Sem concessão à crise

Folha de S.Paulo - Sexta-feira, 31 de outubro de 2008

sex, 31/10/2008 - 11h57 | Do Portal do Governo

Folha de S.Paulo

O BEM-SUCEDIDO leilão de mais um lote de rodovias paulistas traz um pouco de alento numa quadra difícil para a economia. Pela operação, cinco estradas receberão, ao longo de 30 anos, investimentos de R$ 8 bilhões: Dom Pedro 1º, Ayrton Senna/Carvalho Pinto, Raposo Tavares e Marechal Rondon.

O modelo adotado pelo governo do Estado foi híbrido. Manteve o mecanismo, que prevaleceu nas privatizações anteriores, da outorga onerosa -remuneração que a empresa paga pelo direito de operar a estrada. Mas, inspirando-se nas concessões federais do ano passado, incluiu também o critério de menor pedágio para determinar o vencedor.

Pela outorga, o governo obteve R$ 3,4 bilhões, que promete utilizar em outras obras viárias. Na competição para baixar a tarifa do pedágio, obtiveram-se deságios de 6% a 55%. A tarifa média para o usuário será ao menos 30% inferior à vigente na malha paulista privatizada na década passada -sob condições econômicas e fiscais acentuadamente piores que as de hoje.

Alguns avanços contratuais também foram introduzidos, como a escolha de um índice de inflação ao consumidor, o IPCA, como base para reajustes. Antes prevalecia o IGP-M, muito suscetível a variações do dólar.

A expectativa de obter financiamentos de bancos estatais, como o BNDES e a Nossa Caixa, decerto deu mais segurança aos investidores. Mas não haveria, em tempo de incerteza global, tantos grupos interessados nas rodovias paulistas -nove fizeram propostas- se a natureza do negócio não fosse muito atrativa.

Investimentos de longo prazo na infra-estrutura brasileira continuam sendo altamente promissores para a iniciativa privada. Multiplicar e acelerar programas de concessões nessa área é um recurso óbvio para evitar gargalos e ampliar a capacidade produtiva da economia. Infelizmente, o governo federal não demonstra dificuldade apenas para executar o PAC dentro do cronograma. Retarda, sem justificativa, ações para atrair investimentos privados em áreas vitais.

O caso dos portos é um dos mais graves. O setor necessita, nos próximos cinco anos, de R$ 19 bilhões para elevar a capacidade de exportação no Brasil de 750 milhões para 1 bilhão de toneladas anuais. Apenas ontem, após seis anos de governo, foi assinado decreto que abre a possibilidade de empresas privadas construírem e operarem novos portos públicos sob concessão.

No setor aéreo, a incerteza continua. Sucederam-se promessas de reformas e de investimentos, como a construção de um terceiro aeroporto na Grande São Paulo ou a privatização de Viracopos (SP) e Galeão (RJ). De concreto, há apenas adiamentos e a revogação da licitação para o terceiro terminal de Cumbica, após sobrepreço apontado pelo Tribunal de Contas da União.

Países que deixam de fazer os investimentos necessários em infra-estrutura, mesmo em tempos de crise financeira, comprometem duplamente o seu futuro.