SP antecipa receita de suas estradas

Valor

qua, 09/06/2010 - 8h01 | Do Portal do Governo

FIDC com recebíveis da concessão da Autoban e outras renderá R$ 700 milhões ao governo

Não são apenas as empresas e os bancos que estão um busca do adiantamento de recursos via fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC). O governo de São Paulo, por meio do Departamento de Estradas e Rodagens (DER), começa a apresentar a investidores um FIDC que pode acabar adiantando ao Estado R$ 708 milhões em valores devidos por empresas que ganharam em 1998 contratos para explorar rodovias paulistas por 20 anos.

Em vez de esperar por oito anos para receber o valor restante das outorgas das estradas – que seriam pagas de janeiro de 2011 a 2018 – São Paulo vai vender esse direito de recebimento para um fundo de investimento cujas cotas serão compradas por investidores. Na prática, em seu último ano de mandato, o governo atual poderá, assim, investir recursos que, de outra forma, só estariam disponíveis nas próximas gestões. Para o investidor, o ganho vem da aplicação de uma taxa de desconto sobre os recebíveis, que se reverte em remuneração do capital aplicado.

Segundo dados do prospecto do fundo, serão colocados dentro dele, valores atuais, o equivalente a R$ 1,1 bilhão em recebíveis das concessionárias Autoban e ViaOeste – ambas controladas pela Companhia de Concessões Rodoviárias (CCR) – e Intervias, Centrovias e Autovias, da OHL Brasil. A maior parte do fundo deve ser composto por papéis da Autoban, a maior das concessionárias, que poderá responder por até 81,3% do total.

Pela cessão desse pacote de recebíveis, o governo vai ganhar R$ 708 milhões. A diferença se deve ao desconto pela antecipação à vista dos recursos que os investidores farão ao governo e também para remunerar o risco de inadimplência das concessionárias, que passa a ser assumido pelos investidores.

O governo está oferecendo aos cotistas do fundo dois tipos de remuneração: para a 1ª série, a variação da taxa do depósito interfinanceiro (DI) mais 3,2% ao ano, e para a 2ª série, a variação da inflação medida pelo IPCA mais uma taxa de juros ainda não definida. Esses valores ainda estão sujeitos à demanda dos investidores.

Como as outorgas pagas pelas concessionárias ao governo são reajustadas segundo a variação da inflação medida pelo IGP-M e a rentabilidade que o fundo vai pagar é atrelada ao DI ou ao IPCA, indexadores mais usualmente pedidos pelos investidores, o fundo poderá fazer operações de derivativos para buscar casar as taxas. O Valor apurou, porém, que há instituições financeiras também interessadas em comprar cotas atreladas ao IGP-M.

Para amortecer eventuais perdas, o governo ficará com uma classe especial de cotas, as subordinadas. Elas funcionam como uma espécie de colchão em caso de inadimplência. Se alguma concessionária não pagar a outorga, por exemplo, quem vai sofrer o prejuízo em primeiro lugar é o Estado de São Paulo. O fundo manterá uma gordura de 13% em cotas subordinadas em relação ao seu patrimônio líquido.

Com os recursos captados, o objetivo de São Paulo é investir na implantação, duplicação e recuperação de rodovias como a Tamoios, estrada que há muitos anos o governo promete duplicar, e da SP 320, conhecida como Euclides da Cunha, que vai de Mirassol à divisa com o Mato Grosso do Sul. O fundo vai bancar fatia relevante dos R$ 2,6 bilhões em investimentos previstos pelo DER neste ano. Em 2009, foram R$ 2,4 bilhões.

Até hoje a operação de antecipação de recursos via FIDC era mais comum para empresas de saneamento do governo, como a Sabesp, de São Paulo, e a Caesb, do Distrito Federal. Mas o governo paulista já fez um teste em 2008 com um FIDC de R$ 150 milhões da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, sendo que o BNDES ficou com R$ 75 milhões em cotas.

Segundo o Valor apurou, o governo estuda outras formas de antecipação de recursos via fundos de recebíveis, mas são poucas as opções. Uma delas seria a oferta de fundos que comprassem a dívida ativa, valores devidos ao Estado, principalmente em tributos. Procurada pela reportagem, a Secretaria da Fazenda de São Paulo, responsável pela montagem da operação, informou que não concederia entrevista para detalhar a venda dos recebíveis gerados pela outorga.

Para escolher a instituição responsável pela estruturação e distribuição do fundo do DER, o Estado fez um pregão eletrônico, do qual o banco Santander saiu vencedor. A gestão ficará a cargo da Pentágono, do Rio de Janeiro.

Entenda

Em 1998, o governo de São Paulo decidiu repassar um conjunto de 12 estradas, ou 3,5 mil km, para a iniciativa privada como forma de acelerar os investimentos em infraestrutura no Estado. As empresas vencedoras do processo licitatório pagariam ao Estado uma outorga pela exploração das rodovias ao longo de 20 anos, ao mesmo tempo em que poderiam cobrar o pedágio dos usuários para recuperar seus investimentos. Segundo informações do Departamento de Estradas e Rodagem, de março de 2008 a fevereiro de 2010, as concessionárias investiram R$ 10,8 bilhões. Elas também pagaram outros R$ 3,9 bilhões em outorgas a São Paulo, valor que foi usado em rodovias não-concedidas. Como as empresas vencedoras da licitação ainda vão pagar a outorga por mais 10 anos – até o fim da concessão – , o Estado decidiu antecipar parte dessa receita vendendo os recebíveis de cinco concessionárias dos grupos CCR e OHL para investidores por meio de um fundo.