Saneamento, urgência nacional

O Estado de S.Paulo - Sábado, 29 de dezembro de 2007

sáb, 29/12/2007 - 10h34 | Do Portal do Governo

O Estado de S.Paulo

Dilma Pena

A questão do saneamento básico no Brasil é séria e requer esforços de todos os níveis de governo, da população e da iniciativa privada. A recente pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre saneamento e saúde confirma que o Estado de São Paulo tem a melhor cobertura do serviço. São paulistas 44 dos 50 primeiros municípios com mais acesso a rede geral de esgoto, conforme dados de 2006, e também os dez primeiros, todos com índices acima de 96,5%. Graças a um trabalho forte, planejado e contínuo, o Estado lidera, com 84,2%, à frente do Distrito Federal (79,8%) e de Minas Gerais (73,4%). A Região Metropolitana de São Paulo está em segundo lugar (78,6%).

Baseada em fontes consistentes, a pesquisa, uma iniciativa do Instituto Trata Brasil, é útil, sem dúvida, pois traz para o debate nacional um tema de inegável importância, nem sempre valorizado. Expõe fatos e tira conclusões, como a de que a universalização dos serviços de coleta e tratamento de esgotos no Brasil, mantida a atual evolução dos indicadores, será alcançada somente em 2122 (daqui a 115 anos). Essa estimativa é para o País, mas há flagrantes diferenças regionais. No Estado de São Paulo ocorreria 82 anos antes, em 2040.

A pesquisa deixa claro que os investimentos em saneamento básico se traduzem em redução de gastos com medicina curativa, poupando recursos públicos e aumentando o nível de bem-estar social. O Instituto Trata Brasil considera que o ideal seria investir em saneamento 0,63% do PIB, e não apenas o 0,1% aplicado nos últimos anos.

O aporte de recursos financeiros em volumes suficientes, a custos baixos e longo prazo, é fundamental. Saneamento é intensivo em capital e a população a ser atendida, em geral de baixa renda, mora em locais fora dos padrões urbanísticos legais, o que eleva os custos das obras. Desde 2003, o governo federal tem dificultado ainda mais a obtenção de recursos para o setor, ao elevar as alíquotas do PIS-Pasep e da Cofins, passando de 3,78% para 9,25% hoje. Este ano, vetou proposta feita em janeiro pelo governador José Serra de isentar o saneamento, setor que recolhe anualmente R$ 1,4 bilhão, montante suficiente para abastecer cerca de 900 mil famílias de água potável por ano.

Nos rankings de municípios com acesso à rede geral de esgoto, o primeiro lugar coube a São Caetano do Sul (98,6% de atendimento em 2006), também o detentor do maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) nacional. A cobertura avançou. Hoje, apenas no universo operado pela Sabesp, já existem diversos municípios com 100% de acesso à rede coletora, além de 100% de tratamento dos esgotos coletados (88 municípios em setembro de 2007). Em municípios operados pela Sabesp com índices entre 0 (Sandovalina) e 4,1% (Embaúba), agora a situação é bem diversa. Desde setembro deste ano, a coleta é de 100% em Sandovalina e de 98% em Embaúba; em Mirante do Paranapanema (0,4% na pesquisa) o índice já é de 62%.

Na área de atuação da Sabesp no Estado de São Paulo, o abastecimento de água está praticamente universalizado, o acesso à coleta de esgotos por rede pública evoluiu, nos últimos dez anos, de 68% para 79% e o tratamento dos esgotos coletados subiu de 29% para 63%, fruto de R$ 15,5 bilhões investidos nos últimos 12 anos, sendo R$ 9 bilhões em sistemas de esgotamento sanitário.

Os índices de São Paulo são muito bons em relação ao restante do País, mas o governo Serra tem metas muito mais ambiciosas. Executa um amplo e vigoroso programa de saneamento, como o de Recuperação de Mananciais, que terá R$ 1,34 bilhão de 2008 a 2012. Está investindo, sobretudo na região metropolitana da capital, para que, no menor tempo possível, o Estado tenha 100% de coleta e de tratamento de esgoto. Até 2010 o governo estadual aplicará R$ 7 bilhões em saneamento.

Desse total, a Sabesp, que atua em 367 municípios, entrará com cerca de R$ 5,9 bilhões, dobrando o valor dos últimos quatro anos, para atingir níveis de atendimento em coleta de 84% e elevar o tratamento dos esgotos coletados para 82%. A superação do desafio da universalização da coleta e do tratamento dos esgotos está prevista para entre 2018 e 2020 – portanto, bem antes do estimado no estudo da FGV.

O prazo de 115 anos para que 100% da população tenha acesso a uma rede de esgoto é mais do que inaceitável. É desumano. Os governos federal, estaduais e municipais precisam unir esforços e recursos para reduzir esse tempo e, em conseqüência, diminuir a mortalidade infantil e melhorar a saúde do brasileiro.

A escassez de recursos hídricos, um risco crescente, já existe em várias partes do País. O pior conflito do uso da água é entre o abastecimento humano e a diluição de efluentes. A coleta e o tratamento de esgoto demandam um longo e complexo trabalho, articulado com outras políticas públicas. É impossível corrigir em pouco tempo o estrago de décadas e décadas de descaso com os nossos corpos d’água.

Para o País enfrentar o desafio do saneamento é consenso no setor a necessidade de investimentos, mediante financiamentos onerosos e não-onerosos bem aplicados; planejamento das aplicações com garantia de continuidade e perenidade no longo prazo (não de 115 anos); eficiência na alocação dos recursos, segundo a lógica da bacia hidrográfica, isto é, recuperar os mananciais de montante para jusante; regulação e fiscalização rigorosas de prestadores públicos e privados; restabelecimento da capacidade de elaboração de bons projetos pela consultoria privada; e trabalhar para que a agenda do saneamento seja de todos, até da classe política.

A ONU instituiu 2008 como o Ano Internacional do Saneamento Básico. Que a data faça despertar o Brasil inteiro para a urgência da questão.

Dilma Pena, secretária de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo, é presidente do Fórum Nacional de Secretários Estaduais de Saneamento