São Sebastião vai perder esta calma

Jornal da Tarde - Domingo, 7 de agosto de 2005

dom, 07/08/2005 - 15h35 | Do Portal do Governo

Obras devem ampliar o porto e trazer nova rodovia para a cidade que vive em paz há 503 anos

Valdir Sanches

Em São Sebastião, no Litoral Norte, presente de grego é suvenir. Vassilis Ary Patikas vende os presentes em sua loja, na avenida da praia, para a marujada que desce dos navios atracados no porto. Por estes dias, anda animado. Se tudo o que se anuncia para a cidade for confirmado, os negócios da loja crescerão muito.

Uma das novidades, divulgada pelo governo do Estado, é a ampliação do porto, criado há 80 anos. Nos últimos 30, a cidade ouviu promessas, nunca cumpridas, de que seria ampliado. Mas parece que agora vai.

No mesmo pacote, destinado a aumentar as exportações, o governo incluiu a construção ou melhora de rodovias que levam a São Sebastião e ao porto. As obras devem começar no fim do ano que vem.

Restou, de tudo, uma pergunta: a cidade de 503 anos resistirá a tanta novidade? O pequeno centro, espremido entre a montanha e o mar, tem imóveis tombados pelo patrimônio histórico. Hoje, caminhões transportando carros e máquinas para exportação passam entre a igreja de 1636, de um lado, e a Câmara Municipal do século 18, de outro. Ficam na única avenida que corta a cidade.

No fim da avenida, os caminhões entram à esquerda, para o porto. Bem nessa esquina, está o posto de gasolina de Yukiharu Kajiya, fundado há 50 anos. O que incomoda Yukiharu é que, na volta, os caminhões não conseguem fazer a curva para entrar na avenida. ‘Eles passam com a roda em cima do canteiro central.’
Nesse item, o do trânsito para o porto, o projeto do governo não traz problemas. Na verdade, os resolve. Hoje, os caminhões que vêm ao porto descem a serra pela Rodovia dos Tamoios até Caraguatatuba. Aqui pegam 25 quilômetros de Rodovia Rio-Santos para chegar às portas de São Sebastião.

O projeto cria uma nova rodovia, que sairá já da Tamoios, diretamente para São Sebastião (veja o mapa). Ela correrá por trás da cidade e desembocará exatamente nos terminais do porto. Os caminhões não passarão mais pelo centro.

O prefeito Juan Pons Garcia PPS está otimista. Dá ‘como provável’ que desta vez a ampliação do porto saia. ‘Há uma junção de interesses entre o governo e o empresariado.’ (A administração do porto e das rodovias será dada a concessionárias.) Mas nem quer pensar em ampliação do porto sem o suporte rodoviário. ‘Seria um transtorno terrível, um problema gigantesco.’
O cronograma de obras, em princípio, elimina essa possibilidade. Mas atrasos no seu cumprimento podem ocorrer – como acontece com o Anel Rodoviário, que envolve a cidade de São Paulo.

Não há espaço no centro para novas casas

Mesmo que tudo corra bem com as obras anunciadas, há outro ponto de tensão. A maior movimentação no porto trará a São Sebastião operadores portuários, despachantes, empresas de manutenção, de reparos navais. E o centro da cidade não comporta mais nenhuma casa.

‘Não temos para onde crescer’, admite o prefeito Garcia. ‘Vai ter que haver uma readequação.’ Mas fora do centro há bairros como o da Enseada, para os lados de Caraguatatuba, que admitem novas moradias.

O lado bom desse cenário é a geração de empregos, preocupação do prefeito e de pessoas como Maria Madalena Ramalho, que trabalha ‘com culinária’. Na manhã da terça-feira, ela prendia sua bicicleta num poste, no jardim da avenida da praia, no centro. ‘Tudo o que estão falando é bom, mas o que precisa mesmo é abrir mais trabalho para os nossos jovens’, dizia.

Na avenida fica a loja aberta pelo grego Aristides Vassilios Patikas há 28 anos. Filipinos, gregos, russos, noruegueses e outros navegantes gostavam de comprar ali borboletas, jacarés e tatus embalsamados.

Agora que isso é proibido, levam peças de arte náutica feitas no Vale do Paraíba. Um relógio em uma escotilha de latão, R$ 200. Os russos gostam de facas. Outros se provêm de material de pesca. ‘Eles vêm com dólares, fica barato’, diz Vassilis Ary, filho de Patikas.

Navios levam carros e trazem malte. Para cerveja

Com as obras do porto, a clientela aumentará. Hoje, o cais permite a atracação de quatro navios, que levam carros, caroço de algodão, gado e açúcar e trazem malte e cevada (para a cervejinha…), barrilha (produtos de limpeza), sulfato.

Um novo cais será construído, para receber mais quatro navios, neste caso incluindo os gigantes Pós-Panamax, que poderão levar 150 mil toneladas. Não há problema de calado. O novo porto tem notáveis 16 metros de profundidade.

Apesar de tudo, o porto não rende ICMS, imposto de movimentação de mercadorias. Uma lei isentou as importações. Apenas o ISS, imposto sobre serviços, ajuda no orçamento municipal (R$ 210 milhões, este ano). Perto do porto fica o terminal de petróleo da Petrobrás, que é o maior da América do Sul. Este dá a São Sebastião R$ 4 milhões por mês de royalties e outro tanto de ICMS.

O ICMS deverá aumentar, na cidade, junto com o crescimento do comércio. Num casarão de 1788 funciona, há 62 anos, a Casa Esperança. O neto do fundador, Reinaldo Vasques Fernandes, vende tecidos, no térreo. No primeiro andar, expõe sua obra de artista plástico.

As salas da galeria que criou (aberta ao público nos fins de semana) mostram um curioso contraponto. Nas paredes, os quadros de Vasques. No teto, afrescos centenários pintados na forração de madeira. O artista se preocupa com as obras na cidade. ‘O centro histórico tem que ser preservado.’

Yukiharu Kajiya, 70 anos, o dono do posto de gasolina que reclama dos caminhões, também acha isso. Seu pai, engenheiro no Japão, trabalhou como lavrador em Bastos, Interior paulista. Juntou dinheiro. Comprou dez alqueires de terra em São Sebastião, ‘da praia até o morro’. ‘Era baratinho.’

Abriu o posto de gasolina. E agora Yukiharu está começando a primeira reforma do posto nos 50 anos de existência. ‘Vamos trocar o piso, os tanques e as bombas. O movimento vai aumentar muito.’