SP ensaia produção de hemoderivados

O Estado de S.Paulo - Quarta-feira, 8 de Junho de 2005

qua, 08/06/2005 - 11h55 | Do Portal do Governo

O Instituto Butantã vai começar projeto piloto para isolá-los do sangue. A idéia é ter aval do governo para construir uma fábrica

Adriana Dias Lopes

Em setembro o Instituto Butantã, em São Paulo, começa uma nova empreitada: isolar três tipos de hemoderivados do sangue – proteínas usadas como medicamentos essenciais – com uma técnica chamada cromatografia (veja ao lado). São eles: fator VIII e IX ( usados em hemofílicos) e proteína C (para septicemia). O segundo passo será isolar imunoglobulina, albumina e anti-tripcina.

O objetivo do Butantã é, na verdade, mais que aprimorar a tecnologia no País. Trata-se também de uma tentativa de cutucar o Ministério da Saúde para conseguir a permissão para construir uma empresa de hemoderivados na cidade. Cerca de 90% dos hemoderivados usados no País são hoje importados (vale lembrar a Operação Vampiro, de 2004, quando a Polícia Federal flagrou irregularidades na compra de hemoderivados).

O Brasil produz 100 mil litros por ano de plasma (a parte líquida do sangue, onde estão os hemoderivados) adequado para o uso, mas não tem capacidade industrial para isolar todos os tipos de proteínas do sangue.

No ano passado, foi sancionada a lei que aprova a criação da primeira empresa de hemoderivados no País, a Hemobrás. Ela será em Goiana, a 60 quilômetros do Recife (PE). ‘A construção da Hemobrás depende da tecnologia, mas a produção deve começar em 2009’, diz João Paulo Baccara, coordenador da Política Nacional de Sangue, do Ministério da Saúde. ‘Por enquanto, estamos discutindo o local do terreno.’

Mesmo com o ensaio clínico, o Butantã não pode produzir hemoderivados em larga escala porque não tem a permissão do governo. ‘Espero que meu teste sensibilize as autoridades’, diz Isaías Raw, diretor da divisão de Desenvolvimento Tecnológico e Produção do Butantã.

A permissão do governo para a produção dos hemoderivados em grande escala é fundamental porque quem estoca sangue no País são os hemocentros, instituições públicas. Cerca de 70% do plasma nacional está em hemocentros da região Sudeste, sendo 35% em São Paulo. ‘Queremos apenas ter o direito de também lidar com plasma em larga escala. Além de agora provar que temos tecnologia eficiente, temos mão-de-obra qualificada, projeto de construção da empresa e o governo estadual topa bancar a metade da fábrica’, argumenta Raw. ‘Proponho até ceder a técnica e o projeto de construção para Pernambuco. Em troca, quero a permissão para ter a fábrica.’

TÉCNICA IMPORTADA

O método de isolar as proteínas do sangue é motivo de outra discussão. De acordo com Baccara, não há chance de barganha. ‘Será aberta uma discussão no Ministério para a escolha do método. Mas, com quase toda certeza, ela será importada’, diz Baccara. As técnicas importadas pela Hemobrás deverão incluir o método de precipitação. ‘Não vamos usar a cromatografia em todo o processo. Ela nem é aprovada no Brasil’, diz Baccara. ‘Só existe a possibilidade de pensar em usá-la, se Raw apresentar o projeto registrado no País. Mas construir outra fábrica em São Paulo, impossível.’

Raw argumenta: ‘ A precipitação é inferior à cromatografia. Ela desperdiça uma série de proteínas, muitas não agüentam baixas temperaturas’. ‘Além disso,é registrado na Europa e na Austrália e é inclusive usada por uma das empresas que vende hemoderivados ao Brasil. E mais: com o ensaio clínico posso pedir a patente. O tempo para isso deve ser menor que o da construção da fábrica.’

O objetivo da escolha de Pernambuco para a construção da fábrica, de acordo com Baccara, é desconcentrar conhecimento. Em relação ao fato de que grande parte do plasma está no Sudeste, Baccara responde: ‘Pernambuco tem qualidades que compensam os gastos com transporte do plasma até o Nordeste, como água e ar puros.’