de Caps passou de 12 para 110, aqui incluídos 22 para álcool e droga.

‘Além de significar a reinserção social e o resgate da cidadania do paciente, a substituição da internação pelas residências terapêuticas reduz os custos pela metade’, diz Mirsa Elisabeth Dellosi, coordenadora de saúde mental da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Com o dinheiro que se gastava com um, será possível cuidar de dois pacientes.

‘A secretaria continuará com o objetivo de reverter a segregação que durante um século foi imposta aos portadores de transtornos mentais’, diz Mirsa Dellosi.

Há outro fato que os especialistas apontam como importante, que é o aumento das associações de pacientes mentais e familiares. Segundo ela, em 1995 havia oito associações no Estado; hoje são 43. ‘Essas associações fazem o controle social e zelam pela qualidade dos serviços, como prega o próprio Sistema Único de Saúde.’
Há muita coisa ainda por fazer, lembra o psiquiatra Jonas Melman, coordenador da Associação Franco Basaglia. Segundo números da secretaria, dos 15.142 pacientes internados no Estado, 8.121 são ‘moradores’, ou seja, só continuam nos hospitais porque não têm para onde ir. ‘São pessoas com mais de um ano de internação, alguns com mais de 50 anos’, diz Mirsa Dellosi.

A maior concentração desses pacientes está no mais gigantesco hospital do país, o Juqueri, em Franco da Rocha, na Grande São Paulo. Segundo o Estado, os 1.261 leitos operacionais estavam ocupados, na sexta-feira, por 38 pacientes agudos, 1.156 por pacientes crônicos, e 67 estavam vagos.

Pela internação

O mesmo Estado que está na frente nas desinternações, também é pioneiro na construção de um hospital psiquiátrico modelo. Desde o ano passado o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas vem passando por uma ampla reforma, mudando as instalações e as práticas. Aos 50 anos de existência, o instituto está acabando com suas enfermarias escuras e trancadas com chave e suas camas de ferro parafusadas no chão. No lugar, já estão praticamente prontas enfermarias menores especializadas, com cores e iluminação estudadas. No novo instituto, pacientes circularão pelas áreas comuns e receberão familiares em ambientes que pouco lembram hospitais. As enfermarias especializadas evitarão que doentes de diferentes patologias ou crianças convivam em lugar comum. Com a reforma, o número de leitos passará de 104 para 210.