Sabesp, reestruturada, mira o exterior

Valor Econômico - Quarta-feira, dia 16 de agosto de 2006

qua, 16/08/2006 - 10h22 | Do Portal do Governo

Vanessa Adachi

Na tela do computador, uma fotografia aérea da cidade de São Paulo. Com um clique no mouse, o técnico da Sabesp aproxima a imagem até focalizar o local do encanamento subterrâneo em que foi diagnosticado um vazamento. Mais um clique e ele consegue ler todas as anotações originais do engenheiro encarregado da construção daquela tubulação, com as especificações técnicas da obra que ajudarão no reparo do problema e evitarão o tradicional quebra-quebra.

O programa de computador abrange os 50 mil quilômetros de rede de encanamentos que a companhia de saneamento tem na região metropolitana de São Paulo, e para todos eles foram recuperadas as anotações feitas pelos engenheiros. No processo, foram escaneados cadernos até dos anos 20 e 30, quando a empresa ainda nem existia. Operacional há dois anos, o sistema é uma marca dos novos tempos vividos pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, escolhida como Empresa de Valor entre as 27 campeãs setoriais do “Valor 1000”.

Essa nova Sabesp em nada lembra aquela empresa que há dez anos demandava recursos constantes do Tesouro estadual para fechar o seu caixa e que deixava cerca de 5 milhões de pessoas na Grande São Paulo sem água, submetidas ao pesadelo do rodízio. “Hoje, a cobertura de fornecimento de água é de 100% das áreas urbanas do Estado, inclusive na capital”, afirma, satisfeito, o advogado Dalmo Nogueira Filho, presidente da Sabesp.

E quanto à necessidade de injeções de dinheiro, a companhia inverteu a mão. Transformou-se numa geradora de recursos. “Nos últimos dez anos, a empresa distribuiu, em média, R$ 300 milhões em dividendos por ano”, calcula Rui de Britto Álvares Affonso, diretor financeiro da empresa. A conta foi feita tomando como base preços médios no fim de 2005. O maior beneficiário desses dividendos foi o governo estadual, que detém o controle da companhia mesmo depois de ter vendido as ações excedentes a investidores privados por meio de uma oferta pública, há quase dois anos.

Desde que Mario Covas tomou posse como governador, em 1995, e deu início à recuperação da Sabesp, muita coisa precisou ser feita até que a empresa se transformasse em uma referência no setor de saneamento no país em termos operacionais e financeiros, onde apenas uma minoria das companhias se modernizou e a maioria ainda enfrenta dificuldades. Redução de custos, ampliação da área de cobertura dos serviços, diminuição das perdas de água do sistema, reformulação da estrutura de capital fizeram parte do roteiro. Tudo isso acrescido de investimentos na área social, preocupação constante com o treinamento dos funcionários, obtenção de certificações de qualidade e adoção de boas práticas de governança corporativa, concorreu para que a Sabesp reunisse as condições necessárias para ser eleita a Empresa de Valor 2006.

Alguns poucos números indicam o quanto a empresa progrediu operacionalmente nesse período. Ganhou produtividade ao reduzir o quadro de funcionários de 22 mil para 17 mil funcionários, ao mesmo tempo em que ampliou a sua área de atuação de 331 municípios para 368. O índice de cobertura da rede de esgoto, que era de 67% há dez anos, está em 78% da área em que a Sabesp atua. Desses, 65% são tratados – apenas 29% recebiam tratamento lá atrás.

A meta para 2008 é atingir cobertura de 86% e tratamento de 75%. Os desafios não param. Reduzir o elevado nível de perdas de água no sistema, por exemplo, é uma das prioridades. Hoje, nada menos do que 33% da água produzida não se traduz em faturamento – metade por conta de vazamentos e a outra metade por problemas nos medidores ou fraudes. A meta é baixar o índice para 26% até 2008.

Mesmo no fornecimento de água, sustentar o índice de cobertura de 100% não é tarefa trivial. A cada ano, a Grande São Paulo, que responde por 75% das atividades da empresa, ganha 300 mil novos habitantes. É o equivalente a uma Florianópolis. A escassez de água é, portanto, um risco com o qual a companhia tem que lidar cotidianamente. O futuro do abastecimento para a região metropolitana está depositado em megaprojeto a ser desenvolvido por uma parceria público-privada (PPP), cujo edital foi publicado ontem pela empresa.

A empresa informa ter investido cerca de R$ 1,3 bilhão por ano desde 1995 na expansão e melhoria de seus serviços, sem depender do governo do Estado. Isso se tornou possível porque a companhia colocou a vida financeira em dia e hoje tem acesso garantido aos mais variados instrumentos de financiamento, como empréstimos de longo prazo, debêntures, e fundos de direito creditório. “Os bancos nos procuram e têm interesse em trabalhar com a gente”, explica Nogueira Filho.

Embora nunca tenha captado recursos na bolsa de valores (apenas vendeu ações que pertenciam ao governo), a Sabesp está desde 2002 no chamado Novo Mercado da Bovespa, o segmento de negociação com os mais elevados níveis de governança corporativa. Foi a segunda empresa a aderir ao NM. A primeira foi a Companhia de Concessões Rodoviárias (CCR). A empresa também tem ações negociadas na Bolsa de Nova York, onde concentra o maior volume de transações. “Gosto de pensar que é negociado US$ 1 bilhão por ano com nossas ações em Nova York”, diz o presidente da empresa. Para ele, a transparência que a presença na bolsa exige da empresa facilita seu acesso a outros instrumentos financeiros.

Mas governança e controle estatal não são contraditórios? Afinal, as indicações para os principais cargos no conselho de administração e também na diretoria executiva da empresa são todas feitas pelo governo estadual. A cada troca de governador, muda também o comando da empresa. Nogueira Filho acredita que não. “Hoje em dia, o governo age como um acionista majoritário e tem consciência do ônus dessa posição”, diz ele. “Cada vez mais o governo tem adotado critérios técnicos, porque sabe que, se não nomear pessoas qualificadas, será cobrado pelos investidores.”

A empresa tem hoje cerca de 2,2 mil acionistas minoritários, donos de quase metade da companhia. São investidores que não participam ativamente da gestão da empresa – embora tenham direito a mais, indicaram apenas um representante para o conselho de administração -, mas que exercem sua pressão sob a forma de cobrança de resultados e crescimento.

De olho na busca por esse crescimento, a empresa cobiça novas concessões dentro do próprio Estado, onde está em 368 dos 645 municípios, e até em outras áreas do país. E, pela primeira vez, a Sabesp começa a olhar também além das fronteiras.

Está em desenvolvimento na companhia um plano para participar de licitações em outros países para a prestação de serviços de água e esgoto. A idéia, diz Nogueira Filho, é formar consórcios com empresas privadas que já tenham experiência no exterior. Os primeiros alvos estariam na própria América Latina. “Temos todo o know-how para operar em grandes cidades com situação caótica de urbanização. É um diferencial nada desprezível”, diz ele. Cada vez mais a Sabesp quer fazer do saneamento básico um negócio.