São Paulo volta a produzir arroz com qualidade

O Estado de S.Paulo

qua, 24/03/2010 - 8h32 | Do Portal do Governo

Produtividade já é equivalente ao cereal produzido no Rio Grande do Sul, chegando a 6,4 toneladas por hectare

O produtor Pedro Paulo Mariano César, dono da Fazenda Massaranduba, em Itaberá, no sudoeste paulista, comemorou a boa safra de arroz encerrada esta semana. Numa área de 50 hectares, ele colheu média de 6,4 toneladas do cereal por hectare. A produtividade, muito próxima da dos Estados do Sul, tradicionais arrozeiros, foi obtida em área de terras altas e sem irrigação. “Apostei nas previsões de que o período teria muita chuva e deu certo”, justifica.

César acertou também a aposta de que o arroz teria bom preço em função da quebra de safra no Rio Grande do Sul, causada justamente pelo excesso de chuvas, e em países grandes produtores como a Índia.

Ele vendeu a R$ 36 a saca, preço bastante compensador, exatamente num momento em que outros grãos, como a soja e o milho, estavam registrando baixas cotações.

O agricultor de Itaberá é um dos que aderiram ao programa Arroz Paulista com Qualidade, fruto de parceria entre a Secretaria de Agricultura e Abastecimento e as agroindústrias arrozeiras, numa tentativa de recuperar a cultura em São Paulo. No início da década de 1980, o Estado plantava próximo de 350 mil hectares de arroz.

“Importação”

Atualmente a área cultivada não passa de 20 mil hectares, concentrados nas várzeas do Vale do Paraíba. Maior consumidor nacional, São Paulo passou a “importar” 95% do arroz que sua população consome. O engenheiro agrônomo Edegar Petisco, diretor do Departamento de Sementes, Mudas e Matrizes da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), conta que vários fatores contribuíram para a grande queda, entre eles o crescimento na produção de soja e o fortalecimento no sistema de cultivo do arroz em terreno alagado.

“Em São Paulo, o arroz pode ressurgir como uma alternativa para o agricultor, que hoje se limita a produzir milho, soja e feijão. Se plantar e colher arroz com qualidade, ele terá para quem vender, pois o mercado paulista é grande.”

Semente

Pela parceria, a Cati – única produtora dessa semente no Estado – fornece o material reprodutivo à agroindústria arrozeira e esta o repassa aos agricultores. “O produtor paga pela semente apenas na colheita, à razão de 2 quilos de arroz por quilo de semente”, explica Petisco. A agroindústria assume, ainda, o compromisso de adquirir 100% da produção pela melhor cotação, mas libera o agricultor para vender até 50% do arroz produzido para outro comprador, se ele preferir. A empresa paga bônus sobre a qualidade do produto.

No ano passado, a Secretaria de Agricultura aumentou de 127 para 239 toneladas a produção de sementes. O plano é chegar a 550 toneladas este ano. Os 16 contratos firmados para o plantio da safra que está sendo colhida devem resultar na produção de 21 mil toneladas – apenas na região de Avaré foram plantados 2 mil hectares.

Com a adesão ao programa Arroz Paulista com Qualidade, os produtores do Vale do Paraíba, principal região produtora no Estado, podem ganhar um incremento de até 30% na produtividade, acredita o engenheiro agrônomo Glênio Wilson de Campos, do Núcleo de Produção de Sementes de Taubaté da Secretaria de Agricultura e Abastecimento.

Esse impacto é possível porque, em vez de usar o grão da própria lavoura para o novo cultivo, prática arraigada na região, o agricultor receberá as sementes fornecidas pela Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado, com melhor potencial produtivo.

“Um produtor de 50 hectares, que é a média da região, deixará de investir de R$ 7 mil a R$ 10 mil na fase inicial da lavoura”, diz o agrônomo Campos.

Tecnologia

O dinheiro economizado com a semente pode ser investido em tecnologia, melhorando práticas como a adubação e a irrigação, segundo Campos. Outro gargalo da produção que o programa elimina é o da comercialização. “Normalmente, o produto é enviado para Santa Catarina e, depois, o mesmo arroz retorna a São Paulo, que é o maior consumidor da produção dos Estados da Região Sul”, explicou. O programa prevê o pagamento da semente em espécie, após a colheita, à razão de 2 quilos de arroz para cada quilo da semente recebida no início da safra. De acordo com o agrônomo, o incentivo deve ajudar na retomada da rizicultura na região. “Temos um potencial de uso de 45 mil hectares nas várzeas do Rio Paraíba do Sul, mas estamos usando menos de 15 mil.”

Segundo Campos, mesmo com o lançamento em plena época de plantio, alguns produtores ainda puderam aderir ao programa do arroz de qualidade. “Como os resultados foram animadores, a expectativa é de uma adesão significativa para o próximo plantio”, conclui.

Mais informações

Depto. de sementes, mudas e matrizes, tel. (0–15) 3562-1642, e-mail npm.itabera@cati.sp.gov.br

Para entender

Arroz alagado
É o arroz cultivado em terrenos baixos e alagados. Planta-se a semente, e, depois que ela germina, alaga-se o terreno. Sobretudo na Região Sul do País o cultivo é feito desta maneira.

Arroz de sequeiro
É o cultivo do cereal feito em terrenos secos, sem alagamento. É também conhecido como arroz de terras altas, por não ser cultivado na várzea. No Centro-Oeste este tipo de cultivo do cereal é mais comum.

Em São Paulo
O Estado tem ambos os tipos. O Vale do Paraíba é famoso pelo arroz de várzea. No sudoeste, o arroz de sequeiro começa a se firmar. A produção prevista para esta safra é de 80 mil toneladas. 

Com chuvas constantes, houve economia de água e energia

O agricultor Walter William Sleutjes, proprietário da fazenda Buriti Mirim, em Angatuba, plantou 49 hectares e colhia, na semana passada, a média de 6,1 toneladas/hectare.

A área de cultivo tem pivôs de irrigação, mas, como as chuvas foram constantes, ele economizou água e energia. Com isso, teve um custo de R$ 2 mil por hectare. Como estava conseguindo colocar a R$ 39 a saca, esperava uma receita bruta de R$ 3,9 mil por hectare. “Nesse momento, nenhuma outra cultura dá essa renda”, disse.

Plantio direto. O arroz foi plantado no início de novembro, após a colheita do feijão, no sistema de plantio direto. As máquinas que faziam a colheita deixavam no solo uma grossa camada de palha. “Vou deixar secar para fazer outro plantio em cima”, disse Sleutjes.

Ele lembrou que seu pai tinha sido um grande produtor do cereal nos anos 1980. “As terras da fazenda foram abertas para o cultivo de arroz.” O agricultor considera importante melhorar a estrutura de secagem, beneficiamento e comercialização para que a cultura avance no Estado. De acordo com a Secretaria, a Ceagesp vai entrar com a estrutura de silos e secadores para atender à demanda dos arrozeiros.

O agrônomo Rubens Yamanaka, da Cati de Avaré, disse que o arroz é uma opção a mais para a rotação de lavouras nas áreas de produção agrícola. “É a planta ideal para rotação com feijão e soja, mas é possível plantar também após a colheita do trigo.” A melhor época para o plantio está entre os meses de setembro e outubro. O cultivar usado no programa é o IAC 202, com grãos longos e resistentes à quebra, próprio para o cultivo em terras altas. “É um cultivar desenvolvido há mais de dez anos, mas que ficou parado por falta de interesse.” A cultura, segundo ele, praticamente saiu da agenda do agricultor paulista. De acordo com o programa Lupa (Levantamento de Unidade de Produção Agropecuária) da Secretaria da Agricultura, em 96, um total de 11.138 agricultores paulistas declarou ter plantado arroz. Em 2008, esse número foi de apenas 1.685.

O diretor da Unidade de Arroz da Broto Legal, Lázaro Moretto, disse que a empresa apostou no projeto por causa da logística. Atualmente, grande parte do arroz comercializado com a marca vem do RS.

“Ter o produto na porta é bem mais vantajoso do que buscar a 2 mil quilômetros.” A empresa recebe o arroz em casca e cuida do beneficiamento, seleção e embalagem. Ele considera que a qualidade da primeira safra está próxima da desejada. “Estamos fazendo alguns ajustes para o próximo plantio.”

Moretto acredita que os produtores que aderiram vão ampliar os cultivos entre 30% e 50%. “É o crescimento possível em função da disponibilidade de semente.” O programa levou a Broto Legal a investir em melhorias na unidade de beneficiamento de arroz localizada em Porto Ferreira.

Casarões de Iguape surgiram por causa do cereal

O arroz foi a primeira grande cultura de grãos a contribuir para o desenvolvimento do Estado de São Paulo, concomitantemente ao ciclo da cana e antecedendo ao do café. Cultivado no Vale do Ribeira por 100 anos, a partir de meados do século 18 , foi a cultura responsável pela construção dos casarões ainda hoje preservados em Iguape, no litoral sul. O escoamento da produção, que era transportada em barcaças pelo rio Ribeira, para ser exportada para a Europa, transformou os dois portos de Iguape nos mais movimentados do Sul do País. Graças ao arroz, Iguape tinha dois teatros, quatro jornais diários, o vice-consulado português e o consulado da França.

Para retomar essa importância, o programa Arroz Paulista com Qualidade visa a promover a integração da cadeia produtiva do arroz, aproximando o produtor rural e as agroindústrias arrozeiras paulistas. Como a demanda paulista por sementes é baixa, não há empresas produtoras no Estado. Agricultores selecionados fazem um contrato de produção com a indústria e recebem as sementes da Cati. No mesmo contrato, as empresas se comprometem a comprar a produção. As sementes são pagas na colheita e o pagamento será na forma de produto colhido, na proporção de 2 quilos de grãos para cada quilo de sementes recebidas na hora do plantio. “O programa se tornou possível pelo fato de a Cati, ter condições de produzir sementes de qualidade”, diz o agrônomo Campos. Um dos objetivos é recuperar a cultura do arroz, o grão mais consumido pelo brasileiro.